Os tribunais de contas e o controle das licitações
Edgar Guimarães*
Por orientação constitucional, o controle externo da função administrativa a cargo do Poder Legislativo exercido pelos Tribunais de Contas é amplo, abrangendo os aspectos de legalidade, legitimidade, economicidade, oportunidade, finalidade e eficiência.
Não se pretende que o Tribunal de Contas possa decidir o mérito dos atos administrativos, anulando a discricionariedade do administrador público. O mérito da ação discricionária não se sujeita à revisão nem mesmo pelo Poder Judiciário.
A Corte de Contas, no exercício de sua função institucional, deve verificar a adequação entre os pressupostos de fato e os pressupostos de direito que ensejaram a escolha administrativa, constatando ainda a existência do desvio de finalidade ou abuso de poder.
Não se objetiva a substituição do administrador pelo Tribunal de Contas no processo de fiscalização da decisão administrativa. O que se defende é a análise das circunstâncias que levaram à referida decisão e que fundamentaram os critérios de oportunidade e conveniência utilizados pelo agente público.
O exame realizado pelas Cortes de Contas ultrapassa a análise meramente burocrática. Verifica não só os elementos formais que norteiam o processo de despesa, como também a relação custo benefício, a aferição da atuação ótima das ações administrativas, a mais rentável possível em se considerando o interesse público envolvido, a legitimidade do ato e a conseqüente relação de adequação de seu conteúdo, enfim, a investigação do ato em sua intimidade.
A fiscalização da atividade administrativa pela Corte de Contas pressupõe a efetiva compatibilidade com o sistema normativo, o que determina a análise de sua legitimidade substancial, e que necessariamente implicará a utilização da teoria dos motivos determinantes ou do desvio de poder para o controle dos atos, inclusive daqueles que importam em despesa.
Assim, a Constituição Federal reputou ao controle externo exercido pelo Tribunal de Contas uma significativa importância chegando a ponto de impingir ao agente público responsável pelo controle interno o dever de, ao tomar conhecimento de irregularidades ou ilegalidades no exercício da função administrativa, informar ao mencionado Tribunal a sua ocorrência, sob pena de, em caso de omissão, responder solidariamente com aquele que praticou o ato ilegal, conforme intelecção do § 1º do artigo 74.
A Lei n.º 8.666/93, ao tratar do controle externo das licitações, disciplina tal questão em seu artigo 113 e parágrafos, estabelecendo como critérios do referido controle a legalidade, a regularidade da despesa e sua execução, e o combate às irregularidades na aplicação da referida lei, nos termos da Constituição Federal.
Em sede de licitação esse controle pode ser exercido de três formas: por meio do regular exercício da função fiscalizadora atribuída ao Tribunal de Contas; mediante provocação por qualquer pessoa física ou jurídica, licitante ou contratado, os quais poderão representar ou denunciar àquele Tribunal em face de irregularidades na aplicação da Lei n.º 8.666/93, conforme § 1º do artigo 113 e § 2º do artigo 74 da Constituição Federal e, ainda, por meio da análise prévia dos atos convocatórios pelas Cortes de Contas, conforme § 2º do artigo 113 daquele Diploma Legal.
A representação não visa proteger direitos subjetivos ou interesses pessoais específicos, mas orienta-se objetivando um controle de regularidade da despesa pública, pautado por interesse público subjacente, ainda que em muitos casos o licitante ao representar defenda interesses próprios, mais relacionados com a sua permanência no certame.
Outra modalidade de controle externo exercida pelo Tribunal de Contas diz respeito à análise prévia de instrumentos convocatórios, conforme o citado § 2º do artigo 113 da Lei n.º 8.666/93. Impende considerar a esse respeito que dito comando legal estabelece uma faculdade às Cortes de Contas, as quais “poderão solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia do edital de licitação já publicado”.
Considerando que o ato convocatório norteia a licitação, balizando todo o procedimento, é conveniente que a Corte de Contas deva analisar previamente dito instrumento. Assim procedendo, possibilita a correção, ab initio, de eventuais ilegalidades, adotando medida corretiva e mais adequada ao interesse público envolvido e representa economia processual, bem como evita contratações ruinosas para Administração Pública, que certamente apenas seriam controladas posteriormente.
Discute-se, assim, o momento da solicitação de cópia do ato convocatório para análise por parte da Tribunal de Contas, tendo em vista que o § 2º do artigo 113 da Lei n.º 8.666/93 dispõe que tal solicitação poderá ocorrer até o dia útil imediatamente anterior à data do recebimento das propostas.
Parte da doutrina defende que este prazo estabelecido é decadencial, o que poderia redundar numa interpretação equivocada e limitada, na qual estaria o Tribunal de Contas impedido de efetuar posterior análise do instrumento convocatório.
Por óbvio que o Tribunal de Contas, a qualquer momento, pode analisar não só o ato convocatório da licitação, mas todo e qualquer ato praticado no curso do procedimento, visando garantir a absoluta conformidade com o sistema normativo.
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*Advogado do escritório Edgar Guimarães & Advogados Associados
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