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Tutela Cautelar e Tutela Antecipada no CPC de 2015: Unificação dos Requisitos e Simplificação do Processo

Passados vinte anos, o novo CPC adota um sistema muito mais simples. Ele unifica o regime, estabelecendo os mesmos requisitos para a concessão.

14/4/2015

"Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples"

(Manuel Bandeira no poema Belo Belo)

Um dos grandes avanços relativos à celeridade e à efetividade do processo ocorreu em 1994 quando, por força da Lei nº 8.952, o art. 273 do atual Código passou a autorizar a antecipação da tutela no curso da ação principal. Até então, eram propostas ações cautelares para obter provimentos de caráter satisfativo. Utilizava-se, assim, o único caminho processual existente, ainda que não adequado tecnicamente. O mesmo fenômeno também ocorreu no direito italiano e foi denominado por Federico Carpi de força expansiva da tutela cautelar1.

A partir de 1994, nosso sistema passou a conviver com dois regimes distintos: de um lado, o da tutela cautelar (com os requisitos clássicos do fumus boni juris e do periculum in mora) e, de outro, o da tutela antecipada (baseada na verossimilhança da alegação e no fundado receio de dano ou no abuso do direito de defesa). Embora positiva, a mudança trouxe consigo dificuldades de distinção. Não raro, pleiteava-se tutela cautelar quando na verdade o que se pretendia era a satisfação imediata do direito e vice-versa. E, costumeiramente, essa incerteza levava ao indeferimento da medida. De fato, como pondera Eduardo Talamini, não se estava a falar de coisas distintas entre si como água e vinho, mas de uma zona cinzenta, o que provocava divergência inclusive entre argutos processualistas2. Prova disso é que alguns anos mais tarde, através da Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002, acrescentou-se o parágrafo 7º ao art. 273, autorizando-se a fungibilidade entre as medidas3. Como destaca Daniel Mitidiero, o indeferimento de uma medida baseada apenas na distinção conceitual entre tutela cautelar e tutela antecipada só fazia sentido, "enquanto a ciência processual alimentava-se puramente de discussões conceituais". Tal formalismo "excessivo e pernicioso, contudo, pertence à história do processo civil"4.

Passados vinte anos, o novo CPC adota um sistema muito mais simples. Ele unifica o regime, estabelecendo os mesmos requisitos para a concessão da tutela cautelar e da tutela satisfativa (probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo). Ou seja, ainda que permaneça a distinção entre as tutelas, na prática os pressupostos serão iguais. Com efeito, o parágrafo único do art. 294 deixa claro que a tutela de urgência é gênero, o qual inclui as duas espécies (tutela cautelar e tutela antecipada)5. Já o art. 300 estabelece as mesmas exigências6 para autorizar a concessão de ambas.

Mas não é só. Além de um regime jurídico único, outra grande vantagem é a dispensa de um processo cautelar autônomo. Com efeito, a Lei nº 13.105 de 2015 permite que as medidas provisórias sejam pleiteadas e deferidas nos autos da ação principal. A regra é clara: após a antecipação ou a liminar cautelar, o autor terá prazo para juntar novos documentos e formular o pedido de tutela definitiva. Ainda que os prazos sejam distintos (15 dias na antecipação7 e 30 dias na cautelar8) em ambas as hipóteses o pedido principal será formulado nos mesmos autos, sem necessidade de um novo processo ou do pagamento de novas custas processuais.

Outra novidade relevante é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, sempre que não houver impugnação. É o que vem disposto no art. 3049. Nesse caso, se a tutela antecipada é concedida mas o réu a ela não se opõe, a decisão se estabiliza e autoriza desde logo a extinção do processo. Trata-se de medida inspirada no référé provision do direito francês, o qual permite que o processo se limite à tutela provisória. Segundo Roger Perrot, muitas vezes a causa se detém nessa fase pois o réu, ciente de que não tem argumentos, nem sequer lhe dá continuidade. E aí lucram todos: o autor que teve o seu pleito atendido e a Justiça que evita um longo processo10. De acordo com o CPC de 2015, o réu só poderá rever, reformar ou invalidar a decisão estabilizada através de um novo processo, mediante a propositura de ação autônoma e desde que isso ocorra dentro do prazo de dois anos11 . Tal decisão, como é natural, não faz coisa julgada12 diante da inexistência de cognição exauriente. Quanto à estabilidade, dois pontos merecem destaque: a nova ação deverá ter o ônus probatório invertido (o ônus da prova deve permanecer com o autor originário, o qual agora será réu) e a estabilização poderá ser objeto de negociação entre as partes, conforme Enunciado nº 32 da Carta de Belo Horizonte (Forum Permanente de Processualistas Civis): "Além da hipótese prevista no art. 304, é possível a estabilização expressamente negociada da tutela antecipada de urgência satisfativa antecedente"13 .

Essas são algumas das inovações trazidas pela Lei nº 13.105/2015, as quais certamente suscitarão grandes debates. Independentemente disso, o que se espera é que a doutrina, adotando o ideário do novo Código, preocupe-se menos com a forma e mais com a própria realização do direito material.

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1 Carpi, Federico. La provvisoria esecutorietá della sentenza, Milano, Giuffré, 1979, p. 47, citado por Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da Tutela, 9ª edição, revista e atualizada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 131.

2 Talamini, Eduardo. "Tutela de urgência no projeto de novo código de processo civil: a estabilização da medida urgente e a ‘monitorização’ do processo civil brasileiro", in Revista de Processo, vol. 209/2012, p. 13-34.

3 Nesse ponto, ainda que o § 7º do art. 273 tenha previsto apenas a conversão da tutela antecipada em cautelar, a doutrina majoritária concluiu que se tratava de uma fungibilidade de dupla via, permitindo também o caminho inverso.

4 Mitidiero, Daniel. Antecipação de tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 163.

5 Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

6 Art. 300 "A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo"

7 Art. 303, § 1º. Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo: I – o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar”.

8 Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais" (grifos nossos).

9 Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

10 Perrot, Roger. "O processo civil francês na véspera do século XXI", conferência proferida em Florença em 27.9.97, na Associazione italiana fra gli studiosi del processo civile, tradução de J.C. Barbosa Moreira, in HTTPS://ecommerce.rio.com.br/Forense.

11 Art. 304, § 5º. O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.

12 Art. 304, § 6º. A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

13 IV Encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis, realizado em Belo Horizonte, nos dias 5, 6 e 7 de dezembro de 2014.

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*Rogéria Dotti é advogada (Escritório Professor René Dotti), inscrita na OAB/PR nº 20.900, Conselheira Estadual, Coordenadora da Escola Superior de Advocacia e Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Paraná.

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