As instituições financeiras, ao concederem empréstimos, geralmente buscam constituir sólidas formas de assegurar o recebimento futuro de seus créditos no caso de inadimplemento por parte do devedor, notadamente através de garantias reais.
Nesse mercado, portanto, é muito comum o uso da figura da alienação fiduciária em garantia, seja pela facilidade de sua constituição, seja em razão dos mecanismos de rápida execução da garantia e recuperação do crédito.
Há, contudo, registro de casos em que a própria existência da garantia poderia ter sido impactada em decorrência de discussão em procedimento arbitral a respeito de relação comercial da qual o credor fiduciário sequer foi parte. Como o credor pode se proteger desse tipo de situação?
Analisa-se, aqui, debate acerca da existência de litisconsórcio passivo necessário, em relação ao credor fiduciário, quando sua garantia possa ser afetada por um litígio arbitral, de modo a autorizar o ingresso da instituição financeira no procedimento arbitral, ou, ainda, o deslocamento da competência para o Juízo estatal.
O TJ/RJ1 julgou caso interessante a esse respeito, no qual, a Sociedade X teve a ampliação de seu parque industrial custeada por instituições financeiras, às quais deu em garantia fiduciária créditos decorrentes de contrato de distribuição celebrado com a Sociedade Y (o qual contava com cláusula compromissória).
A Sociedade Y promoveu a instauração de arbitragem contra a Sociedade X, pedindo a rescisão do contrato, ao argumento de descumprimento da avença por determinadas razões.
A Sociedade X, então, aforou medida cautelar, com vistas a suspender o procedimento arbitral, sustentando, para tanto, que, tendo seus créditos decorrentes do contrato de distribuição sido cedidos às instituições financeiras, estas deveriam integrar a arbitragem, sob pena de nulidade da futura sentença arbitral (por inobservância de litisconsórcio passivo necessário, na medida em que o encerramento da relação Sociedade X – Sociedade Y implicaria no esvaziamento da garantia fiduciária concedida às instituições financeiras).
A liminar foi indeferida, tendo tal decisão sido confirmada pela 15ª câmara Cível do TJ/RJ, sob o fundamento de que, não obstante ter havido a cessão fiduciária dos créditos decorrentes do contrato de distribuição que se pretendia ver rescindido como resultado do procedimento arbitral, o objeto da arbitragem era apenas a rescisão contratual, assunto que não diria respeito às instituições financeiras – com quem, aliás, a Sociedade Y sequer tinha relação jurídica, não havendo entre elas, naturalmente, convenção de arbitragem.
O TJ/RJ afirmou, ainda, que, caso as garantias viessem a perecer em função da rescisão do contrato de distribuição, tal fato "não torna[ria] os bancos litisconsortes passivos necessários, porquanto seus créditos permanecerão, embora desprovidos de garantia".
Naquela causa, apesar de reconhecer a possibilidade de as garantias deixarem de existir, o Juízo Estatal entendeu que não havia motivo suficiente para tornar obrigatório o ingresso na arbitragem das instituições financeiras detentoras da garantia, estabelecendo clara distinção entre o contrato do qual se originava o crédito fiduciariamente alienado, e o crédito propriamente dito.
A Sociedade X, para pedir a suspensão da arbitragem, sustentou, adicionalmente, que a cessão fiduciária dos créditos às instituições financeiras tornaria tais direitos indisponíveis para si, atraindo, assim, a regra dos arts. 1º e 25 da Lei de Arbitragem, que só admitem a arbitragem sobre direitos patrimoniais disponíveis.2
O argumento foi igualmente afastado pelo TJRJ, pelo mesmo fundamento de que o objeto da arbitragem não eram os créditos em si, mas a rescisão do contrato de distribuição nos quais tinham origem.
A análise do precedente aqui referido recomenda que, no momento da constituição de garantias – ainda que se tratando de garantia fiduciária, que, a rigor, concederia mais tranquilidade ao credor –, a parte, em sua avaliação quanto ao risco tomado no negócio, não deva perder de vista a possibilidade de esvaziamento da garantia, cuidando de disciplinar todos os cenários possíveis, podendo inclusive prever a faculdade de ser incluída como interveniente em todos os contratos correlatos à garantia que contenham cláusula compromissória, a fim de afastar discussão acerca da viabilidade de sua participação em processos arbitrais que possam impactar a garantia concedida.
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1 TJRJ, 15ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0016509-16.2014.8.19.0000
2 Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Art. 25. Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral.
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*Marcelo Levitinas é sócio do escritório Lobo & Ibeas Advogados.
*Pedro Corrêa e Castro é advogado do escritório Lobo & Ibeas Advogados.