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A natureza jurídica, política e social das Corporações profissionais

A história das corporações profissionais ou corporações do ofício inicia-se na França onde os pais ensinavam aos seus filhos as profissões e reuniam-se em grupos, os quais formaram uma espécie de classe média da idade medieval e que influenciou até a Revolução Francesa. Iniciaram-se no séc. XII e tiveram o seu apogeu no séc. XIV na Espanha e em Portugal. Sendo aparentemente extintas no inicio do século XIX. Essas Corporações baseavam em um espécie de segredo da informação, hoje difícil de se imaginar em face dos meios de comunicação. Entretanto, as Corporações Militares mantiveram-se e até foram fortalecidas com a formação dos exércitos profissionais e permanentes.

15/3/2006


A natureza jurídica, política e social das Corporações profissionais


André Luis Alves de Melo*


A história das corporações profissionais ou corporações do ofício inicia-se na França onde os pais ensinavam aos seus filhos as profissões e reuniam-se em grupos, os quais formaram uma espécie de classe média da idade medieval e que influenciou até a Revolução Francesa. Iniciaram-se no séc. XII e tiveram o seu apogeu no séc. XIV na Espanha e em Portugal. Sendo aparentemente extintas no inicio do século XIX. Essas Corporações baseavam em um espécie de segredo da informação, hoje difícil de se imaginar em face dos meios de comunicação. Entretanto, as Corporações Militares mantiveram-se e até foram fortalecidas com a formação dos exércitos profissionais e permanentes.


Mas as Corporações Profissionais na área civil ressurgiram no Brasil em meados de 1930, para atenderem a setores de profissionais liberais e organizados, além de interesses ligados à classe média. Foi durante a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, o qual para tentar construir um Estado Nacional estimulou a criação de Corporações, inclusive fortaleceu as carreiras no serviço público. Iniciando de forma diferente da medieval, pois aqui tivemos uma “Corporação estatizada”.


Assim, hoje em 2006, são quase 30 Conselhos Profissionais envolvendo 50 profissões. Nem toda profissão tem o seu Conselho, como é o caso da profissão de artista, apesar de ser regulamentada por lei.


No entanto, há profissões que têm Conselhos e não tem necessidade de um curso superior específico como é o caso dos Documentalistas e dos Vendedores de Imóveis.


Recentemente instalou a polêmica sobre a criação de um Conselho de Jornalismo e até mesmo da exigência do diploma. A questão do Conselho de Jornalismo foi vencida politicamente, por ora. Mas a diploma ainda se trava nos Tribunais, tendo sido extinta a exigência em primeira instância, mas recuperada em segunda instância, porém sem julgamento definitivo.


Há alguns Conselhos mais conhecidos como de Enfermagem, Medicina, Advogados, Contadores, Nutricionais, Engenheiros e Arquitetos, Fisioterapeutas, Economistas, Serviço Social, Fonoaudiológos, Farmacêuticos, Odonto e Veterinários. Mas há outros que são menos conhecidos como o de Biblioteconomia, Administração, Biomedicina, Biologia, Corretores de Imóveis, Relações Públicas, Química, Biologia, Economia, Músicos, Psicologia.


Curioso não haver uma lei criando o Conselho Profissional de Professores, aliás nem há uma lei definido o que seria a profissão de professor. Define-se tacitamente professor como sendo quem exerce funções previstas como educativas na Lei de Diretrizes e Bases, logo reconhecidas pelo MEC. Portanto, quem ministra cursos em cursinhos para concursos não é professor, mas instrutor.


Há dezenas de projetos de lei tramitando no Congresso querendo criar profissões ou até mesmo Conselhos Profissionais.


Normalmente, as carreiras precisam de uma demanda, se o problema acabar, a mesma acaba. Por exemplo, a carreira de agente comunitário de saúde foi criada legalmente em 2002 e em 2006 já conseguiu até uma Emenda Constitucional. Isso tudo graças ao mosquito da dengue; se ele for extinto, a carreira precisará encontrar um outro foco perigoso para sobreviver. Essa é uma questão difícil de resolver, ou seja, se for eficientemente demais fica sem importância. A prevenção é muito importante. Mas com o tempo é possível que determinado segmento organize-se como corporação e passe atender mais internamente que à sociedade.


Assim, em 2002 foi criado o Conselho dos Despachantes Documentalistas, mas com personalidade jurídica de direito provado (lei 10602/02), e em 1998 foi criado o Conselho de Educação Física através da lei 9696, sem definir a natureza jurídica de forma específica.


De uma maneira geral esses Conselhos alegam que buscam proteger a sociedade. No entanto, há pouquíssimos casos de exclusão dos quadros profissionais. Cita-se o caso da OAB, a maior parte das punições administrativas impostas decorrem de advogados que apropriam de clientes (o que é crime e bastaria a punição criminal) e além de não pagarem a anuidade (interesse dela mesma). E normalmente as punições são de advertência ou suspensão, o que é de pouca eficácia. Além disso, essas punições são praticamente secretas, alegam que estão disponíveis, mas colocam tanto empecilho que ninguém interessa em saber quem foram os punidos, principalmente de suspensão por dois meses.


Com a industrialização e exigência de mão de obra qualificada as faculdades assumiram o papel de formar o profissional no Brasil no início do século XX. Mas logo, em seguida, surgiram as corporações e começaram a disputar o poder para saber quem controla o mercado corporativo.


Dessa forma, as faculdades que deveriam formar pessoas, passaram a fornecer diplomas. Fato que se agravou com a privatização do ensino superior a partir da década de 70 e que se expandiu na década de 90.


Por exemplo, A criação de Cooperativas de Profissionais para prestarem serivço embora seja um direito de qualquer profissional, vem sendo dificultada pela OAB, embora já existente nos demais setores.


Por outro giro, possuir um diploma de nível superior é para a classe média uma espécie de título de nobreza, similar a ser nobre na idade média ou ter um título militar na década de 40 no Brasil, como coronel.


Logo, profissões que poderiam ter o nível médio ou nem mesmo precisar de se cursar uma faculdade, pois poderiam ser aprendidas em cursos livres, passam a ser objeto de estudo em faculdade reconhecida pelo MEC e os nomes criativos de cursos multiplicam-se.


No início da República eram apenas três cursos: Engenharia, Medicina e Direito. Os dois primeiros já tiveram várias de suas atribuições iniciais já divididas com outras carreiras, além de se ter implantado um sistema gerencial de trabalho, trabalham de forma associativa e com níveis empresariais. Por exemplo, os auxiliares de enfermagem, fanal o médico não faz atendimentos simples como colocar esparadrapo em razão do custo.


A área jurídica apenas recentemente começou a discutir o gerenciamento e criação de níveis de complexidade. Mesmo assim, questionou judicialmente a criação do curso Superior Tecnólogo e Seqüencial em Direito de dois anos. A rigor, poderia ser útil como: tecnólogo em registros públicos, tecnólogo em direito de trânsito, tecnólogo em direito previdenciário e outros. Mas a OAB impetrou um mandado de Segurança e o STJ de forma abusiva arvorou-se na qualidade de dizer o que é bom ou não para a educação nacional, pois não havia ilegalidade alguma. Na área jurídica há muito profissional fazendo trabalho manual qualificado e sustentando que é jurídico.


Normalmente as leis dessas corporações não definem o que seria a profissão, somente preocupam-se em definir quais seriam os atos privativos. Evidenciando o fim maior que é manter mercados.


Como na prática é muito difícil diferenciar uma consulta jurídica de um planejamento tributário. Ou uma auditoria jurídica de uma auditoria trabalhista ou contábil. A OAB não define o que seria uma consulta jurídica ou advocacia. Mas se algum profissional incomodar, a Corporação poderá agir plenamente e definindo a bel prazer como uma espécie de Tribunal de Exceção.


Dessa forma priorizam o monopólio judicial. Por isso, muitas questões simples são encaminhadas para o sistema judicial, para manter o monopólio de mercado. A rigor, ato jurídico é apenas quando se tem necessidade de interpretar conflitos entre as normas e que não seja repetitivo.


Nesse diapasão estão sendo criados cursos de nível médio de Direito para funções meramente repetitivas e de apoio, bem como agentes comunitários de Direito (antigo 2º grau).


Mas chegando ao ponto central das Corporações Profissionais verifica-se que não há norma definindo expressamente a sua natureza jurídica como estatal. Mas os doutrinadores sempre sustentaram que eram uma função estatal. Destaca-se que quas todos esses doutrinadores eram ligados a alguma corporação profissional.


Outrossim, é preciso destacar que as corporações profissionais são ligadas à classe média. Mas sem adentrar nessa questão de luta de classes, o fato é que as Corporações ficam imunes de impostos com essa função de estatal.


No entanto, o Estado não tem nenhuma ingerência sobre as mesmas; não indica nenhum dos seus representantes. Ora, como ser um ente estatal assim ? Tal conceito somente é definido em face de uma sociedade de caráter patrimonialista e que acredita que o público e privado se misturam impunemente.


A OAB recentemente alegando uma campanha de moralização do Judiciário contra o nepotismo, mas a mesma recusa-se a fazer concurso para seus servidores, ser fiscalizada pela Controladoria Geral da União ou prestar contas ao TCU. Que espécie de autarquia seria essa ? Alegam que é uma autarquia “especial”. Em suma, pública ou privada conforme o momento melhor.


O Procurador Geral da República ajuizou uma ADIn para exigir concurso para a OAB (3026-4), mas sem decisão, afinal como não há imprensa pressionando e o tema não interessa à OAB, o processo fica engavetado no STF. Normalmente, os ex-Ministros do STF retornam para a advocacia, logo a questão também esbarra na esfera dos interesses corporativos.


Dessa feita, Legislativo e Executivo entenderam que as Corporações podem ser de direito privado e aprovaram a lei 9649/98. A OAB também seria de natureza privada, mas no curso do projeto de lei conseguiu a sua exclusão, pois tem uma grande bancada no Congresso.


A OAB é uma entidade de classe profissional, embora tenha sido importante no combate ao governo militar. É importante ressaltar também que foram advogados que redigiram os Atos Institucionais. Ademais, engenheiros e médicos também foram importantes para o desenvolvimento nacional.


Mas em razão de sua força política foi colocada em destaque na Constituição e o STF não exige pertinência temática quando a mesma ajuíza ADIN e das demais associações de classe exige. Ou seja, a OAB pode questionar qualquer norma, mas as demais entidades de classe não. Inclusive, essa confusão do STF decorre do fato de confundir “associação de classe” na Constituição com “corporação profissional”, por isso não admite que as associações de classe de estudantes ou de consumidores ajuízem ADIn, pois não associações de classe profissional. Mas a Constituição não fez essa restrição.


Há também um entendimento ainda mais restritivo, o de que apenas a OAB pode ajuizar ADINs, pois os demais Conselhos Profissionais não seriam associações de classe profissional, o que é um equívoco de palavras. O STF tem restringido a legitimidade e descumprindo a própria Constituição, pois a mesma que a Lei não pode impedir o acesso ao Judiciário, mas por óbvio não poderia o próprio judiciário definir essas restrições.


Não se pode confundir o termo “serviço público” na lei 8906/94 com “serviço estatal”, pois muitas entidades privadas prestam serviço público mediante delegação, como os cartórios extrajudiciais, saúde, bancos, educação e outros.


No embalo de abusos, o STF julgou inconstitucional a lei 9649/98, ao estranho argumento, em síntese, de que não era bom que a fiscalização de profissão fosse feita por entidades privadas, pois exerciam um poder de polícia sobre os seus integrantes. (ADIn 1717-6), arvorando-se em uma questão política.


Para reverter esse entendimento, o Dep Pedro Henry apresentou a PEC 283/01 estabelecendo que os Conselhos seriam entidade privada, mas após manifestação das Corporações apresentou a PEC 185/03 para definir a natureza como privada. Mas a pressão foi tanta que o próprio autor da Emenda mudou o pedido para ser natureza pública.


Note que há três espécies confusas de defesa dos interesses profissionais: Sindicato, Associações de Classe e Conselhos Profissionais. Sendo que há categorias profissionais que têm os três segmentos e nem se sabe a quem dirigir. Outras não têm nenhuma das espécies.


No caso dos Conselhos Profissionais exige-se criação por Lei e pode impedir o exercício da profissão. No entanto, não creio ser um argumento para estabelecer que DEVE ser entidade pública por isso. A decisão é política, tanto pode ser pública como privada, mas não pode ser mista como querem os dirigentes dos Conselhos.


Na verdade, as Corporações profissionais deveriam ser privadas, pois o Governo não participa das mesmas e não há disposição constitucional definindo a natureza jurídica das mesmas, logo o STF não poderia ter adentrado na seara política. As Corporações Profissionais apenas querem ser públicas no momento das imunidades de impostos. Ser uma paraestatal é uma situação possível também, porém depende de uma legislação mais específica.


Em que pese alegarem motivos jurídicos, na verdade a regulamentação profissional representa uma luta de classes e terá forte caráter político. Segue abaixo parecer da Comissão na Câmara dos Deputados:


"COMISSÃO DE TRABALHO, DE ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇO PÚBLICO


VERBETE Nº 1 DA SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DA CTASP

"REGULAMENTAÇÃO DE PROFISSÕES"


(REDAÇÃO FINAL)


Verbete nº 1/CTASP, de 26 de setembro de 2001:


"O exercício de profissões subordina-se aos comandos constitucionais dos Arts. 5º, inciso XIII e 170, parágrafo único, que estabelecem o princípio da liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. A regulamentação legislativa só é aceitável, uma vez atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:


a) que a atividade exija conhecimentos teóricos e técnicos;


b) que seja exercida por profissionais de curso reconhecido pelo Ministério da Educação e do Desporto, quando for o caso;


c) que o exercício da profissão possa trazer riscos de dano social no tocante à saúde, ao bem-estar, à liberdade, à educação, ao patrimônio e à segurança da coletividade ou dos cidadãos individualmente;


d) que não proponha a reserva de mercado para um segmento em detrimento de outras profissões com formação idêntica ou equivalente;


e) que haja a garantia de fiscalização do exercício profissional;


f) que se estabeleçam os deveres e as responsabilidades pelo exercício profissional e,

g)

que a regulamentação seja considerada de interesse social."


Fundamentação jurídica


1. Art. 5º, inciso XIII c/c Art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal.


2. Art. 62, inciso IX c/c Art. 164, § 1º e inciso II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados


Precedentes


Projetos de Lei rejeitados:


Em 1999: Projeto de Lei nº 4.830/98, que "Autoriza a criação dos Conselhos Federal e Regionais de Zootecnia, e dá outras providências".


Em 2000: PL nº 3.034-a/97, que "Dispõe sobre o exercício da profissão de musicoterapeuta e determina outras providências"; PL nº 4.748/98, que "Dispõe sobre a profissão de Despachante Documentalista"; PL nº 2.734-A/97, que "dispõe sobre a habilitação e o provisionamento de dentistas-práticos, regulamenta o exercício dessa profissão, e dá outras providências"; PL nº 85-A/99, que "Dispõe sobre o Exercício Profissional do Técnico Comunitário especializado em Dependência Química"; PL nº 263/99, que "autoriza a criação dos Conselhos Federal e Regionais de Massoterapia e dá outras providências" e PL nº 867-A/95 que "Dispõe sobre o regime de profissionais e de empresas e entidades fiscalizadoras do exercício de profissões, e dá outras providências".


Em 2001: PL nº 252-A/95, que "Altera dispositivo da Lei nº 7.377, de 30 de setembro de 1985, que 'dispõe sobre o exercício da profissão de Secretário e dá outras providências"; PL nº 3.175-A/97, que "Dispõe sobre o exercício da profissão de Técnico em Obstetrícia"; PL nº 4.058/98, que "Dispõe sobre a criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Jornalismo e determina outras providências"; PL nº 891/99, que "Regulamenta a categoria profissional do Frentista e dá outras providências"; PL nº 1.470/99, que "Dispõe sobre o exercício profissional da especialização de Engenheiro de Petróleo"; PL nº 1.840/99, que "Autoriza a criação dos Conselhos Federal e Regionais de Guias de Turismo e dá outras providências"; PL nº 2.014/99, que "Dispõe sobre a regulamentação da profissão de Esteticista e autoriza a criação dos Conselhos Federal e Regionais dos profissionais de Estética" (Apensados: PL nº 2.850/00 e 3.247/00); PL nº 3.635/00, que "Regula os exercícios das profissões de guardadores e lavadores de veículos e dá outras providências"; PL nº 3.789/00, que "Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Técnicos em Prótese Dentária, disciplinando o funcionamento de seus órgãos de fiscalização e determina outras providências"; PL nº 3.810/00, que "Cria os Conselhos Federal e Regionais de Zootecnia e dá outras providências"; PL nº 3.816/00, que "Dispõe sobre o exercício da profissão de operador de piscina e dá outras providências"; PL nº 2.783/97, que "Dispõe sobre a regulamentação da profissão de Terapeuta Holístico e dá outras providências"; PL nº 4.338/98, que "Dispõe sobre o exercício da profissão de despachante aduaneiro e sobre a criação, organização e competência do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Despachante Aduaneiro, e determina outras providências"; PL nº 812-A/99, que "Disciplina o exercício da profissão de carregador de bagagens nos aeroportos e dá outras providências"; PL nº 1.539/99, que "Dispõe sobre a profissão de Publicitário e dá outras providências"; PL nº 1.573/99, que "Dispõe sobre a profissão de fotógrafo e determina outras providências"; PL nº 2.218/99, que "Acrescenta parágrafo único ao artigo 3º da Lei nº 7.410, de 27 de novembro de 1985, que dispõe sobre a especialização de Engenheiros e Arquitetos em Engenharia de Segurança do Trabalho, para dispor sobre registros em Conselhos Profissionais"; PL nº 2.659/00, que "Dispõe sobre a criação dos Conselhos Federal e Regionais de Atuária e dá outras providências" e PL nº 3.569/00, que "Altera o art. 3º da Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978, que regulamenta a profissão de Corretor de Imóveis".


Justificação


A aprovação de uma Súmula de entendimentos, consolidando as reiteradas decisões desta Comissão, tem o mérito de filtrar e agilizar os trabalhos deste Órgão técnico, promovendo a excelência do processo legislativo. Esse expediente ainda tem a vantagem de dar maior respaldo político e de tornar mais democrática a faculdade regimental que permite ao Presidente de Comissão, de ofício, declarar a prejudicialidade de matéria pendente de deliberação, em virtude de prejulgamento pela Comissão (Art. 62, inciso IX c/c Art. 164, § 1º e inciso II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).


No caso de regulamentação de profissão, é eloqüente o número de proposições submetidas a este Plenário que, reiteradamente, vêm sendo rejeitadas. Assim, o enunciado proposto para o verbete nº 01/CTASP encontra-se em consonância com as diversas e reiteradas manifestações prolatadas nessas proposições, cujos pareceres podem ser assim sintetizados:


O inciso XIII do Art. 5º e o parágrafo único do Art. 170 do texto constitucional estabelecem o princípio básico da liberdade de exercício de qualquer atividade profissional ou econômica, desde que lícita. Permitir-se que se regulamente os diversos ofícios e ocupações é o mesmo que inviabilizar a norma constitucional. Significa negar os direitos de cidadania, ao restringir-se ainda mais o acesso ao mercado de trabalho para um enorme contingente de mão-de-obra que porventura não preencha os requisitos impostos pela norma pretendida, mas que, por exemplo, desenvolvam sua ocupação com competência, por mérito pessoal, por habilidade própria ou por um aprendizado que passou de pai para filho etc..


Costuma-se muito confundir regulamentação profissional com o reconhecimento da profissão e com a garantia de direitos quando, na verdade, regulamentar significa impor limites, restringir o livre exercício da atividade profissional, já valorizada, reconhecida e assegurada constitucionalmente. Esse poder do Estado de interferir na atividade para limitar o seu livre exercício só se justifica se o interesse público assim o exigir. E por certo que a exigência do interesse público não é pela especificação ou reserva de direitos para um determinado segmento econômico-profisional e sim pela imposição de deveres em favor da coletividade consumidora de seus serviços que, se praticados por pessoas desprovidas de um mínimo de conhecimentos técnicos e científicos especializados, poderiam acarretar sério dano social, com riscos à segurança, à integridade física, à saúde, à educação, ao patrimônio e ao bem-estar.


Daí por que a regulamentação não pode prescindir de um órgão de natureza, no mínimo, paraestatal, com poderes para exercer licitamente as atribuições normativas e fiscalizadoras do exercício profissional. Mas não há que se confundir a natureza jurídica e as funções finalísticas desses órgãos com as próprias de entidades sindicais e associativas. Conquanto aquelas entidades tenham a prerrogativa de defender a classe, a luta por conquistas trabalhistas compete aos próprios profissionais da área, organizados em associações ou sindicatos, de livre filiação. Nesse caso, não é o interesse da coletividade que predomina e sim o da própria categoria organizada coletivamente.


Por outro lado, as normas tutelares trabalhistas já são aplicáveis quando configurada a relação de emprego, incluindo algumas proteções diferenciadas, tais como o trabalho em mineração, o trabalho de bancários, de telefonistas, em situações como a maternidade, a menoridade etc. Nada disso, no entanto, significa regulamentação profissional. Ao contrário, significa proteção mínima do Estado para determinadas ocupações desenvolvidas em situação de risco, de penosidade etc. E se a relação não for de natureza trabalhista, de qualquer forma, são aplicáveis as leis civil e previdenciária ou mesmo a de proteção ao consumidor.


Finalmente, se há interferência de uma atividade em relação à outra, importando restrição à liberdade econômico-profissional, a via adequada para a solução do problema não é a legislativa e sim a judicial.


Dificilmente, portanto, justifica-se a regulamentação de uma profissão, que não sejam as que já estão devidamente regulamentadas. De resto, há que se registrar que o reconhecimento e a dignidade de um trabalho não são conquistados pela via legal, mas decorrem de seu exercício consciente, eficiente e produtivo.


Sala das Comissões, 26 de setembro de 2001.


Deputado FREIRE JÚNIOR


Presidente"


Há defensores de que cabe ao mercado selecionar os profissionais, e não às escolas ou às Corporações.


Mas o fato de a OAB poder fazer o exame de seleção, conhecido como exame de ordem, para quem terminou o curso de Direito a partir de 1998, reacendeu o debate sobre o poder de polícia. A realização de um exame de ordem é salutar, mas deveria ser feito pelo Estado e não pela corporação.


No entanto, vencido esse tema, passamos ao fato de que os partidos políticos, as igrejas são entidade privada e também interferem no exercício do trabalho, pois se o partido ou a igreja expulsam o candidato ou o padre, esses perdem parte de seu capital laboral.


Logo, há dois tipos de poder de polícia, o interno (este natural a qual entidade, inclusive maçonarias e clubes recreativos) e o externo (típico de entes estatais). Ademais, além de ser muito rara a expulsão de profissionais das Corporações, ainda cabe o controle estatal.


A tendência nos Estados Unidos, Japão e Europa é que fique para os Conselhos a capacidade de realizar os exames.


Outro grande desafio dessas Corporações Profissionais é que antes eram os seus membros profissionais liberais e atualmente são proletários, privados ou públicos e existem outras normas.


Uma outra forma de organização profissional são os Sindicatos, também fortalecidos no Estado Novo. Atualmente querem ser públicos e privados conforme lhes aproveitar melhor. Em suma, não querem fiscalização estatal (basta fazer um cadastro no Ministério do Trabalho em Brasília, porém sem controle efetivo), mas podem arrecadar descontos obrigatórios da categoria. Mas essas organizações não têm poder regulatório como as Corporações. Em regra, os Sindicatos representam trabalhadores manuais, enquanto nas Corporações os trabalhadores se consideram intelectuais e profissionais liberais (embora nem sempre o sejam). É uma nítida luta de classes. Mas considerando a proletarização do serviço dito intelectual, hoje já é comum a existência de Sindicatos de Profissionais “Intelectuais”. A chamada Reforma Sindical Constitucional tenta corrigir alguns abusos, mas aplica-se apenas aos Sindicatos.


Além dessas corporações profissionais liberais há as corporações de servidores públicos. Essas possuem um nível de organização diferente, em associações de classe e a um custo alto, pois inclui afastamento de servidores públicos com remuneração pelo Estado e dentro de um mesmo órgão público há várias associações de classe, pois a de Engenheiros é uma e a técnicos é outra. E é muito ter a de servidores administrativos. Em regra, cada órgão público tem no mínimo três associações de classe. E basta que se dê uma consultada no site da Câmara dos Deputados, para se constatar que os projetos de lei mais pesquisados são os que se referem a interesse dessas categorias. De uma maneira geral também não defendem interesses da sociedade, apenas os usam como argumentos para obter mais privilégios. Por exemplo, maiores salários para melhorar o serviço, mas tentam barrar qualquer tentativa de remuneração por produtividade. Na prática, o serviço ao público continuará da mesma forma, com ou sem aumento.


Nesse conceito de "órgão público" o Procurador Geral da República ajuizou uma ADIN em desfavor do Conselho de Educação Física, alegando que se os Conselhos Profissionais integram a administração pública somente pode a lei ser de iniciativa do Executivo, e como nesse caso foi de iniciativa do Legislativo, a norma é inconstitucional. Ainda não há julgamento.


Em 15/12/05 o Presidente da República vetou a lei que criava a profissão de turismólogo ao argumento de impossibilidade de fiscalização, um argumento político.


No meio dessa indefinição e confusão de conceitos, alegaram que se são entes estatais, as anuidades são taxas e somente poderiam ser fixadas por lei. Estão corretíssimos, logo os Conselhos Federais não poderiam mais fixar as anuidades livremente. Assim, aprovou-se a lei 11.000/04, onde o Executivo delega aos Conselhos Federais o poder para fixar as anuidades, bem como deixa de considera as anuidades não pagas, como títulos executivos fiscais, sendo apenas títulos extrajudiciais.


Outro tema polêmico é saber se a competência é do Judiciário Federal ou Estadual, há vários argumentos retóricos tentando justificar que é na área federal. Mas, a União não tem o menor interesse jurídico ou econômico na receita das Corporações, pois nem pagam tributos. Logo, qual seria o interesse federal ? Nenhum.


Destacam-se ainda as disputas entre as corporações profissionais para manter mercados, bem como o fato de que normalmente as Corporações são dirigidas por profissionais mais antigos e já estabelecidos e que tentam dificultar a entrada dos mais novos ou mesmo a mudança da forma de trabalho. De uma forma geral, priorizam um trabalho artesanal e não gerencial ou empresarial, alegam que isso é anti-ético. (??). Facilmente deturpam em proveito próprio conceitos como saúde, justiça e ética. Inclusive fazem cartelização de forma impune, pois as tabelas de honorários podem ser apenas referenciais, mas tentam que sejam obrigatórias.


Nesse diapasão citamos artigo de Simon Schwartzman, ATUALIDADE DO LIBERALISMO POLÍTICO E DO CORPORATIVISMO (1987):


“Não seria absurdo ver, na Nova República brasileira, uma tendência à acentuação progressiva tanto do liberalismo quanto do corporativismo. O liberalismo mostra sua força na crítica cada vez maior à ação do Estado, ao planejamento, à centralização administrativa, e na organização de grupos de interesses econômicos; o corporativismo se manifesta pela mobilização cada vez maior de associações e corporações de todo o tipo -- operários, funcionários públicos, profissionais liberais, estudantes, grupos ideológicos e religiosos organizados. O fato de o liberalismo adquirir uma conotação predominantemente conservadora, de direita, e o corporativismo vir associado a uma linguagem mais à esquerda não exclui sua convergência: ambos trabalham para o enfraquecimento progressivo da autonomia e da capacidade de decisão do Estado, e sua captura por grupos de interesse setorializados e parciais.


Mas não seria este, afinal, um caminho necessário para a modernização do Estado brasileiro, pela eliminação progressiva de sua hipertrofia e a transformação da política em uma negociação cada vez mais direta entre grupos de interesse organizados? Existe uma boa parcela de verdade nisto. No entanto, existem sérias dificuldades neste caminho, das quais três, pelo menos, devem ser assinaladas desde logo. A primeira dificuldade é que os interesses organizados em um país como o Brasil, seja do lado do capital, seja do lado do trabalho e das profissões, deixa de lado a maioria da população, e um amplo espaço para uma política de tipo mais tradicional, baseada na manipulação dos recursos da administração pública, no clientelismo e no populismo. A segunda é que uma política de coesão de interesses tenderia a produzir um governo basicamente estático, incapaz de confrontar os interesses constituídos que lhe serve de base, e por isto mesmo com muitas dificuldades para tomar medidas difíceis, e de longo prazo, de política econômica e social.


A terceira é que na maioria dos casos, por razões que derivam de nossa história, nem nossos liberais querem realmente uma economia de mercado sem o Estado, nem nossos sindicatos e corporações profissionais querem realmente autonomia, auto-regulação. Quase todos buscam, isto sim, um Estado solícito e submetido a seus interesses setoriais, o que leva a uma situação cada vez mais insustentável no conjunto.


Conclusões


A conclusão mais geral é que nem o liberalismo, nem o corporativismo, nem sua combinação, poderão por si sós dar ao país a saída política que se busca. O liberalismo traz uma contribuição importante, em sua crítica à irracionalidade e à ineficiência das burocracias; e o corporativismo contribui para dar organicidade e organização aos grupos sociais. O que falta, no entanto, é quem represente o interesse geral, que dificilmente resultará da agregação dos interesses individualizados e setoriais em conflito.


É aqui que a política mais tradicional, ou clássica, recupera seu lugar. O país necessita de um governo que não faça a simples representação de grupos particulares, ou da intermediação dentre eles; que tenha competência para utilizar-se dos recursos da ciência e da competência administrativa; que possa pensar em objetivos de longo prazo; mas que, ao mesmo tempo, não paire nas nuvens de uma vocação extraordinária ou excepcional cuja época, esperemos, parece ter passado. A democracia representativa de tipo clássico, a depuração de lideranças através de processos eleitorais abertos, ainda parece ser o melhor mecanismo para que estes resultados sejam buscados, ainda que não exista, é claro, nenhuma certeza de que eles serão, com a urgência que necessitamos, atingidos.”


Por fim, as Corporações Profissionais podem ser de natureza jurídica privada ou pública, isso é uma questão política e não jurídica. Passa a ser jurídica se a Constituição ou alguma lei definir de forma contrária à Carta Magna.


Não uma legislação geral sobre a função dos Sindicatos e Associações de Classe, sendo difícil saber a atribuição de cada uma. Havendo assim muita lacuna, onde cada carreira tem uma legislação. Na verdade, muitos não querem uma normatização, pois no vazio legislativo podem usar e abusar de um poder questionável e de privilégios estatais e privados.


O Espírito de corpo é inerente a todas as organizações, possivelmente está associado à sobrevivência humana, pode-se até dizer que as nações são grandes corporações. No entanto, é necessário evitar que se sobreponham aos interesses sociais e da maioria.


A rigor, para que sejam de natureza pública deve ter parte de seus dirigentes indicada pelo Executivo ou pelo Legislativo, ainda que seja ligado à Profissão.


Quanto às escolas devem se preocupar com o conhecimento e não em fornecer diplomas para mercados de trabalho. Seus currículos devem atender a outros interesses.


Curioso que muitas dessas Corporações são contra a privatização do Estado, mas acabam criando seus feudos e privatizando parte do Estado sem nenhum dispêndio em proveito de seus interesses corporativos. Não raramente, defendem apenas os direitos de seus integrantes, mesmo que contrários ao interesse social. Vários estudos de sociologia e ciência política começam a abordar esse tema, questionando inclusive o sistema jurídico sem legitimidade e controle social efetivo.


No caso dos Conselhos de Classe aparentemente viola-se até o princípio da livre associação previsto na Constituição Federal. Em tese, podem fiscalizar, mas não se é obrigado a estar filiado aos mesmos. É uma perspectiva diferente.


Conforme afirma Vital Moreira, Constitucionalista Português, "Quando o Estado é fraco e os governos débeis, triunfam os poderes fáticos e os grupos de interesse corporativos. Sempre sob invocação da autonomia da "sociedade civil", bem entendido. Invocação despropositada neste caso, visto que se trata de entes com estatuto público e com poderes públicos delegados. Como disse uma vez um autor clássico, as corporações são o meio pelo qual a sociedade civil ambiciona transformar-se em Estado. Mais precisamente, elas são o meio pelo qual os interesses de grupo se sobrepõem ao interesse público geral, que só os órgãos do Estado podem representar e promover".


O Estado deveria organizar meios de avaliação dos profissionais a cada dez anos para o exercício da profissão nas carreiras que pudessem ter maior interesse social, isso evitaria despesas com cursos desnecessários. Nas demais profissões apenas seriam fixados direitos mínimos em lei e o mercado faria a seleção. Em tese, uma cabeleireira ruim pode causar mais danos que um mau artista ou mau músico.
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*Mestre em Direito Público, pesquisador jurídico-social e promotor de justiça em MG





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