A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou, em 18 de março de 2015, o ofício-circular CVM/SIN/SNC 1/15, que trata da distribuição de resultados pelos Fundos de Investimento Imobiliários (FII). Esse ofício decorreu de questionamentos apresentados à CVM pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), quando da edição do ofício-circular CVM/SIN/SNC 1/14, que endereçava como o regime de caixa deveria ser aplicado ao cálculo do lucro mínimo distribuível pelos FIIs. Esse ofício trouxe uma série de questionamentos que já tivemos a oportunidade de comentar quando da sua edição (clique aqui).
Como explicado naquela oportunidade, o parágrafo único do artigo 10 da lei 8.668/93, estabelece que os FIIs devem “distribuir a seus quotistas, no mínimo, 95% dos lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa, com base no balanço ou balancete semestral encerrado em 30 de junho e 31 de dezembro de cada ano”. Redação semelhante é encontrada no artigo 27 da instrução normativa 1.022/10, que disciplina o tratamento fiscal aplicável aos fundos de investimento. Ocorre que tanto a legislação acima mencionada, como as normas editadas pela CVM, não tratavam da forma como o regime de caixa deveria ser aplicado, i.e., não existia definição de como o lucro mínimo distribuível pelos FIIs deveria ser calculado.
O ofício-circular CVM/SIN/SNC 1/14 foi editado para suprir essa lacuna, sendo nele estabelecido que os FIIs deveriam aplicar um “regime de competência ajustado para caixa”, o que significa dizer que esses fundos deveriam partir do resultado contábil apurado pelo regime de competência para, em ato contínuo, ajustá-lo pela consideração de entradas e saídas de caixa.
Esse entendimento foi alvo de várias críticas pelo mercado, sendo que os questionamentos apresentados pela Anbima à CVM justamente buscavam afastar as incertezas decorrentes da nova norma.
Embora queira parecer que a edição deste novo ofício tenha por objetivo afastar essas inseguranças, a leitura atenta do ofício-circular CVM/SIN/SNC 1/15 demonstra que essa tentativa pode ter saído em sentido contrário ao planejado. Inicialmente, porque o novo ofício-circular simplesmente confirmou o entendimento exteriorizado no anterior (que continua vigente). Assim, todas as críticas feitas ao regime proposto permanecem plenamente aplicáveis.
Duas foram as grandes novidades. A primeira é a de que os FIIs poderão reter, parcial ou integralmente, o valor a ser distribuído aos cotistas. Segundo a CVM, essa possibilidade encontra base legal no artigo 46 da instrução CVM 472, que faculta ao administrador reter parcela do patrimônio do FII com o objetivo de fazer frente às necessidades de liquidez do fundo. Em termos práticos, isso significa que a distribuição deverá ser promovida, mas não necessariamente o pagamento será feito aos cotistas. Contabilmente, isso significa que o lucro do FII passa a ser transformado em uma dívida para com os cotistas, passando a ser controlado no passivo do FII.
A retenção do lucro distribuído deve ser deliberada em assembleia, mediante aprovação da maioria dos cotistas presentes, após a exposição aos cotistas da base de cálculo dos lucros auferidos, com o detalhamento da causa da retenção e o respectivo percentual.
Embora a possibilidade de retenção do valor distribuível aos cotistas materialize, sem sombra de dúvida, um avanço, alguns problemas práticos podem ser verificados em razão da nova disciplina proposta. A título exemplificativo, o registro sucessivo de passivos contra os cotistas pode aumentar o endividamento do fundo, na medida em que não necessariamente haverá caixa para ser devolvido aos cotistas integralmente no futuro. Outra questão que se apresenta é a definição da prioridade de pagamentos, i.e., existindo dívidas do FII com seus cotistas, que podem decorrer de mais de um período, quem deveria receber primeiro?
Adicionalmente, a redação adotada pela CVM pode também resultar na incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) antes do efetivo recebimento dos rendimentos pelos cotistas, já que o artigo 29 da instrução normativa 1.022/10 fala que o IRRF será devido quando da distribuição (e não pagamento) dos lucros.
A segunda novidade se refere à obrigatoriedade de divulgação de uma memória de cálculo contendo a demonstração semestral de resultado contábil e financeiro do fundo. Modelo dessa memória de cálculo é encontrado no MEMO/CVM/SIN/SNC 1/15 a reforçar o conceito de regime de competência ajustado ao caixa, encontrado no ofício-circular CVM/SIN/SNC 1/14.
Embora a edição do ofício-circular CVM/SIN/SNC 1/15 tenha objetivado dissipar as apreensões do mercado, e que a possibilidade de manutenção de parcela do caixa do FIIs tenha sido muito bem-vinda, ainda restam pouco elucidados alguns desdobramentos práticos desse posicionamento.
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