Em 24 de fevereiro de 2015, a 3ª turma do STJ emitiu importante juízo a respeito de matéria altamente controversa no âmbito do direito imobiliário brasileiro. A questão é tão relevante que ganhou destaque1 deste mesmo portal.
Sob a relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, a 3ª turma abordou a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem na compra e venda de imóvel. Referido julgamento ganhou a seguinte ementa:
"DIREITO CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CONTRATO VERBAL DE CORRETAGEM. COMISSÃO. CABIMENTO. OBRIGAÇÃO DO COMITENTE. CONTRATAÇÃO DO CORRETOR PELO COMPRADOR.
1. Contrato de corretagem é aquele por meio do qual alguém se obriga a obter para outro um ou mais negócios de acordo com as instruções recebidas.
2. A obrigação de pagar a comissão de corretagem é daquele que efetivamente contrata o corretor.
3. É o comitente que busca o auxílio do corretor, visando à aproximação com outrem cuja pretensão, naquele momento, esteja em conformidade com seus interesses, seja como comprador ou como vendedor.
4. Recurso especial desprovido."2
Uma das mais belas características do Direito e dos reflexos das decisões judiciais é o modo como se relacionam com os fatos sociais e como influenciam comportamentos. Não poderia ser diferente com a decisão ora em comento, principalmente por partir da Corte responsável pela uniformização da jurisprudência pátria.
A questão da corretagem tem nascedouro complexo no CC, principalmente quando são analisados os termos do artigo 724 do CC3. A remuneração do corretor tem representado verdadeira “pedra no sapato” do Judiciário, uma vez que as demandas que objetivam a repetição de indébito de referida remuneração abarrotam os escaninhos e arquivos digitais do órgão jurisdicional, mormente quando são permeadas por relação de consumo.
De plano, é obrigatório levar em consideração que o artigo 724 do CC, em que pese não trazer alento à celeuma jurídica que se aborda, é elogiosamente preciso ao privilegiar a liberdade de contratação e a primazia da realidade negocial. O artigo prioriza três pilares, todos muito próximos da Doutrina Civilista da sublime Maria Helena Diniz: a) a inexistência de previsão legal sobre a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem (intervenção estatal); b) a inexistência de avença entre comprador e vendedor (economia de livre mercado), e; c) a natureza da negociação e os usos locais (primazia da realidade).
De modo a manter o raciocínio conciso, consideraremos o prestígio da lei à avença particular, e sob o prisma deste prestígio passaremos a analisar disposições do Código de Defesa do Consumidor e confrontar o produto dessa análise com a realidade da decisão destacada nesta pequena exposição.
O CDC estatui, em seu artigo 314, o direito à informação. Trata-se de preceito importantíssimo às relações de consumo e que concede segurança imprescindível ao Consumidor quando da realização dos atos de sua vida civil que se direcionem ao consumo. O direito à informação obriga o fornecedor de produtos ou serviços a agir de forma transparente frente aos consumidores e impor, em suas ações e instrumentos redigidos, clareza a respeito de aspectos que causam impacto à aceitação da oferta.
Assim, temos que a avença particular, no âmbito do Direito Imobiliário – enquanto analisada a compra e venda de bens imóveis sob o crivo da atuação de um intermediador (corretor) – deve respeitar os requisitos de validade positivados pelo artigo 104 do Código Civil, bem como o artigo 31 do CDC.
Nessa esteira, não existe nenhuma abusividade ou qualquer mácula no ato de repassar o custo ao comprador, sendo certo que, respeitados os artigos 104 do CC e o 31 do CDC, não faz sentido afirmar o contrário. O pacto permanece sendo livre, e assim merece permanecer, mesmo com a relativização do princípio do pacta sunt servanda. Esta, inclusive, é uma característica da economia de livre mercado.
O MP do Estado de SP já tentou anular o repasse da comissão de corretagem ao consumidor, numa manobra que buscava desconstituir a realidade negocial e o quadro mercadológico da corretagem e dos negócios imobiliários, na contramão do que prevê a legislação pátria, portanto. Sem nenhuma surpresa, a juíza Fabiana Feher Recasens julgou improcedente a ação civil pública 1003243-04.2014.8.26.0564. Alguns argumentos utilizados pela MM. Juíza merecem transcrição literal, tamanha a acurácia no trato do tema:
“Certo, ainda, que não há óbice à transferência da obrigação de pagamento da corretagem ao comprador, sendo que todas as informações atinentes ao pagamento do referido encargo constam expressamente da avença.
[...]
Deste modo, não há venda casada a macular o direito do comprador, e tampouco sonegação fiscal, eis que não há vedação legal na transferência do pagamento do encargo, custo em princípio do vendedor ao comprador.”5
Os Colégios Recursais da Cidade do RJ já unificaram jurisprudência acerca da possibilidade de repasse do custo da comissão de corretagem ao promissário-adquirente de unidade imobiliária. Basta notar o trecho específico da Ata de Reunião Extraordinária de 15 de maio de 2012 da Comissão de Juizados Especiais (COJES), composta por 20 magistrados:
“Comissão de corretagem: Foi acordado que a comunicação expressa ao comprador, da transferência do pagamento desta comissão pode ser feita no ato, quando a compra e venda for concentrada em um só momento, desde que antecedente à conclusão do negócio. Além disso, também foi acordado que há solidariedade entre a corretora e a construtora”.
No âmbito do Judiciário do Estado de MG, as conclusões são as mesmas. Não faz nenhum sentido atribuir ilegalidade no repasse do custo, ainda mais quando se percebe o benefício nítido do consumidor sobre o serviço prestado pelos corretores.
“Inicialmente, cumpre ressaltar que o autor assinou o documento intitulado instrumento particular, sendo certo que nele declarou-se ciente que as taxas pagas referem-se à comissão de corretagem e que sabe serem devidas. A par disso, tem-se que o autor realmente sequer mencionou o pagamento feito diretamente aos corretores, como se comprova pelos recibos juntados aos autos pela requerida, insurgindo-se apenas contra os valores pagos à pessoa jurídica. Quanto a eles, foi inclusive emitida uma nota fiscal, não sendo crível que o autor, após emitir um cheque nominal à requerida e receber uma nota fiscal referente aos serviços prestados, não soubesse a que se referiam os valores pagos. Ora, o Código de Defesa do Consumidor vem garantir os direitos que lhe são negados, mas não o desonera de suas obrigações, que são justamente inteirar-se da documentação que está assinando e dos valores que estão sendo despendidos. E a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza. Diante do exposto, julgo improcedente o pedido.”6
De modo a sepultar de forma ainda mais inapelável o argumento vazio de aplicação de conveniência do Código de Defesa do Consumidor apenas como forma de burlar uma obrigação contratual regularmente criada, há entendimento consolidado pela Turma de Uniformização de Jurisprudência do Colégio Recursal do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO – CONTRATO IMOBILIÁRIO – Comissão de Corretagem devida pelo comprador, ausente abusividade no contrato – Recurso não provido.
[...]
Evidentemente houve a corretagem, no caso dos autos, e há previsão contratual de seu pagamento pela compradora. A diferença entre essa atribuição direta e a inclusão desses custos no preço final é apenas fiscal e empresarial, pois em ambos os casos o comprador acabará por arcar com o custo respectivo. Daí, não se vislumbra qualquer abuso na exigência.
Dizer que normalmente a comissão de corretagem é suportada por quem contratou a intermediação é ignorar as circunstâncias negociais, de livre fixação pelas partes interessadas, impedindo a cobrança direta e impondo a cobrança indireta, o que não parece razoável. Assim, uma vez que houve livre contratação a respeito do pagamento – reiterando-se que a única diferença é o pagamento direto ou o pagamento indireto, em ambos os casos suportado pelo comprador – não se vislumbra ilegalidade na cláusula. Afinal, o serviço foi efetivamente prestado.
Finalmente, não parece correto concluir que há venda casada, exatamente porque são esses custos suportados pela vendedora e que podem ser repassados, direta ou indiretamente, aos compradores. Portanto, não há exigência da compra de outro produto ou serviço para a venda do imóvel, mas simplesmente repasse dos custos respectivos, que, sendo custos, podem ser incluídos no preço final.”
Voltando a nos reportar ao acórdão que deu origem ao presente estudo, acreditamos piamente que a ementa não foi criada da maneira mais feliz possível. Isso porque, como se vê, faz-se uma afirmação no sentido de que “a obrigação de pagar a comissão de corretagem é daquele que efetivamente contrata o corretor”. Além desse tipo de afirmação não traduzir os ditames legais do artigo 724 do Código Civil, há enormes chances de tal raciocínio, não sustentado pela fundamentação do voto do brilhante Ministro João Otávio de Noronha, ser deturpado e constituir-se em sofisma no mundo jurídico.
Na fundamentação do acórdão, o Ministro é preciso ao afirmar que “existindo efetiva intermediação pelo corretor, as partes podem, livremente, pactuar como se dará o pagamento da comissão de corretagem”. A ressalva do Ministro, traduzida na oração infeliz que atribuiu indistintamente àquele que contrata o corretor a responsabilidade pelo pagamento da comissão da corretagem, é direcionada a casos de dúvida ou de omissão das partes a respeito do tema. É, portanto, uma exceção, e deve assim ser tratada.
Portanto, para muito além de situações de justiçamento ou de poderio financeiro, que tão mal fazem à técnica jurídica – já que contaminadas de sentimento social totalmente relativo –, há que se notar que a Corretagem se insere nos custos da construção civil ou numa relação de compra e venda comum, a exemplo de impostos (como o paulista ITBI ou o baiano ITIV), custas de registro e uma série de outros.
Em outras palavras, é preciso cuidado nesse tipo de análise e muito respeito à técnica jurídica, uma vez que decisões que se distanciam do arcabouço legal aqui demonstrado, principalmente aquelas que se baseiam em uma aplicação de conveniência do Código de Defesa do Consumidor, provocam o aumento de preços e a desconfiança do mercado, já que o risco do negócio aumenta exponencialmente e a segurança jurídica instituída pela legislação acaba por ruir diante de argumentos questionáveis e que não refletem a realidade negocial.
Assim, tomando por base a legislação pátria e o entendimento de nossos Tribunais, entendemos que a Comissão de Corretagem se insere nos custos de uma relação de compra e venda imobiliária e que seu repasse, quando se tratar de relação de consumo, é perfeitamente lícito, desde que respeitado o Direito à Informação estatuído pelo Código de Defesa do Consumidor.
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1 (Clique aqui)
2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.288.450-AM. Ministro Relator: João Otávio de Noronha. Julgado em 24 de fevereiro de 2015.
3 Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.
4 Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével.
5 SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado de. Processo nº 1003243-04.2014.8.26.0564. Juíza de Direito: Fabiana Feher Recasens. Julgado em 30 de abril de 2014.
6 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça do Estado de. Processo nº 9021609.83.2014.813.0024. Juiz de Direito: Maria Dolores Giovine Cordovil. Julgado em 19 de junho de 2014.
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