Transformação de sociedade limitada em anônima e a grande questão do poder de controle
Vinicius Camargo Silva*
O direito societário está inserto nesse contexto. Hoje, o sujeito interessado em desenvolver atividade econômica organizada à produção e circulação de bens ou prestação de serviços pode optar por várias formas jurídicas. Domina quantitativamente o cenário nacional a firma individual, seguida por sociedades limitadas e anônimas, recaindo sobre estas últimas a opção de estruturação das atividades realmente representativas economicamente. Significa dizer, em outras palavras, que o direito societário deve debruçar-se sobre limitadas e anônimas, tendo em vista sua larga utilização e os problemas que delas emergem, a reclamarem soluções jurídicas concretas e efetivas.
Feita a localização do tema no contexto amplo, passamos, doravante, a abordar a hodierna questão da transformação de sociedade limitada (LTDA) em anônima (S/A).
Com o advento dos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil de 2002 as limitadas ganharam em complexidade e burocracia. Esta sociedade, que antes possuía grau de flexibilidade bastante atrativo, em razão de sua facilidade operacional, passou a ser mais complexa, requerendo maiores conhecimentos e providências à sua operação.
Iniciou-se, destarte, a discussão acerca da transformação de limitadas em anônimas. Diziam alguns entusiastas da operação de transformação, que se a anônima, principalmente a fechadíssima, dá o mesmo trabalho e gera os mesmos custos que a limitada, então é melhor optar pela primeira.
Contudo, deve ser analisado o caso concreto, posto o que pode ser interessante para a sociedade “A” pode não ser para a sociedade “B”. Não existe, pois, regra rígida a ser aplicada na hipótese de transformação de limitada em anônima. Transformar sem ter isso em mente pode significar grandes prejuízos, até mesmo a perda de garantias por parte dos sócios.
Existe ponto extremamente interessante e que ainda não foi abordado. Aqueles que defendem a tese da transformação de limitadas em anônimas, utilizando como argumento a burocracia e os custos gerados pelas limitadas dispostas no Código Civil de 2002, não levaram em conta que as regras de reunião de sócios e assembléias tratam-se de matéria sobre a qual os sócios podem contratar, ou seja, basta haver a correta modificação do contrato social da limitada para fugir-se da burocracia e dos custos.
Se a razão da transformação, após analisados todos os reflexos do caso concreto, for somente a eliminação de burocracia e a redução de custos o caso não apresenta dificuldades. Nesse mister, sugerimos cláusula vazada nos seguintes termos:
“As deliberações sociais que versarem sobre as matérias elencadas no artigo 1.071, da Lei n.º 10.406, de 10/01/2002 (Código Civil de 2002), e demais temas em que a lei formalmente exigir, serão realizadas em documento que explicite a deliberação, assinado pela totalidade dos sócios, consoante proposição prescritiva inserta no artigo 1.072, §3.º, da Lei n.º 10.406, de 10/01/2002 (Código Civil de 2002).
Parágrafo 1.º: Na impossibilidade das deliberações sociais materializarem-se na forma do §3.º, do artigo 1.072, disposta no “caput” dessa cláusula, essas serão tomadas em reunião de sócios, que obedecerá as seguintes regras:
a -A realização da reunião de sócios deverá ocorrer ordinariamente nos 04 (quatro) primeiros meses de cada ano, devendo haver deliberação sobre as matérias legalmente obrigatórias e sobre quaisquer temas a serem incluídos em pauta de votação, obedecendo a ordem do dia.
b -A convocação para a reunião de sócios será efetuada pelos administradores, sócios ou por pessoas por esses designadas para esse fim, sendo necessário o envio de Carta Convocação contendo a data de realização, local, hora e ordem do dia, que deverá ser assinada pelos sócios. Na impossibilidade de envio ou operacionalização da Carta Convocação, a convocação será realizada por carta com aviso de recebimento, com idêntico conteúdo e mesmos efeitos.
c -A reunião de sócios instalar-se-á, tanto em primeira como em segunda convocação, somente quando presentes os sócios representantes da maioria absoluta do capital social - “quorum” de instalação.
d -Os trabalhos serão dirigidos por uma mesa composta de um presidente e um secretário, os quais devem ser escolhidos entre os sócios presentes e por estes e, na ausência de sócios dispostos à exercer tais funções, a eleição deverá recair sobre os administradores da sociedade. A mesa eleita, por meio de falas rituais, deverá marcar o início e o término das fases de discussão e votação de cada ponto da ordem do dia, assegurando o direito de voz e voto aos sócios presentes. As deliberações tomadas em reunião de sócios serão registradas em ata redigida pelo secretário, assinada pelos membros da mesa e por sócios participantes da reunião, quantos bastem à validade das deliberações, e arquivada na Junta Comercial do Estado da sede social nos vinte dias subsequentes à reunião.”
Eis uma fórmula de contornar a burocracia com segurança, mantendo-se a operacionalidade da limitada, a exemplo do que ocorria quando em vigor o Decreto 3.708/19. O próprio código estabelece mecanismos de redução da burocracia (deliberação unânime em documento ou regras próprias de reunião), basta deixá-los expressos no contrato social, reduzindo-se custos operacionais e burocráticos.
Porém, a grande questão em relação à transformação da limitada em anônima repousa na palavra mágica PODER DE CONTROLE, aspecto essencial que tem passado desapercebido.
Abrem-se duas posições: a do controlador e a do minoritário.
Já no caso do minoritário, por razões óbvias, este poderá não ter interesse na transformação, pois poderá ver diluída a força que o novo Código Civil trouxe à sua participação. Ilustrativo o exemplo do minoritário que possui mais de 25% do capital social. Com o advento do código o minoritário nessa situação é prestigiado, pois dele depende a aprovação da maioria das alterações contratuais, havendo equilíbrio substancial de sua posição com a do majoritário.
Como visto, cada empresa possuirá peculiaridades que não permitirão a aplicação de regra única, devendo os sócios estarem atentos para não criarem um problema muito maior do que o custo burocrático. É evidente que por maior que seja o custo este não compensa nunca a perda do poder de controle do majoritário, nem a diminuição do poder de veto do minoritário que possui expressiva e decisiva parcela do capital social.
Saliento, ainda, que a questão se insere em aspectos de estruturação de holdings de médios e grandes grupos, geralmente limitadas como holdings de controle e anônimas como sociedades operacionais. O problema é agravado quanto apresenta-se nas empresas familiares.
Existe possibilidade de transformação com base no artigo 294 da LSA (menos de vinte sócios e Patrimônio Líquido inferior a um milhão de reais). Essa solução é inaplicável para médias e grandes empresas, sobretudo em holdings de controle, tendo vista que o PL é bastante superior a esse valor. Para pequenas ou médias a melhor solução seria a adequação do contrato social, mas como frisamos à exaustão, na nossa opinião, tudo depende do caso em concreto, lição de casa e reflexão obrigatória a empresas e empresários, tendo em conta que a limitada hoje corresponde a mais de 90% das sociedades registradas nas Juntas Comerciais em todo o país.
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* Advogado do escritório Camargo Silva, Dias de Souza - Advogados
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