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Transformação de sociedade limitada em anônima e a grande questão do pode

A questão da transformação de uma sociedade limitada em anônima, que tem sido muito discutida no meio empresarial, pressupõe a análise do contexto atual do direito de empresa. O Código Civil de 2002 incorporou ao direito pátrio o sistema italiano (teoria da empresa) de disciplina privada da atividade econômica, superando o sistema francês (teoria dos atos de comércio), aliás há muito transposto por doutrina, jurisprudência e leis especiais.

3/7/2003

 

Transformação de sociedade limitada em anônima e a grande questão do poder de controle

 

Vinicius Camargo Silva*

 

A questão da transformação de uma sociedade limitada em anônima, que tem sido muito discutida no meio empresarial, pressupõe a análise do contexto atual do direito de empresa. O Código Civil de 2002 incorporou ao direito pátrio o sistema italiano (teoria da empresa) de disciplina privada da atividade econômica, superando o sistema francês (teoria dos atos de comércio), aliás há muito transposto por doutrina, jurisprudência e leis especiais (Lei de Locações; Lei de Registro de Empresas, Código de Defesa do Consumidor, entre outras).

 

O direito societário está inserto nesse contexto. Hoje, o sujeito interessado em desenvolver atividade econômica organizada à produção e circulação de bens ou prestação de serviços pode optar por várias formas jurídicas. Domina quantitativamente o cenário nacional a firma individual, seguida por sociedades limitadas e anônimas, recaindo sobre estas últimas a opção de estruturação das atividades realmente representativas economicamente. Significa dizer, em outras palavras, que o direito societário deve debruçar-se sobre limitadas e anônimas, tendo em vista sua larga utilização e os problemas que delas emergem, a reclamarem soluções jurídicas concretas e efetivas.

Feita a localização do tema no contexto amplo, passamos, doravante, a abordar a hodierna questão da transformação de sociedade limitada (LTDA) em anônima (S/A).

 

Com o advento dos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil de 2002 as limitadas ganharam em complexidade e burocracia. Esta sociedade, que antes possuía grau de flexibilidade bastante atrativo, em razão de sua facilidade operacional, passou a ser mais complexa, requerendo maiores conhecimentos e providências à sua operação.

 

Iniciou-se, destarte, a discussão acerca da transformação de limitadas em anônimas. Diziam alguns entusiastas da operação de transformação, que se a anônima, principalmente a fechadíssima, dá o mesmo trabalho e gera os mesmos custos que a limitada, então é melhor optar pela primeira.

 

Contudo, deve ser analisado o caso concreto, posto o que pode ser interessante para a sociedade “A” pode não ser para a sociedade “B”. Não existe, pois, regra rígida a ser aplicada na hipótese de transformação de limitada em anônima. Transformar sem ter isso em mente pode significar grandes prejuízos, até mesmo a perda de garantias por parte dos sócios.

 

Existe ponto extremamente interessante e que ainda não foi abordado. Aqueles que defendem a tese da transformação de limitadas em anônimas, utilizando como argumento a burocracia e os custos gerados pelas limitadas dispostas no Código Civil de 2002, não levaram em conta que as regras de reunião de sócios e assembléias tratam-se de matéria sobre a qual os sócios podem contratar, ou seja, basta haver a correta modificação do contrato social da limitada para fugir-se da burocracia e dos custos.

 

Se a razão da transformação, após analisados todos os reflexos do caso concreto, for somente a eliminação de burocracia e a redução de custos o caso não apresenta dificuldades. Nesse mister, sugerimos cláusula vazada nos seguintes termos:

 

“As deliberações sociais que versarem sobre as matérias elencadas no artigo 1.071, da Lei n.º 10.406, de 10/01/2002 (Código Civil de 2002), e demais temas em que a lei formalmente exigir, serão realizadas em documento que explicite a deliberação, assinado pela totalidade dos sócios, consoante proposição prescritiva inserta no artigo 1.072, §3.º, da Lei n.º 10.406, de 10/01/2002 (Código Civil de 2002).

 

Parágrafo 1.º: Na impossibilidade das deliberações sociais materializarem-se na forma do §3.º, do artigo 1.072, disposta no “caput” dessa cláusula, essas serão tomadas em reunião de sócios, que obedecerá as seguintes regras:

 

a -A realização da reunião de sócios deverá ocorrer ordinariamente nos 04 (quatro) primeiros meses de cada ano, devendo haver deliberação sobre as matérias legalmente obrigatórias e sobre quaisquer temas a serem incluídos em pauta de votação, obedecendo a ordem do dia.

 

b -A convocação para a reunião de sócios será efetuada pelos administradores, sócios ou por pessoas por esses designadas para esse fim, sendo necessário o envio de Carta Convocação contendo a data de realização, local, hora e ordem do dia, que deverá ser assinada pelos sócios. Na impossibilidade de envio ou operacionalização da Carta Convocação, a convocação será realizada por carta com aviso de recebimento, com idêntico conteúdo e mesmos efeitos.

 

c -A reunião de sócios instalar-se-á, tanto em primeira como em segunda convocação, somente quando presentes os sócios representantes da maioria absoluta do capital social - “quorum” de instalação.

 

d -Os trabalhos serão dirigidos por uma mesa composta de um presidente e um secretário, os quais devem ser escolhidos entre os sócios presentes e por estes e, na ausência de sócios dispostos à exercer tais funções, a eleição deverá recair sobre os administradores da sociedade. A mesa eleita, por meio de falas rituais, deverá marcar o início e o término das fases de discussão e votação de cada ponto da ordem do dia, assegurando o direito de voz e voto aos sócios presentes. As deliberações tomadas em reunião de sócios serão registradas em ata redigida pelo secretário, assinada pelos membros da mesa e por sócios participantes da reunião, quantos bastem à validade das deliberações, e arquivada na Junta Comercial do Estado da sede social nos vinte dias subsequentes à reunião.”

 

Eis uma fórmula de contornar a burocracia com segurança, mantendo-se a operacionalidade da limitada, a exemplo do que ocorria quando em vigor o Decreto 3.708/19. O próprio código estabelece mecanismos de redução da burocracia (deliberação unânime em documento ou regras próprias de reunião), basta deixá-los expressos no contrato social, reduzindo-se custos operacionais e burocráticos.

 

Porém, a grande questão em relação à transformação da limitada em anônima repousa na palavra mágica PODER DE CONTROLE, aspecto essencial que tem passado desapercebido.

 

Abrem-se duas posições: a do controlador e a do minoritário.

 

Imperou por muito tempo a regra da maioria absoluta nas deliberações das limitadas (50% + 1), hoje superada por regras de unanimidade, ¾, 2/3, maioria absoluta e maioria simples, dependendo do caso. Importa dizer que quem antes possuía mais da metade do capital (mesmo que ínfima a parcela de capital superior aos 50%) de uma limitada exercia de forma plena o poder de controle. Hoje não exerce mais, sofrendo temperamentos impostas pela elevação do quorum deliberativo em determinadas situações, e.g., necessidade, em regra, de três quartos para alteração contratual. O controlador da limitada, por essas razões, possui interesse na transformação, posto que na anônima prevalece a regra da maioria absoluta nas deliberações a prestigiar o poder de controle, mesmo quando exigido quorum qualificado. Como na transformação receberá ações em troca de quotas, em regra sem alteração de capital social, seu poder de controle estará garantido, mesmo se na limitada transformada a proporção fosse de 51% para 49%.

 

Já no caso do minoritário, por razões óbvias, este poderá não ter interesse na transformação, pois poderá ver diluída a força que o novo Código Civil trouxe à sua participação. Ilustrativo o exemplo do minoritário que possui mais de 25% do capital social. Com o advento do código o minoritário nessa situação é prestigiado, pois dele depende a aprovação da maioria das alterações contratuais, havendo equilíbrio substancial de sua posição com a do majoritário.

 

Como visto, cada empresa possuirá peculiaridades que não permitirão a aplicação de regra única, devendo os sócios estarem atentos para não criarem um problema muito maior do que o custo burocrático. É evidente que por maior que seja o custo este não compensa nunca a perda do poder de controle do majoritário, nem a diminuição do poder de veto do minoritário que possui expressiva e decisiva parcela do capital social.

 

Saliento, ainda, que a questão se insere em aspectos de estruturação de holdings de médios e grandes grupos, geralmente limitadas como holdings de controle e anônimas como sociedades operacionais. O problema é agravado quanto apresenta-se nas empresas familiares.

 

Existe possibilidade de transformação com base no artigo 294 da LSA (menos de vinte sócios e Patrimônio Líquido inferior a um milhão de reais). Essa solução é inaplicável para médias e grandes empresas, sobretudo em holdings de controle, tendo vista que o PL é bastante superior a esse valor. Para pequenas ou médias a melhor solução seria a adequação do contrato social, mas como frisamos à exaustão, na nossa opinião, tudo depende do caso em concreto, lição de casa e reflexão obrigatória a empresas e empresários, tendo em conta que a limitada hoje corresponde a mais de 90% das sociedades registradas nas Juntas Comerciais em todo o país.

 

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* Advogado do escritório Camargo Silva, Dias de Souza - Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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