Um advogado amigo me fez uma consulta que me levou a não ter resposta de imediato, obrigando-me a uma pequena pesquisa na legislação societária.
Tratava se de uma sociedade limitada, detida na totalidade de seu capital por quatro sócios, em proporções que aqui não vem a talo.
Todos os quatro sócios são diretores da sociedade.
Na assembleia de apreciação das demonstrações financeiras e balanço da empresa quedou-se com a indagação de como proceder à votação, já que todos os sócios são gestores da sociedade.
Assim, o art. 1.071 do CC defere, como essencial, à deliberação dos sócios, a aprovação das contas da sociedade, até dispensando a reunião ou assembleia quando presentes todos os sócios. Contudo, o art. 1.074 § 2º declara que nenhum sócio pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente. E, fácil é convir, as contas de sua gestão social são matéria de óbvio e claro interesse dos gestores sócios.
Para solucionar em termos legais essa matéria, que deve ser de imediata solução pela lógica busca se o art. 134 da lei 6.404/76, que, ao fim de seu § 1º determina que os acionistas administradores não podem votar sobre os documentos das demonstrações financeiras e contas da sua administração. E, logo adiante, no § 6º do mesmo artigo fica ressalvado que tal proibição não se amolda às sociedades anônimas fechadas cujos diretores forem os únicos acionistas.
Não silêncio das regras do Código Civil parece claro então que os cotistas todos eles diretores únicos sócios podem votar apreciando balanço e demonstrações financeiras de sua administração, aplicando se a norma da lei das S.A. para as empresas fechadas, já que estas guardam semelhança muito grande nessas condições, assumindo-se o entendimento de que aqui há um interesse muito restrito aos próprios sócios, todos presentes, desconsiderando se minoritários, que no caso não existem, assim como proteção ao mercado de capitais aqui igualmente descabida.
Há artigo recente de Graciano Pinheiro de Siqueira no site do colégio notarial do Brasil que, tratando da votação dos documentos contábeis, assim expressa que os administradores "não poderão, como regra geral, participar da discussão e votação" dos mesmos, "salvo se forem também os únicos sócios da sociedade".
Nessa sistematização de qualidade duvidosa adotada no Código Civil, pode se arguir que o art. 1.053 determina a aplicação às limitadas, nas omissões do capítulo a elas próprio, das normas da sociedade simples. E, no caso dessas, há uma regra expressa no art. 1.010 § 3º que defere perdas e danos ao sócio que com seu voto causar aprovação de matéria onde tenha interesse conflitante com a sociedade. Ainda que haja uma certa imprecisão quanto ao eventual caráter contrário do interesse do sócio gestor vis a vis o interesse social, sempre pode resultar daí algum embargo ou duvida.
Por essa razão, e tantas outras, é que se recomenda em toda limitada, para melhor clareza e ordem nas relações sociais, que se consigne no contrato social ou estatuto, como possibilita o artigo 1.053 parágrafo único do código, a regência supletiva da lei das sociedades anônimas.
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*João Luiz Coelho da Rocha é advogado e sócio no escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados.