A apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS é tema de grande debate e relevância para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Sendo certo que a tributação tem grande impacto econômico no cenário nacional, ela toma magnitude entre os Fundos de Pensão, uma vez que a cobrança ilegal do tributo dificulta a manutenção de uma entidade de significativa responsabilidade social, e que nem mesmo possui fins lucrativos.
As EFPC têm sua atividade regulamentada pela Lei Complementar 109/01, não possuem fins lucrativos, e sua atividade consiste na administração de planos de suplementação previdenciais, ou seja, administra benefícios complementares de aposentadoria.
A atuação dessas entidades é diferente da atuação do INSS, que atua sob o regime de caixa, vez que as EFPC atuam sob o regime de capitalização dos recursos advindos das contribuições dos participantes. Além disso, é imprescindível destacar que as referidas entidades não se confundem com instituições financeiras. Em primeiro lugar porque elas não possuem finalidade lucrativa, e, segundo, por constituírem-se em braço do sistema de seguridade social brasileiro, inclusive estão inseridas na Constituição Federal no Capítulo "Da Seguridade Social", e não no Capítulo "Do Sistema Financeiro", como figuram as instituições financeiras.
É fundamental que o Estado alcance a real importância da previdência complementar fechada, notando seu caráter eminentemente assistencial, voltado para manutenção da qualidade de vida de seus participantes, e atuando complementarmente ao Estado para assegurar a aposentadoria mais digna e condizente com a realidade financeira do beneficiário.
Todavia, por falta de conhecimento ou motivado pela voracidade arrecadatória, o Estado vem negligenciando a natureza jurídica das EFPC, deturpando conceitos, visando-lhes onerar tributariamente além do devido.
Já é consolidado o entendimento de que o PIS e a COFINS não incidem sobre o valor correspondente às contribuições para aposentadorias e rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas à cobertura dos benefícios, mas tão somente sobre as ‘receitas administrativas’. Sem dúvidas o entendimento foi uma vitória para o setor, contudo, a atual hipótese de incidência das contribuições permanece injusta.
Mesmo sem finalidade lucrativa, as EFPC possuem receitas administrativas oriundas da necessidade de administração dos recursos de terceiros. Essa verba também não pode ser entendida como receita bruta tributável ou faturamento, uma vez que ela é destinada à manutenção do fundo de pensão, e, portanto, não deveria servir de base de cálculo para cobrança das contribuições.
No passado as EFPC recolhiam a contribuição para o PIS correspondente a 1% sobre sua folha de salários1. Porém, com o advento da Lei 9.718/1998, a base de cálculo do PIS e da COFINS foi alterada.
A referida lei determinava2 que a base de cálculo das contribuições seria apurada pelo faturamento, sendo este conceituado como sinônimo de receita bruta, em total desconformidade com o art. 195, CF e com o art. 110 do CTN3. Além do mais, o faturamento era entendido como o resultado da venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços. Logo, o que entender como faturamento da EFPC se ela não possui finalidade lucrativa? Sobre o tema se manifestou o STF:
CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO - INSTITUTOS - EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada. (RE 390840, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2005, DJ 15-08-2006 PP-00025 EMENT VOL-02242-03 PP-00372 RDDT n. 133, 2006, p. 214-215).
O alargamento do conceito de ‘faturamento’ é um indicativo da má-fé estatal em saciar sua fome arrecadatória. Na redação original, o art. 195, I, CF/88 estabelecia que a seguridade social fosse financiada pelos empregadores com base na folha de salários, no faturamento e no lucro. Por isso as EFPC recolhiam com base apenas na folha de salários, pois não possuem faturamento e nem lucro.4
Posteriormente foi promulgada a Emenda Constitucional nº 20/98, que determinou que ao lado do faturamento, a receita bruta também seria base de cálculo para as contribuições relacionadas a seguridade social.
É evidente que os conceitos de ‘faturamento’ e de ‘receita bruta’ são essencialmente mercantis, e não se adequam à realidade das EFPC, cujos recursos auferidos são voltados exclusivamente para manutenção da entidade e plano de benefícios. Além disso, suas atividades estão direcionadas à complementação das atividades do Poder Público, o que ratifica a ilegitimidade da tributação das bases de cálculo estabelecidas.
Outrossim, o parágrafo 1º do art. 69 da LC 109/01 dispõe que “sobre as contribuições de que trata o caput5 não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza. ” Ou seja, nem mesmo as contribuições recebidas para fins de custeio administrativo devem ser tributadas.
É nesse contexto que as EFPC devem buscar junto ao poder judiciário a garantia de não sujeição à cobrança do PIS e da COFINS à maneira que vem ocorrendo, nem mesmo sobre suas atividades habituais de administração dos planos de benefício de natureza previdenciária.
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1 Decreto-Lei n º 2.303/86, art.33.
2 O parágrafo 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/1998 que continha a normativa foi revogado pela Lei nº 11.941, de 2009)
3 Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
4 Com base no referido dispositivo constitucional a LC nº 70/91 sobre a COFINS, também estabeleceu que a base de cálculo para a respectiva contribuição seria o faturamento mensal, assim compreendido como a receita bruta das vendas de mercadorias e de serviços de qualquer natureza.
5 Art. 69. As contribuições vertidas para as entidades de previdência complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios de natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de incidência de imposto sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei.
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*Paula Lorenzoni, do jurídico da OABPrev-RJ.