Combater a corrupção é prioridade para o país. Esse crime, odioso especialmente pelos efeitos nefastos sociais e econômicos que gera, precisa ser extirpado. Diante dele, mais uma vez, a esperança da sociedade é depositada na Justiça para fazer com que aqueles que o praticaram sejam condenados à prisão e ao reembolso ao erário público do dinheiro que ilicitamente se apropriaram, e que, acabando com o sentimento de impunidade, seja desestimulada a prática desse delito no futuro.
A resposta da Justiça deve ser célere, mas sem atropelos a direitos fundamentais, como os: da presunção de inocência, da defesa plena, do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição com os recursos a ele inerentes. São princípios básicos em um Estado Democrático de Direito. Independente do crime que é imputado, ou do status daquele que responda ao delito. Desconsiderar ou mitigar esses direitos não produzirá justiça, mas arbitrariedade.
As instituições da Justiça – a OAB, em seguida o Ministério Público e, recentemente, a associação de magistrados – procuram contribuir para o aperfeiçoamento dos instrumentos de combate à corrupção. A OAB Nacional encaminhou um conjunto de medidas, para as quais contou com a contribuição da OAB de São Paulo. Essas propostas vão da criminalização do uso de caixa 2 por partidos políticos à regulamentação da Lei Anticorrupção.
Infelizmente, porém, dentre importantes iniciativas, surgem as de alterações legislativas, justificando a mitigação ou eliminação de direitos fundamentais pela rapidez com que a sociedade teria satisfeito seu desejo por Justiça. A crise que vivemos gera oportunidade de mudança, mas isso deve ser feito sem o comprometimento das conquistas dos cidadãos em seus direitos fundamentais.
Fixando-nos apenas sobre algumas propostas recém apresentadas: a de aproveitamento de prova ilícita, a prisão preventiva para assegurar a devolução de dinheiro, e a prisão imediata após a condenação em primeira instância do acusado – torna-se necessário redobrar a cautela.
A prova ilícita é basicamente aquela produzida em descumprimento da lei. Uma confissão sob tortura, por exemplo, é prova ilícita. Produzir prova para dar sustentação à denúncia de um crime é obrigação do Estado, uma vez que a presunção de inocência de um acusado é direito constitucional. Mas produzir provas ilícitas representa a ineficiência, a incapacidade do Poder Público em cumprir sua obrigação de demonstrar a ocorrência e a autoria do delito que imputa ao acusado ter cometido.
Nossa legislação permite, em casos em que o interesse público se sobrepõe ao privado, prisões provisórias, antes da condenação transitada em julgado. São os casos da prisão temporária, cabível, por exemplo, quando imprescindível para as investigações do inquérito policial (lei 7.960/89), e da prisão preventiva, quando o acusado, por exemplo, ameaça testemunhas, coage, destrói provas, ou existem fortes indícios de que tentar fugir (art. 312 do CPP). Nenhuma dessas hipóteses, porém, representa antecipação da pena, a que o cidadão estará sujeito apenas quando for condenado em definitivo pela Justiça.
A presunção de inocência do acusado se estende até o final do processo, quando o acusado não tem mais possibilidade de recorrer da decisão. Isso é básico em um Estado Democrático de Direito. Se, mesmo com todos os recursos pode acontecer de um inocente ser condenado, imagine se ele pudesse sofrer os efeitos de uma condenação e o próprio Poder Judiciário, em seguida, declarar a sua inocência. Nada conseguiria compensar os dias, meses e até anos que um inocente tivesse privada a sua liberdade, cumprindo por antecipação uma pena por um delito que não cometeu.
Nos momentos em que os debates ficam aquecidos e muitas propostas são postas à mesa, deve-se redobrar a atenção e o respeito à nossa Constituição cidadã.
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