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Algumas considerações sobre o cumprimento da sentença que determina o pagamento de quantia em dinheiro, de acordo com a Lei n. 11.232/05

Em razão das alterações da Lei 11.232/2005, a sentença condenatória, antes executada necessariamente em outro processo, subseqüente ao de conhecimento, passa a ser executada na mesma relação jurídica processual. O primeiro destaque, portanto, da nova regra, é a unificação procedimental entre a ação condenatória e a ação de execução.

3/3/2006


Algumas considerações sobre o cumprimento da sentença que determina o pagamento de quantia em dinheiro, de acordo com a Lei n. 11.232/05


Luiz Rodrigues Wambier*


Em razão das alterações da Lei 11.232/2005, a sentença condenatória, antes executada necessariamente em outro processo, subseqüente ao de conhecimento, passa a ser executada na mesma relação jurídica processual. O primeiro destaque, portanto, da nova regra, é a unificação procedimental entre a ação condenatória e a ação de execução.


O CPC, com as alterações introduzidas pela Lei 11.232/2005, refere-se ao "cumprimento" e não mais à execução da sentença. O uso dessa expressão justifica-se pelo fato de o art. 475-I do CPC referir-se tanto ao cumprimento propriamente dito, das sentenças proferidas nas ações fundadas nos arts. 461 e 461-A, quanto à "execução" da sentença referida no art. 475-J do CPC.


No caso das ações fundadas nos arts. 461 e 461-A do CPC pode haver, também, execução. No entanto, a adoção do termo "cumprimento" pelo legislador pode ser justificada porque, nessas ações, é possível a concessão de tutela mandamental. Como se sabe, as sentenças mandamentais têm mais do que a sentença condenatória. Em comum, há o elemento consistente no reconhecimento judicial de que houve violação à ordem normativa e da respectiva sanção. Na sentença mandamental, no entanto, a isso se soma a ordem, que inexiste na sentença condenatória.


A sentença proferida com fundamento no art. 475-J do CPC é sui generis, pois reúne características de sentença condenatória e de sentença executiva lato sensu: de um lado, a execução por expropriação (que é modalidade de execução direta) dependerá de requerimento do credor, o que permite inferir que a sentença é meramente condenatória, já que tais atos executivos não podem ser determinados pelo juiz na própria sentença; de outro lado, a imposição de multa, como medida coercitiva (que é modalidade de execução indireta), decorre automaticamente do descumprimento da sentença, razão pela qual pode a mesma ser considerada executiva lato sensu.


O processo de execução, na conformação original do CPC de 1973, assentava-se, fundamentalmente, nos seguintes princípios: da autonomia, da nulla executio sine titulo e da tipicidade das medidas executivas. Preponderava, em relação às medidas executivas, a regra segundo a qual o executado não poderia ser compelido ao cumprimento da obrigação, preferindo o sistema a prática de atos executivos tendentes à obtenção do bem devido independentemente de sua participação.


Esses princípios, todavia, vêm sendo gradativamente mitigados através das reformas pelas quais sucessivamente tem passado o CPC brasileiro. Assim, p.ex., as ações executivas lato sensu anteriormente eram tidas como meras exceções ao princípio da autonomia; do mesmo modo, antes da reforma ocorrida em 1994, pouco se discutia a respeito do cabimento de medidas coercitivas tendentes a subjugar o executado, compelindo-o ao cumprimento da obrigação.


Hoje, o princípio do sincretismo entre cognição e execução predomina sobre o princípio da autonomia, e a aplicação deste princípio tende a ficar restrita à execução fundada em título extrajudicial.


A alteração estrutural do procedimento de execução de sentença, no que toca ao dever de pagar quantia em dinheiro, atualmente regulado pelos arts. 475-J ss., encerrou, por assim dizer, o ciclo iniciado há uma década, com a alteração do art. 461 do CPC. Com efeito, considerando que o direito processual deve se amoldar ao fim a ser alcançado, às soluções jurídicas estabelecidas pelo sistema processual aos direitos veiculados nas ações judiciais não poderiam se condicionar à observância de proposições teóricas de pouca ou nenhuma relevância prática. O princípio da autonomia entre processo de conhecimento e processo de execução, por exemplo, não decorre de qualquer exigência lógica, mas do fato de que, em razão da diversidade da natureza dos atos realizados na declaração (em sentido amplo) e na execução, é mais harmonioso alocarem-se tais atos em processos distintos.


A primeira alteração estrutural relevante, decorrente do art. 475-J do CPC, está na eliminação da separação entre processo de conhecimento e de execução, já que as atividades voltadas à condenação e à execução passam a ocorrer no mesmo processo.


Na verdade, o novo art. 475-J do CPC corrigiu anomalia que havia no sistema processual civil brasileiro. Veja-se que a execução da decisão que antecipa efeitos da tutela realiza-se no mesmo processo em que a decisão foi proferida. Assim, nos casos em que se antecipavam efeitos da tutela em ação condenatória, tinha-se que, não obstante a liminar fosse executada no mesmo processo, a sentença que a confirmasse teria que ser executada em processo de execução, o que implicava flagrante contra-senso.


A regra do art. 475-J do CPC, assim, ao unificar procedimentalmente as ações condenatória e de execução, encontra-se em sintonia com as modificações processuais realizadas na última década. Conseqüentemente, como as atividades jurisdicionais correspondentes a estas ações realizam-se na mesma relação jurídico-processual, não mais se justifica a cobrança de custas para a execução da sentença, sendo desnecessária, também, nova citação do réu/executado.


Outra modificação estrutural importante está na possibilidade de execução indireta da sentença que condena ao pagamento de quantia certa. A nova regra prevê medida executiva coercitiva ope legis, eis que o descumprimento da obrigação reconhecida na sentença condenatória causará a incidência de multa de 10% sobre o valor da condenação.


Embora a medida coercitiva citada incida desde logo, o que permite que compreendamos que tal sentença, quanto a este ponto, é executiva lato sensu, para que tenham início os atos de expropriação – penhora, arrematação etc. – prevê o art. 475-J do CPC o "requerimento do credor". Assim, embora unificada procedimentalmente com a ação de execução, a sentença mantém a característica peculiar que a caracteriza como condenatória: o de depender, para os atos executivos, de iniciativa do credor.


Assim, a sentença prolatada na forma do art. 475- do CPC, é dotada de duas eficácias executivas distintas: é sentença imediatamente executiva no que diz respeito à incidência da medida coercitiva; é sentença meramente condenatória, logo, mediatamente executiva, quanto à realização da execução por expropriação.


A possibilidade do manejo de medidas coercitivas para o cumprimento de sentença que determina o pagamento de soma em dinheiro não é, propriamente, novidade no direito brasileiro. Exemplo do que se afirma é a execução de sentença que condena ao pagamento de pensão alimentícia – que, evidentemente, se materializa em dever de pagar quantia certa –, em que é possível a prisão civil como medida coercitiva (CPC, art. 733, § 1º). Tal situação, no entanto, era excepcional em nosso direito. Com o advento do art. 475-J do CPC, o uso da coerção para o cumprimento da sentença que condena ao pagamento de soma em dinheiro foi generalizado, embora a medida coercitiva tenha se resumido à multa.


Por outro lado, essa inovação, que incrementa, sem dúvida, o uso de medidas executivas destinadas à obtenção do cumprimento da obrigação, não tem sua aplicação sujeita à decisão do juiz. A norma do art. 475-J do CPC é taxativa, ao impor a incidência da multa no caso de descumprimento da condenação, não podendo o juiz optar entre esta ou outra medida coercitiva.


Ocorre, nessa hipótese, a incidência do princípio da tipicidade das medidas executivas, em razão do qual é a norma jurídica (e não o juiz), que determina quais medidas executivas devem incidir. Na hipótese do art. 475-J do CPC, estabeleceu-se não só que a multa incidirá automaticamente, independentemente de decisão judicial, mas também que o valor da multa será de 10% sobre o valor da condenação. Conseqüentemente, não poderá o juiz, por exemplo, em razão da natureza do ilícito praticado, afastar a incidência da multa, diminuir o seu valor ou, ao contrário, aumentá-lo. Trata-se de situação diferente daquela que se dá no caso do art. 461, §§ 5º e 6º, em que o juiz pode impor a multa ex officio, em periodicidade e valor a serem por ele arbitrados, valor este que poderá ser alterado, se entender que a multa é insuficiente ou excessiva. Neste caso, opera o princípio da atipicidade das medidas executivas.


A multa referida no art. 475-J do CPC, segundo pensamos, atua como medida executiva coercitiva, e não como medida punitiva. Assim, nada impede que à multa do art. 475-J do CPC cumule-se a do art. 14, inc. V e parágrafo único do mesmo Código.


Em nosso sentir, não pode o juiz, em razão de particularidades da causa (p.ex., o réu ter agido culposamente, e não dolosamente; o valor decorrer de dano material, e não moral; etc.), deixar de aplicar a multa. Esta poderá deixar de incidir, excepcionalmente, contudo, em casos em que o cumprimento imediato da obrigação pelo réu seja impossível, ou muito difícil, causando-lhe gravame excessivo e desproporcional. Pode ocorrer, por exemplo, que o valor da condenação supere o do patrimônio do réu, ou que os bens deste estejam indisponíveis (p.ex., penhorados em execução movida por terceiro, etc.). Pode ainda suceder que o réu não tenha dinheiro disponível, mas apenas bens móveis ou imóveis de difícil alienação. Tais circunstâncias poderão operar como excludentes, desde que o réu demonstre que o não cumprimento da sentença decorre de fato alheio à sua vontade.


A multa, de todo o modo, não existe autonomamente, em relação à obrigação imposta pela sentença. Assim, caso seja provida a apelação interposta pelo réu, e o pedido seja julgado improcedente, a multa não incidirá. A propósito, outra não é a solução, à luz do que estabelece o § 4º do art. 475-J. Segundo este dispositivo legal, havendo pagamento parcial a multa incidirá apenas sobre o restante da dívida. Semelhantemente, a reforma total ou parcial da sentença condenatória importará a respectiva alteração do valor da multa.


Observe-se que, segundo se infere do disposto no art. 475-J, o executado não é intimado para pagar ou nomear bens à penhora, mas simplesmente para cumprir a obrigação. Não cumprindo a obrigação a que foi condenado, incidirá a multa e, a requerimento do credor, realizar-se-ão atos executivos de expropriação.


Não sendo cumprida a obrigação no prazo de 15 dias, poderá o credor requerer a realização da execução. Incide, aqui, o princípio dispositivo, já que a norma condiciona a realização de atos executivos ao requerimento do autor. Assim, não poderá o juiz, de ofício, determinar a realização de atos de expropriação sobre o patrimônio do réu/executado.


Caso, requerida a execução, a sentença exeqüenda seja anulada ou reformada, total ou parcialmente, incidirá o disposto no art. 574 do CPC, responsabilizando-se o autor pelos danos causados ao réu.


Em seu requerimento, o exeqüente poderá indicar os bens a serem penhorados (CPC, art. 475-J, § 3º). Do disposto no § 3º do art. 475-J decorre conseqüência processual importantíssima: a de que, na execução de sentença que determina o pagamento de soma em dinheiro, é o autor/exeqüente, e não o réu/executado, quem tem direito de indicar bens à penhora.


Nada impede que o executado se insurja contra indicação de bens feita pelo exeqüente. É uniforme a jurisprudência no sentido de que a ordem a que se refere o art. 655 do CPC não é absoluta. Por tal razão, havendo controvérsia, deverá o juiz decidir em atenção aos princípios da máxima efetividade (CPC, art. 612) e da menor restrição possível (CPC, art. 620), e, se for o caso, determinar que a penhora recaia sobre o bem indicado pelo executado, e não pelo exeqüente.


Na atual sistemática da execução de sentença que determina o pagamento de soma em dinheiro, decorrente da reforma ora comentada, não há mais espaço para a apresentação de embargos à execução, salvo na hipótese de execução contra a Fazenda Pública (CPC, art. 741, em sua nova redação). Caso o executado queira opor-se à execução, deverá oferecer impugnação, no prazo de 15 dias (cf. § 1º do art. 475-J), que não se reveste da natureza de ação autônoma, tal como ocorre com os embargos à execução. Inovou a reforma, também, ao estabelecer que, em regra, a impugnação não suspenderá a execução, salvo se presentes os requisitos do art. 475-M do CPC.


À semelhança do que ocorria com os embargos à execução fundada em título judicial, no sistema revogado, o executado poderá opor impugnação após a realização da penhora (CPC, art. 475-J, § 1º).


Ao requerer a realização da execução e indicar os bens sobre os quais recairá a penhora (art. 475-J, § 3º), poderá o exeqüente estimar o seu valor. Caso o executado aceite o valor atribuído aos bens pelo exeqüente, a realização de avaliação por assistente do juiz será desnecessária (cf. art. 684 do CPC, aplicável analogicamente ao caso).


A jurisprudência surgida na vigência da sistemática anterior repelia a possibilidade de o bem penhorado ser avaliado pelo próprio oficial de justiça. Esta orientação, que nos parecia correta, decorria da incidência do art. 680 do CPC, segundo o qual a referida atividade deve ser realizada por avaliador oficial ou, na falta deste, por perito. Só excepcionalmente esta atividade poderia ser realizada pelo oficial de justiça.


O § 2º do art. 475-J, entretanto, permite que a avaliação seja feita por oficial de justiça, salvo quando depender de "conhecimentos especializados". Segundo pensamos, a avaliação feita pelo oficial de justiça deve cercar-se dos mesmos cuidados que aquela realizada por perito. Assim, deverá o oficial de justiça indicar, na avaliação, os critérios que seguiu para chegar ao valor atribuído ao bem.


Em linhas gerais, são essas algumas das principais mudanças decorrentes da edição da Lei n. 11.232/2005, no que diz respeito à nova "execução de sentença".
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*Advogado do escritório Arruda Alvim Wambier Advocacia e Consultoria Jurídica









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