Migalhas de Peso

Perdas decorrentes da variação cambial sobre o patrimônio e o lucro das empresas que possuem capitais estrangeiros. Opções jurídicas

2015 é um período para o qual os especialistas preveem uma desvalorização cambial relevante, parte dela já ocorrida durante o primeiro trimestre.

2/4/2015

O aumento ou a diminuição da quantidade de moeda nacional necessária para equiparar com uma unidade de moeda estrangeira gera consequências financeiras e econômicas para as empresas. É costume indicar como desvalorização cambial o aumento da quantidade de reais requerida para comprar uma unidade de moeda estrangeira. O contrário, ou seja, a redução da quantidade de reais para a mesma operação é costumeiramente chamada de valorização cambial.

O ano de 2015 é um período para o qual os especialistas preveem uma desvalorização cambial relevante, parte dela já ocorrida durante o primeiro trimestre.

O aumento do valor de conversão do dólar norte-americano pode representar uma perda para as empresas cujos capitais pertencem total ou parcialmente aos investidores estrangeiros. Para simplificar, doravante neste comentário a moeda referida será o dólar norte-americano. Isso porque, os investimentos feitos no Brasil em outras moedas acabam sofrendo o impacto da paridade do dólar, quer pela sua participação no fluxo financeiro internacional, quer por ser o padrão monetário utilizado como referência global.

As organizações que possuem participações estrangeiras preparam demonstrações financeiras tanto em reais quanto em dólar.

A chamada desvalorização acarreta perda cambial pela redução dos valores em dólares tanto do patrimônio das empresas, como do lucro do período.

Pode-se perceber facilmente o efeito da desvalorização no seguinte exemplo: uma empresa lucraria em 2015 o montante de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Com uma taxa de conversão média para o período de R$ 2,50, mostraria em suas demonstrações em dólares um ganho de US$ 4,000,000.00 (=10.000.000,00 / 2,50).

Se essa mesma organização, com esses mesmos números, no mesmo período, confrontar uma taxa média de conversão de R$ 3,50, terá de reportar um ganho final de apenas US$ 2,857,142.00 (=10.000.000,00 / 3,50). Ou seja, perderia em dólares, sob a perspectiva do investidor estrangeiro o montante de US$ 1,142,857.00 (=4,000,000.00 - 2,857,142.00).

O mesmo raciocínio vale para o patrimônio líquido existente no início de cada exercício. Os profissionais de finanças alertam sempre que o efeito da desvalorização cambial afeta também o que chamam de “patrimônio exposto” do investidor estrangeiro. O patrimônio exposto é o resultado de uma soma algébrica dos saldos das contas do balanço, em que se consideram todos os itens (direitos e obrigações) sujeitos à variação aqui referida, para mais ou para menos, sejam eles integrantes do patrimônio líquido, do ativo e do passivo.

A principal estratégia financeira de proteção tanto do lucro previsto para o período como do patrimônio exposto, praticada hoje pelos agentes econômicos dos setores industriais, comerciais e de serviços é o contrato de “hedge”, no qual a empresa obtém a garantia de um resultado de investimento a uma taxa de conversão pré-acordada, qualquer que seja a relação de paridade cambial na data da liquidação.

A empresa que tem recebíveis de exportações e contas a pagar de importações em dólares ou outras moedas, pode, também, fazer antecipações, ou outros contratos equivalentes, que resultem em uma prefixação da paridade cambial.

O Brasil vive um momento peculiar da sua vida econômica, no qual o Banco Central já anunciou que não interferirá no mercado de câmbio, oferecendo operações de “hedge”. Isso significa que tais proteções ficarão muito mais caras doravante, uma vez que os seus riscos serão assumidos exclusivamente por instituições privadas.

As opções jurídicas para alívio do problema consistem, em primeiro lugar, nas distribuições de lucros ou dividendos, nos termos do artigo 201 da Lei das Sociedades Anônimas, aplicável também às limitadas se houver essa eleição mandamental no contrato social.

O artigo 201 permite que haja pagamento de dividendos ou lucros contra o saldo da conta de lucros acumulados, e até, em certos casos, das reservas de capital. Com a redução patrimonial decorrente de tais pagamentos o efeito da desvalorização cambial sobre a parcela exposta é reduzido automaticamente.

Da mesma forma, em relação ao lucro do período, é possível pagar dividendos ou distribuir lucros contra a conta de resultado do próprio exercício, através do levantamento de balanços intermediários (semestrais, trimestrais, bimestrais, mensais) desde que haja previsão estatuária ou do contrato social. Os dividendos baseados em balanços intermediários estão previstos no artigo 204 da lei das sociedades anônimas.

Toda e qualquer atribuição ou pagamento de lucros ou dividendos tem de estar prevista no estatuto da sociedade anônima ou no contrato social da limitada. Especialmente nas distribuições que envolvam remessas ao exterior, é importante a existência da previsão estatuária ou do contrato social, não podendo, em nossa opinião, ser suprida pela assembleia que aprove o pagamento, ainda que nesta estejam presentes os representantes da totalidade do capital.

Nas sociedades anônimas de capital fechado e nas limitadas, a deliberação para criar essa disposição do estatuto ou contrato pode ser tomada pelos acionistas ou sócios a qualquer tempo, sem complicações outras além da concordância das partes. Bastará apenas que o ato de alteração seja anterior ao que determine o pagamento dos montantes.

Nas sociedades abertas haverá a necessidade de observância das normas da Comissão de Valores Mobiliários, além daquelas aqui referidas.

Outra possibilidade legal é a do pagamento de juros sobre o capital próprio, nos termos do artigo 9º da lei 9.249/95, e artigo 347 do Regulamento do Imposto de Renda. Os juros sobre o capital próprio são limitados a 50% (cinquenta por cento) do saldo da conta de lucros acumulados, observando-se que as reservas de lucros podem também lhes servir de base, dependendo das suas origens.

O valor dos juros será calculado pela TJLP aplicável ao período considerado, desde a data da apuração dos resultados (término do exercício social a que se referir) até a do efetivo crédito.

O montante dos juros sobre o capital próprio será tributado na fonte pela alíquota de 15% (quinze por cento) e será dedutível tanto da base de cálculo do IRPJ como da CSSL da empresa pagadora. A empresa poderá, independentemente de dedução, imputá-los aos dividendos obrigatórios, estabelecidos no artigo 202 da lei 6.404/76.

Cada situação específica precisa ser estudada, não apenas quanto às possibilidades legais, mas também quanto aos diversos impactos econômicos e financeiros, face ao potencial de juros das captações e aplicações de recursos, além do efetivo dimensionamento do resultado previsto para o exercício, que ficará “exposto” à variação, como, ainda, das mudanças previstas para os elementos patrimoniais durante o período.

A verdade é que o pagamento de dividendos e a distribuição de lucros, inclusive com base em balanços intermediários, assim como os juros sobre o capital próprio são opções aos contratos de “hedge”, juridicamente válidas. Suas práticas dependem de um criterioso trabalho interdisciplinar dos operadores do Direito que assessoram cada organização juntamente com os profissionais de finanças.

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*Joaquim Manhães Moreira é especialista em Direito Empresarial e Tributário e sócio do escritório Manhães Moreira & Ciconelo - Sociedade de Advogados.

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