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"Nuevos aires" para novos modelos de família

Movimentos discriminatórios, calcados basicamente em preceitos religiosos e em um país constitucionalmente laico, expõem quão intolerante, preconceituosa e discriminatória ainda é a sociedade brasileira.

6/5/2015

“La libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierra la tierra ni el mar encumbre; por la libertad así como por la honra se puede y debe aventurar la vida, y, por el contrario, el cautiveiro es el mayor mal que puede venir a los hombres”

Atualíssima é a obra de Miguel de Cervantes, pois o conceito de liberdade sustentado é o da maneira soberana como o indivíduo pode decidir sua vida – sem pressões, nem condicionamentos – pela sua inteligência e vontade.

E tomamos a liberdade de promover a transcrição em sua língua original, o espanhol, pois cremos estar a sociedade brasileira passos atrás de alguns de nossos vizinhos sul-americanos no que diz respeito aos novos modelos de família verificados no mundo globalizado contemporâneo.

Há movimentos em curso intencionados em vedar o direito à constituição de um novo modelo de família, cabendo destacar que para o IBGE família é o grupo de pessoas que vivem em uma mesma casa, e ponto!

Tais movimentos discriminatórios, calcados basicamente em preceitos religiosos e em um país constitucionalmente laico, expõem quão intolerante, preconceituosa e discriminatória ainda é a sociedade brasileira, mais que isso, quão não humanitária o é.

Aliás, as considerações feitas aqui podem ser comprovadas em pontual documentário apresentado em 19 de abril deste ano pelo canal GloboNews, intitulado “Novas famílias: Na mira da lei”.

De modo objetivo o programa - sem qualquer apologia - foi conduzido no sentido de demonstrar que os novos modelos de família já estão aí e são idênticos aos dos tempos de nossos pais, avós, bisavós, etc., pois sua essência reside no tripé: responsabilidade, amor e humanidade. Responsabilidade dos entes familiares em criar e preparar cidadãos para viver em sociedade; amor entre os indivíduos, baseado em afeto, compreensão e doação; e, humanidade na aceitação do próximo como ele é, dentro de seus limites e potencialidades.

O documentário em questão deixou bem claro o fato de que no Brasil o reconhecimento de tal novo modelo familiar somente encontra respaldo perante o Poder Judiciário; enquanto a resistência a tal concepção familiar encastela-se no Poder Legislativo, onde alguns de nossos representantes pregam um equivocado discurso de que o bem-estar da maioria deve ser preservado em detrimento da minoria, como se fosse possível em questões da vida, de opções e de seres humanos criar uma disputa entre maioria versus minoria.

O discurso é de que a maioria da sociedade brasileira, formado por indivíduos, tem o dever e o direito de cercear a liberdade de uma 'tachada' minoria, também formada por indivíduos, quanto a aceitação e formação de um novo modelo de família. Um cenário deveras cinzento, envolto em ares de ódio.

Em rumo contrário sopram em terras ‘hermanas’ ares alinhados com postulados firmados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos , conforme observa Marisa Herrera em artigo publicado no Infojus – Sistema Argentino de Informarción Jurídica, quando afirma a autora que “mucha agua há corrido debajo de puente, y em especial, em los últimos años. Somos país de matrimonio igualitário – sendo realmente um ejemplo para toda la región – (...) em casos que han marcado um rumbo de ampliación de derechos (...) em el que se disse de manera elocuente que la orientación sexual es uma categoria sospechosa, es decir, que tiene uma fuerte sospecha de discriminación – y em este mismo sentido, la ley de identidade de género, (...).”

Temos a convicção de que esses novos ares também soprarão por aqui de forma mais intensa, sendo ainda mais certo que caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre tal matéria em um contexto ainda mais amplo do que o foi o reconhecimento da união homoafetiva , seja em decorrência de um movimento ativo, seja em decorrência de omissão por parte do poder responsável a legislar sobre o tema em toda amplitude da natureza do conceito de família.

Que uma brisa profunda, reflexiva, inteligente e humanitária traga 'nuevos aires' sobre o novo modelo de família que já nos cerca, pois bater panela vazia nos parece fácil, complexo é convivermos de modo não discriminatório e pacífico neste caldeirão de diversidades denominado sociedade, cujo caldo é nossa responsabilidade não deixar entornar, muito menos azedar.

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1 “Don Quijote de La Mancha”, Edición de IV Centenário – Real Academia Española – Asociación de Academia de La Lengua Española – II, 58, págs. 984-985)

2 https://www.conjur.com.br/2014-set-29/dalton-miranda-falta-lei-impede-punicao-discriminacao-gay

3 “Principales cAmbios em las relaciones de família en el nuevo Código Civil y Comercial de la Nación” , 2 de Octubre ded 2014, Id Infojus: DAC140723

4 ADPF 132 e ADI 4277

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*Dalton Cesar Cordeiro de Miranda é advogado em Brasília, consultor do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, pós-graduado em Administração Pública pela EBAP/FGV.

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