Em decorrência do sistema de controle prévio dos atos de concentração econômica instituído pela nova lei de defesa da concorrência (lei 12.529/11), vigente desde maio de 2012, empresas que notifiquem as suas operações ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não podem “consumar” a operação até a decisão final do Cade.
Havia muitas dúvidas, entretanto, a respeito do que constituiria a “consumação” de uma operação e, assim, sobre quais atos as empresas poderiam ou não praticar antes de obter a aprovação do CADE.
Visando diminuir a insegurança gerada no mercado, o Cade divulgou no dia 20/5 o Guia para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica (“Guia”), no qual busca estabelecer parâmetros para se evitar a prática de “gun jumping”, termo importado de jurisdições anglo-saxãs para definir as situações em que ocorre consumação (total ou mesmo parcial) da operação antes da decisão final da autoridade antitruste.
O Guia é dividido em três seções: (i) atividades que caracterizam gun jumping, (ii) procedimentos para diminuição dos riscos de gun jumping, e (iii) possíveis punições.
De acordo com o Guia, as seguintes práticas podem caracterizar gun jumping: (i) troca de informações concorrencialmente sensíveis; (ii) definição de cláusulas contratuais que impliquem uma integração prematura; e (iii) condução de certas atividades que caracterizem a efetiva consumação de ao menos parte da operação.
Troca de informações concorrencialmente sensíveis que devem ser evitadas entre as partes envolve a troca de dados sobre custos; nível de capacidade e planos de expansão; estratégias de marketing; precificação de produtos (preços e descontos); principais clientes e descontos assegurados; salários de funcionários; principais fornecedores e termos de contratos com eles celebrados; informações não públicas sobre marcas e patentes e pesquisa e desenvolvimento (P&D); planos de aquisições futuras; estratégias competitivas, e outras informações que não seriam trocadas usualmente entre concorrentes.
Ademais, algumas cláusulas contratuais também podem caracterizar gun jumping, tais como cláusulas de anterioridade da data de vigência do contrato em relação à sua data de celebração, que implique alguma integração entre as partes; estabelecimento de não-concorrência prévia; pagamento antecipado integral ou parcial de contraprestação pelo objeto da operação, não reembolsável (com exceção de pagamento de um sinal típico de transações comerciais, depósito em conta bloqueada (escrow) ou cláusulas de break-up fees); cláusulas que permitam a ingerência direta de uma parte sobre aspectos estratégicos dos negócios da outra e que não configure mera proteção do investimento; bem como quaisquer cláusulas que prevejam atividades que não possam ser revertidas em um momento posterior ou cuja reversão implique dispêndio de uma quantidade significativa de recursos por parte dos agentes envolvidos ou da autoridade.
Finalmente, e com relação a atividades conduzidas pelas partes antes e durante a implementação do ato de concentração, podem vir a ser consideradas problemáticas as seguintes situações: transferência e/ou usufruto de ativos em geral (inclusive de valores mobiliários com direito a voto); exercício de direito de voto ou de influência relevante sobre as atividades da contraparte; recebimento de lucros ou outros pagamentos vinculados ao desempenho da contraparte; desenvolvimento de estratégicas conjuntas de vendas ou marketing de produtos que configurem unificação da gestão; integração de força de vendas entre as partes; licenciamento de uso de propriedade intelectual exclusiva à contraparte; desenvolvimento conjunto de produtos; indicação de membros em órgão de deliberação; interrupção de investimentos, etc.
A fim de que a troca de informações entre as partes da operação possa ocorrer sem violação da lei concorrencial, o Guia recomenda (i) a adoção de um protocolo antitruste, ou seja, um procedimento específico estabelecido em âmbito privado, entre as partes, a ser observado por comitês independentes para tratar tais informações, (ii) a formação de clean team e/ou comitê executivo, de forma que (iii) a troca de informações ocorra apenas por intermédio do clean team, que deve ser o único ponto de contato entre as empresas, (iv) compromisso de confidencialidade pelos membros do clean team e do comitê executivo, (v) que os dados concorrencialmente sensíveis recebidos pelo clean team somente sejam divulgados ao comitê executivo de forma agregada e/ou histórica, com periodicidade recomendável de no mínimo 3 (três) meses de sua ocorrência, e (vi) monitoramento das discussões mantidas por membros do comitê executivo (parlor room), com o propósito de tratar do futuro processo de integração entre as empresas envolvidas na operação, de forma a garantir que nenhuma informação concorrencialmente sensível seja objeto das discussões.
A importância da atenção ao tema se redobra em função das contingências que a prática de gun jumping pode gerar. A Lei de Defesa da Concorrência estabelece que as penas podem incluir (i) multa pecuniária que pode variar de R$ 60 mil a R$ 60 milhões, (ii) instauração de processo administrativo, e (iii) nulidade dos atos consumados antes de apreciados pelo CADE. O Guia estabelece que a aplicação da pena pecuniária levará em conta a situação da operação (momento da notificação – ou ausência desta - em relação à consumação); a natureza da decisão do CADE (reprovação, aprovação com restrições e aprovação sem restrições), bem como a existência de sobreposição horizontal ou integração vertical decorrente da operação, e o porte econômico do infrator. Desde a entrada em vigor da lei 12.529/11, o CADE julgou cinco casos de gun jumping, impondo contribuições pecuniárias que variaram de R$ 60 mil a R$ 3 milhões.
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*Cristianne Saccab Zarzur, Ana Carolina Zoricic e Leda Batista da Silva são, respectivamente, sócia e associadas da Área Contenciosa de Pinheiro Neto Advogados.