A lei 6.404/76 trata da distribuição de resultados estabelecendo que os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se ele for omisso, metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido: a) da quota destinada à constituição da reserva legal; b) da importância destinada à formação de reservas para contingências, e reversão das mesmas reservas formadas em exercícios anteriores; c) de lucros a realizar, transferidos para essa reserva e lucros anteriormente registrados nessa reserva que tenham sido realizados no exercício (art. 202).
Essa lei permitiu, à época da sua sanção, que as companhias (antes regidas pelo DL 2.627/40, revogado por ela) alterassem seus estatutos sociais adaptando-se à nova situação, reduzindo ou estabelecendo (caso o estatuto fosse omisso) o percentual mínimo de dividendos a distribuir, desde em percentagem não inferior a 25%, sob pena de, se menor, garantirem, o direito de recesso aos insatisfeitos.
Isso talvez explique (sem justificar) a razão da maioria dos estatutos de sociedades por ações conterem norma que obrigue a distribuição de 25%.
Some-se a isso a criatividade de uns, e acomodação de outros, porquanto o que se vê na prática é que, o que a lei chamava de mínimo, o empresário chamou de máximo, ou seja, o que era para ser distribuição de no mínimo 25% passou a ser máxima de 25%.
Essa prática, ao que parece, permanece até hoje, a despeito de, em 2001, ter sido sancionada a lei 10.303 que, alterando as regras do dividendo obrigatório, incluiu um parágrafo 6º ao art. 202, estabelecendo que os lucros não destinados nos termos dos art. 193 a 197 (reserva legal, reservas estatutárias, reservas de retenção de lucros e reservas de lucros a realizar) deverão ser distribuídos como dividendos.
Portanto, desde março/02 (entrada em vigor da lei 10.303) deve ser distribuída a totalidade do lucro líquido do exercício, naquilo que não tiver sido destinado à constituição das reservas já citadas, devidamente previstas no estatuto social.
Resta às S.A. repensarem seus estatutos, e estarem preparadas (sim, porque há reflexo no fluxo financeiro) para essa regra; podem tentar se socorrer do parágrafo 3º do art. 202 da lei 6.404 que prevê que a assembléia-geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório, ou a retenção de todo o lucro líquido.
Com a lei 11.941/09 (§ 2º, art. 178) que eliminou a conta de lucros acumulados (deixou apenas prejuízos acumulados) do grupo do patrimônio líquido, as empresas ficarão em situação mais delicada ainda, ao desobedecerem a lei.
A lei acabou ficando confusa porque manteve, no artigo 186, a conta lucros ou prejuízos acumulados.
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*J. V. Rabelo de Andrade é advogado do escritório Martorelli Advogados.