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Homologação de Sentença Estrangeira e Carta Rogatória: uma análise sobre a jurisprudência do STJ

Com a EC 45/04 transferiu-se a competência para homologação de sentença estrangeira e concessão de exequatur em carta rogatória do STF para o STJ.

9/2/2015

SUMÁRIO

1. Introdução – 2. Aplicação do Direito Estrangeiro – 3. Homologação de Sentença Estrangeira – 4. Carta Rogatória – 5. Conclusão – 6. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

Com a emenda constitucional nº 45 de 2004 transferiu-se a competência para homologação de sentença estrangeira e concessão de exequatur em carta rogatória ao Superior Tribunal de Justiça. Competência que pertencia ao Supremo Tribunal Federal desde a Constituição de 1934.

Com esta alteração o Regimento Interno do STF foi substituído pela Resolução nº 09 do STJ, que passou a regulamentar o processo e julgamento dos pedidos de homologação e concessão de exequatur, juntamente com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro- LINDB.

Assim, o presente artigo tem como finalidade analisar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur em cartas rogatórias, traçando um paralelo com a antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e ressaltando as inovações ocorridas após esta alteração, bem como os temas que ainda não foram objeto de análise deste tribunal. Ademais, pretendemos demonstrar a sua relevância para a reputação internacional do Brasil.

Não há como tratar deste tema sem mencionar a ideia de cooperação internacional, uma vez que é por meio dos institutos da homologação de sentença estrangeira e da carta rogatória que ela se configura. Trata-se de uma colaboração internacional entre os países com o objetivo de garantir o cumprimento em seus territórios de medidas processuais proferidas por um Estado estrangeiro.

De fato, essa cooperação entre os estados é tida como obrigação moral e não uma mera cortesia internacional, uma vez que o seu descumprimento acarreta a perda de prestígio internacional do Estado.

Assim, o STJ assume uma posição de extrema importância para o país, pois ao deferir ou indeferir um pedido de homologação ou de exequatur demonstra o posicionamento do país diante dos referidos temas, aumentado ou diminuindo a credibilidade que possui perante os demais Estados.

Os institutos aqui estudados nada mais são do que formas de aplicação do direito estrangeiro em território nacional, uma vez que a sentença e a carta rogatória serão executadas nos termos determinados pelo Estado estrangeiro, limitando-se o Estado brasileiro a autorizar ou não essa execução, por meio da homologação, que como se verá neste trabalho restringe-se à análise de requisitos formais.

2. Da Aplicação do Direito Estrangeiro

Por tratar-se de assunto com íntima relação com o tema aqui analisado, faz-se necessário realizar uma breve explanação sobre as peculiaridades da aplicação do direito estrangeiro no Brasil.

Aplicar legislação estrangeira em território nacional não significa uma redução da soberania do Estado, mas sim a compreensão de que dessa forma se fará melhor justiça, uma vez que a relação jurídica possui maior conexão com o direito estrangeiro do que com o nacional1.

Uma questão que frequentemente divide a opinião de juristas diz respeito à natureza jurídica da lei estrangeira, se ela seria considerada como “fato” ou como “lei”.

Tendo como referência o art. 14 da LINDB2, há quem entenda que o legislador brasileiro considerou a lei estrangeira como fato ao exigir que quem a invoca deve prová-la. Mas esse não é o entendimento que prevalece.

A maior parte da doutrina interpreta o referido artigo em conjunto com o art. 337 do CPC3, entendendo que a lei estrangeira foi equiparada à lei municipal e estadual, e consequentemente também será de aplicação obrigatória como as referidas leis, independentemente da provocação das partes ou de sua comprovação4.

Depreende-se assim, com o reforço dado pela redação do ar. 408 do Código de Bustamante5 (ratificado no Brasil pelo Decreto nº 18.871 de 13/08/1929), que o juiz deve aplicar a lei estrangeira de ofício, podendo ela ser alegada a qualquer tempo e fase processual.

Determina ainda esse Código6 as formas pelas quais a prova do direito estrangeiro pode realizar-se: i) por meio de certidão legalizada de dois advogados em exercício no país cuja legislação se deseje conhecer; ou ii) através de relatório por via diplomática a ser fornecida pelo mais alto tribunal, pela Procuradoria Geral, Secretaria ou Ministério da Justiça do país cuja legislação se trate.

Não há impedimento na utilização de outros meios de prova, tais como doutrinas e jurisprudências do Estado estrangeiro, porém, sem dúvida as formas mais eficazes são as trazidas pelo Código de Bustamante, com destaque para as certidões emitidas por advogados, que é a mais utilizada.

No que diz respeito à interpretação do direito estrangeiro, importa descrever um breve histórico do direito comparado a fim de melhor entender a posição adotada pelo Brasil.

Na França7 a doutrina adota o entendimento de que ao aplicar a lei estrangeira, ela incorpora-se ao ordenamento do país que a aplica. Mas divergem quanto a forma de recepção:

Ocorre que estes posicionamentos eram muito criticados mesmo na França, seja porque o entendimento da primeira corrente consistiria em aplicar direito local e não estrangeiro, contrariando a filosofia do Direito Internacional Privado, seja porque o entendimento da segunda corrente, mesmo conservando o sentido e valor da lei estrangeira, com a sua incorporação o sistema nacional restaria como uma “colcha de retalhos”.

Assim, nasceu uma terceira corrente defendendo não haver incorporação da lei estrangeira ao ordenamento jurídico pátrio e, em decorrência disso, sua aplicação apenas deve observar a interpretação dada pelo sistema jurídico estrangeiro. Por este motivo, esta terceira corrente entende que a natureza jurídica da lei estrangeira é de “fato” e não de “direito”, uma vez que se observa exatamente o que é dito pelo sistema estrangeiro.

Apesar deste posicionamento quanto a natureza jurídica, que já demonstramos não ser o adotado pelo Brasil, esta última corrente é, sem dúvida, a mais interessante e foi a que teve melhor aceitação entre nós, seguindo-se a regra do Código de Bustamante, art. 409, que determina que deve ser observado o sentido dado à norma no sistema jurídico estrangeiro.

3. A Homologação de Sentença Estrangeira

Para assegurar uma boa convivência com a comunidade internacional é fundamental aos Estados que permitam a homologação de sentenças estrangeiras em seu território. Inclusive, se o Direito Interacional Privado autoriza a aplicação de lei estrangeira em território nacional, não poderia negar eficácia às sentenças estrangeiras.

Isto porque, a homologação é essencial para que a sentença estrangeira possa ser executada no Brasil, só adquirindo eficácia após o pronunciamento favorável do órgão competente para tanto, atualmente o Superior Tribunal de Justiça.

Como mencionado anteriormente, ao analisar um pedido de homologação de sentença o STJ não pode realizar análise de mérito, mas apenas observar se as formalidades do art. 15 e 17 da LINDB e art. 5º da Resolução nº 9 do STJ foram cumpridas.

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS FORMAIS. JUÍZO DE DELIBAÇÃO. 1. Sentença arbitral estrangeira que não viola a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública e que observa os pressupostos legais indispensáveis ao deferimento do pleito deve ser homologada. 2. O ato homologatório da sentença estrangeira limita-se à análise dos requisitos formais. Questões de mérito não podem ser examinadas pelo STJ em juízo de delibação, pois ultrapassam os limites fixados pelo art. 9º, caput, da Resolução STJ n. 9 de 4/5/2005. 3. A citação, no procedimento arbitral, não ocorre por carta rogatória, pois as cortes arbitrais são órgãos eminentemente privados. Exige-se, para a validade do ato realizado via postal, apenas que haja prova inequívoca de recebimento da correspondência. 4. Sentença estrangeira homologada. (SEC 8.847/EX, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2013, DJe 28/11/2013)

Dito isto, conclui-se que o juízo de delibação do STJ é limitado, estando impedido de adentrar ao mérito da causa. Em decorrência deste entendimento, a contestação ao pedido de homologação só poderá versar sobre a autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos previstos na LINDB e na Resolução nº 9 do STJ.

Assim, um pedido de homologação será indeferido apenas se não houver cumprimento de algum dos requisitos exigidos pela legislação ou caracterizar-se afronta à ordem pública, soberania nacional e bons costumes.

Observe-se então que, apesar de possuir enorme importância na cooperação entre os Estados, uma vez que a homologação de sentença estrangeira é uma das formas pelas quais essa cooperação se concretiza, no Brasil não há ampla liberdade para deferi-las. Preocupou-se o legislador em limitar esta atividade de forma a proteger os interesses nacionais.

Dessa forma, o artigo 17 da LINDB estabelece um limite que deve ser observado pelo STJ, a ordem pública:

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Trata-se do mais importante princípio do Direito Internacional Privado. Seu conceito é relativo, com variações no tempo e no espaço8.

Haroldo Valadão distingue duas formas de aplicação da ordem pública: direta e indireta. A primeira caracteriza-se pela aplicação de leis estrangeiras, já a segunda, pelo reconhecimento de atos e sentenças oriundos de outros países9.

O Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal ao julgar a Cara Rogatória nº 10415 utiliza o seguinte conceito: “sob o ângulo do direito internacional privado, tem-se como ordem pública a base social, política e jurídica de um Estado, considerada imprescindível à própria sobrevivência”.

Outro limite que o Supremo Tribunal Federal sempre considerou e agora o Superior Tribunal de Justiça também adota em seus julgados, e que é fruto de construção jurisprudencial, são as situações em que há competência exclusiva da justiça brasileira para tratar do assunto, ou seja, os casos previstos no art. 89 do CPC10.

De fato, o STJ tem negado a homologação de sentenças estrangeiras que versem sobre matérias que só poderiam ser julgadas pelas autoridades judiciárias brasileiras. Nesse sentido é a recente jurisprudência desse tribunal:

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. CITAÇÃO DO RÉU POR EDITAL.DOMICÍLIO E RESIDÊNCIA CONHECIDOS. EDITAL PUBLICADO NO BRASIL, NA CIDADE DE DOMICÍLIO DO RÉU, REDIGIDO NA LÍNGUA INGLESA. CITAÇÃO INVÁLIDA. DECISÃO ESTRANGEIRA ATINENTE A BENS IMÓVEIS SITUADOS NO BRASIL. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA JURISDIÇÃO BRASILEIRA. ART. 12, § 1º, LINDB. OFENSA À SOBERANIA NACIONAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA ESTRANGEIRA.NÃO HOMOLOGAÇÃO.1. (...) 4. Ainda, considerando que "só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil" (art. 12, § 1º, LINDB), a deliberação do juiz estrangeiro acerca de bem imóvel situado no Brasil, além de sua incompetência para tanto, implica em inegável ofensa à autoridade do Poder Judiciário Brasileiro, ferindo, por conseguinte, a soberania nacional. Aliado a isso, registre-se não ter a requerente colacionado aos autos cópia autentica e traduzida da certidão de trânsito em julgado da sentença proferida pela Justiça norte-americana. 5. Sentença estrangeira não homologada. (SEC 7.171/EX, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2013, DJe 02/12/2013)

No entanto, tem se aceito uma exceção à hipótese do inciso II do art. 89 do CPC, considerando possível a homologação de sentença estrangeira caso se trate de partilha inter vivos. Assim, apenas não é homologada a sentença em função do desrespeito à competência exclusiva, nos casos em que a matéria versar sobre partilha por sucessão causa mortis:

Partilha de bens. Separação decretada na Espanha. Competência da Justiça brasileira para decidir a partilha de bens imóveis localizados no país. Ausência de necessidade de homologação de sentença estrangeira sobre o estado das pessoas. Art. 15, parágrafo único, da Lei de Introdução ao Código Civil. 1. Havendo nos autos, confirmado pelo acórdão, partilha de bens realizada em decorrência da separação, impõe-se o processo de homologação no Brasil, aplicando-se o art. 89, II, do Código de Processo Civil apenas em casos de partilha por sucessão causa mortis. 2. Não há necessidade de homologação de sentenças meramente declaratórias do estado das pessoas (art. 15, parágrafo único, da Lei de Introdução ao Código Civil). 3. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 535.646/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 03/04/2006, p. 330)

Além destes dois limites destacados, existem ainda os requisitos formais para que a sentença estrangeira possa ser homologada no Brasil. É o que veremos a seguir.

O art. 15 da LINDB e o art. 5º da Resolução nº 09 do STJ enumeram os seguintes requisitos: a) a sentença deve ser proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; e d) estar traduzida por intérprete autorizado e autenticada pelo cônsul brasileiro.

Antes de analisar individualmente cada um deles é necessário destacar o que se entende por sentença estrangeira, para fins de homologação.

O STJ11 manteve o mesmo posicionamento dado pelo STF no que diz respeito ao conceito de sentença estrangeira para fins de homologação, considerando que podem ser homologadas decisões que possuem conteúdo e efeito de sentenças. Assim, admite-se a homologação, por exemplo, de decisões administrativas, de decretos reais, entre outros.

No que diz respeito às sentenças meramente declaratórias de estado das pessoas, o art. 15, parágrafo único da LINDB determinava que elas não dependiam de homologação para serem executadas no Brasil12.

Ocorre que, o paragrafo único do referido artigo foi revogado pela lei 12.036/200913, não mais existindo essa dispensa de homologação. O Superior Tribunal de Justiça não teve ainda a oportunidade de se manifestar sobre este assunto após a alteração legislativa, mas considerando que o seu entendimento é no sentido de que qualquer sentença estrangeira precisa ser homologada para ter eficácia em território nacional (art. 4º da resolução nº 9 do STJ), e não havendo mais determinação legal expressa prevendo a desnecessidade dessa homologação, impõe-se que as sentenças declaratórias de mero estado precisem necessariamente ser homologadas por este tribunal.

Assim, após a revogação do parágrafo único, o provável caminho a ser seguido pelo STJ será no sentido de exigir também a homologação de sentenças declaratórias de mero estado de pessoas.

Feitas essas observações, passaremos a análise dos já mencionados requisitos enumerados pelo art. 15 da LINDB:

Em razão da omissão legislativa, este ponto foi alvo de discussões sobre qual competência o tribunal brasileiro deveria se ater para determinar se houve ou não o cumprimento deste requisito: se a competência internacional ou a competência interna dos demais Estados.

E também nesse quesito o STJ tem seguido o entendimento do STF e considerando que sua análise deve limitar-se à competência internacional, não adentrando nas regras específicas de competência interna dos demais Estados.

Concordamos com este posicionamento, uma vez que não poderíamos esperar que o legislador ao estabelecer este limite pretendesse que o magistrado brasileiro tivesse conhecimento das regras de competência interna de cada Estado estrangeiro.

Assim, nesse sentido é a jurisprudência recente do STJ:

SENTENÇA ESTRANGEIRA. AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE GUARDA. HOMOLOGAÇÃO. 1. A competência da autoridade sentenciante é aferida nos limites da competência internacional e não adentra a subdivisão interna do país. 2. O ato citatório praticado no exterior deve ser realizado de acordo com as leis do país onde ocorre a citação, sendo incabível a imposição da legislação brasileira. 3. (...)4. Sentença estrangeira que não viola a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública e que preenche as condições legais deve ser homologada. 5. Sentença estrangeira homologada. (SEC 7.139/EX, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/10/2013, DJe 10/10/2013)

No que se refere à necessidade de citação no processo originário, o STJ14 tem mantido a posição do STF considerando imprescindível para a homologação da sentença a citação por meio de carta rogatória quando o réu tiver domicílio no Brasil.

No entanto, o entendimento não é formalista, tendo se considerado possível a homologação de sentença em situações em que o réu espontaneamente apresentou-se no processo, mesmo sem citação válida15.

A situação se inverte quando o ato citatório é realizado no exterior, entendendo que não há razão para se impor a legislação brasileira que exige a carta rogatória, devendo-se aceitar os procedimentos adotados pelos Estados estrangeiros. Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:

SENTENÇA ESTRANGEIRA. AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE GUARDA. HOMOLOGAÇÃO. 1. (...) 2. O ato citatório praticado no exterior deve ser realizado de acordo com as leis do país onde ocorre a citação, sendo incabível a imposição da legislação brasileira. 3. (...) 4. Sentença estrangeira que não viola a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública e que preenche as condições legais deve ser homologada. 5. Sentença estrangeira homologada. (SEC 7.139/EX, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/10/2013, DJe 10/10/2013)

A necessidade de existência de trânsito em julgado para que a sentença possa ser homologada deriva dos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como da segurança jurídica, uma vez que é imprescindível que a decisão seja definitiva, evitando qualquer possibilidade de posterior alteração, o que geraria conflito entre a sentença aqui homologada e eventual nova decisão.

A forma como a comprovação do trânsito em julgado pode ser feita, tem sido entendida pelo STJ de forma ampla, conforme admitia o STF, ou seja, reconhece-se o trânsito em julgado de uma decisão se restar comprovado que ela é definitiva de acordo com as regras do direito local:

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. PAGAMENTO ACORDADO ENTRE AS PARTES. PRESCRIÇÃO DO TÍTULO. TEMA DE MÉRITO. APRECIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO. COMPROVAÇÃO. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DA PARTE NO PROCESSO DE ORIGEM. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO. PEDIDO DEFERIDO. 1. (...) 2. A exigência do trânsito em julgado prevista no art. 5º, III, da Resolução n.º 9/2009, não impõe à parte a sua demonstração por meio de termo equivalente ao previsto na processualística pátria, mas que mostre com clareza, por qualquer meio, ter havido a definitividade da decisão homologanda, vale dizer, que reste evidenciada a coisa julgada. 3. O cumprimento dos requisitos relativos aos institutos processuais no processo alienígeno deve obedecer as regras locais, daí porque não cabe exigir que a qualificação jurídica das partes se dê nos termos da legislação processual pátria. 4. Preenchidos os requisitos exigidos pela Resolução nº 9 desta Corte de Justiça, defere-se o pedido de homologação. (SEC 10.043/EX, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/06/2014, DJe 10/06/2014)

No que diz respeito à litispendência internacional o art. 90 do Código de Processo Civil estabelece que “a ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas”.

Assim, entende-se que somente após a homologação de sentença estrangeira transitada em julgado é que haverá impedimento de prosseguimento de ação semelhante no Brasil.

Da mesma forma, se houver decisão transitada em julgado na jurisdição brasileira, não há que se conceder a homologação da sentença estrangeira sobre o mesmo assunto16.

Ocorre que, no que diz respeito ao direito de família, principalmente quando existe menor de idade no processo em questão, existe divergência nos julgados do STJ que em determinadas situações não homologa a sentença estrangeira caso haja processo iniciado no Brasil, mesmo que ainda não exista o trânsito em julgado17, e em outras, defere a homologação18.

Não me parece que o indeferimento da homologação seja o entendimento mais acertado, pois conforme o artigo supracitado não há que se falar em litispendência se não houver trânsito em julgado. Ocorre que, por tratar-se de matéria de direito de família o STJ tem, por cautela, escolhido dar preferência ao processo que tramita na justiça brasileira à sentença estrangeira.

O último requisito indispensável para que uma sentença possa ser homologada pelo STJ é a existência de tradução da decisão ser homologada por tradutor juramentado, bem como a sua autenticação no Consulado brasileiro, capaz de comprovar a sua autenticidade.

Sendo esses os requisitos formais que precisam estar comprovados para que o STJ possa autorizar a homologação da sentença, é necessário ainda, como já mencionado, verificar se não há qualquer ofensa à ordem pública.

Ao realizar essa análise, o Tribunal faz uma breve incursão no mérito da causa, o que não é permitido em sede de homologação de sentença estrangeira. No entanto, essa análise de mérito é feita em limites estreitos, apenas para verificar se não há ofensa a ordem pública de forma a cumprir o mandamento do art. 17 da LINDB.

4. A Carta Rogatória

Conforme já mencionado, com a EC nº 45 alterou-se a competência para homologar sentenças estrangeiras, bem como conceder exequatur em carta rogatória, que pertencia ao STF, para o STJ.

A carta rogatória é uma forma de auxílio para instrução do processo, na qual um Estado requer a outro a adoção de determinadas medidas. Elas destinam-se ao cumprimento de diversos atos, dentre eles, a citação e notificação (ordinatórios), coleta de provas (instrutórios) e ainda alguns com caráter restritivo (executórios).

Ela subdivide-se em carata rogatória ativa, aquela que é enviada pelo Estado brasileiro, e carta rogatória passiva, enviada por outros Estados ao Brasil.

Existem trâmites diferenciados para as duas espécies. Nas cartas rogatórias ativas “há o envio do Tribunal Rogante para o Ministério da Justiça, no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, que procederá ao seu envio ao exterior, cuidando, inclusive, dos trâmites especiais com o países com os quais mantemos convênios especializados, de caráter multilateral ou bilateral”19.

Nas cartas rogatórias passivas, que estudaremos detalhadamente a partir de agora, há, inicialmente, necessidade de análise do STJ, que, caso as admitam, enviarão para serem cumpridas na Justiça Federal.

No que diz respeito à questão da ordem pública, mantem-se o que já foi mencionado quando falamos sobre a homologação de sentenças estrangeiras, qual seja, impede-se a concessão do exequatur em caso de ofensa a ordem pública.

E também a defesa somente poderá versar sobre autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos da Resolução nº 9, uma vez que o juízo de delibação das cartas rogatórias também é limitado, não podendo analisar o mérito da causa.

A Resolução nº 9 do STJ trouxe algumas inovações em relação ao que dispunha o Regimento Interno do STF, pacificando algumas situações anteriormente controvertidas.

A primeira inovação é a permissão da concessão do exequatur quando tratar-se de medida de carácter executório. O art. 7º da Resolução estabeleceu que podem ser objetos das cartas rogatórias tanto atos decisórios quanto, não decisórios. Assim, essa situação que foi negada por muito tempo pelo STF (permitida somente quando houvesse acordo ou convenção), agora passa a ser admitida.

Outra novidade foi o art. 9º da Resolução que autorizou ao STJ que encaminhe ou devolva ao Ministério da Justiça (para que tome as providências necessárias) as cartas rogatórias que tiverem por objeto pedidos de cooperação jurídica que não dependam do juízo de delibação do STJ, ou seja, que possam sem cumpridas independentemente de sua manifestação.

Permitiu-se ainda no art. 8º a dispensa da oitiva da parte interessada, quando isso puder inviabilizar a eficácia da cooperação internacional.

E, por fim, a última inovação foi a possibilidade de redistribuição das cartas rogatórias para julgamento pela Corte Especial, quando houver impugnação. O que antes só era permitido quando havia contestação de sentenças estrangeiras.

Ponto interessante quanto às cartas rogatórias, é o relacionado à dívida de jogo de azar contraída em países em que essa prática é permitida, destacando-se o histórico de julgamentos sobre o assunto.

No Supremo Tribunal Federal não existe decisão colegiada sobre este tema, mas este tribunal, nas decisões monocráticas proferidas sempre pelo seu presidente, negava a concessão do exequatur nas administrações dos Ministros Octavio Gallotti (1993-1995) e Sepúlveda Pertence (1995 – 1997).

No entanto, no período em que o Ministro Marco Aurélio presidiu este Tribunal (2001-2003), passou-se a conceder a execução das cartas rogatórias que tratam de dívidas oriundas de jogos de azar, proibidos no Brasil, mas autorizados no Estado estrangeiro onde a dívida foi contraída, sob a argumentação de que o art. 9º da LNDB excepciona e afasta a aplicação do art. 1.477 do Código Civil. Ademais, não poderia o Brasil acobertar o enriquecimento ilícito de quem, conscientemente, contrai dívida no exterior e não a cumpre:

DECISÃO DÍVIDA DE JOGO - ATIVIDADE LÍCITA NA ORIGEM - AÇÃO - CONHECIMENTO - CARTA ROGATÓRIA - EXECUÇÃO DEFERIDA. 1. Com esta carta rogatória, originária do Tribunal Superior de Nova Jérsei, nos Estados Unidos da América, objetiva-se obter a citação de Sebastião de Almeida Pires, para responder a ação de cobrança de dívida decorrente da participação em jogo, movida por Trump Taj Mahal Casino Resort. (...). 2. (...) Cabe repisar: a intenção do legislador não foi resguardar esbanjadores tão inconseqüentes quanto argutos, e assim, por vias transversas, prejudicar a imagem desgastada, vilipendiada do País, com dano irreparável. (...) Aliás, pesquisa realizada nos anais da Corte mostrou-se infrutífera. Não encontrei um único acórdão do Plenário sobre o tema. Os precedentes dizem respeito a decisões da Presidência da Corte negando o exequatur, sendo que nestas não foi analisada a questão relativa à observância do artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil. Confira-se com os processos de concessão de exequatur nºs 5332-1, 7424-7 e 7426-3. Conclamo a Corte a uma reflexão sobre o tema, mormente nesta quadra em que o artigo 1.477 do Código Civil ganha contornos mitigados, revelando ser fruto de proibição relativa. Ninguém desconhece a inexistência, no ordenamento jurídico nacional, de ação para cobrar dívida de jogo ou aposta proibidos. Todavia, não se está diante, em si, de ação ajuizada com o fito de impor ao requerido sentença condenatória de pagamento. O caso é diverso. O Requerido contraiu, nos Estados Unidos da América do Norte, obrigação de satisfazer a quantia de quatrocentos e setenta mil dólares em prestações sucessivas, havendo honrado o compromisso somente no tocante a cinqüenta e cinco mil dólares. A origem do débito mostrou-se como sendo a participação em jogos de azar, mas isso ocorreu nos moldes da legislação regedora da espécie. No país em que mantida a relação jurídica, o jogo afigura-se como diversão pública propalada e legalmente permitida. Ora, norma de direito internacional, situada no mesmo patamar do artigo regedor da eficácia das sentenças estrangeiras, revela que "para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem" - cabeça do artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil. Esse dispositivo apenas é condicionado, quando a obrigação deva ser executada no Brasil, à observância de forma essencial, mesmo assim admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato - § 1º do aludido artigo 9º. Portanto, não cabe, no caso, aplicar, relativamente à obrigação contraída e objeto de homologação em juízo, o artigo 1.477 do Código Civil, mas ter presente o direito estrangeiro. É certo estar a homologação de sentença estrangeira subordinada à ausência de desrespeito à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes. Entretanto, na espécie não concorre qualquer dos obstáculos. Dos três, todos previstos no artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil, o que aqui se faz merecedor de análise é o concernente à ordem pública, porquanto impossível é cogitar-se, em se buscando homologação de sentença estrangeira, de afronta à soberania nacional e aos bons costumes, no que envolvem conceitos flexíveis. Ora, sob o ângulo do direito internacional privado, tem-se como ordem pública a base social, política e jurídica de um Estado, considerada imprescindível à própria sobrevivência. É o caso de indagar-se, à luz dos valores em questão: o que é capaz de colocar em xeque a respeitabilidade nacional: a homologação de uma sentença estrangeira, embora resultante de prática ilícita no Brasil, mas admitida no país requerente, ou o endosso, pelo próprio Estado, pelo Judiciário, de procedimento revelador de torpeza, no que o brasileiro viajou ao país-irmão e lá praticou o ato que a ordem jurídica local tem como válido, deixando de honrar a obrigação assumida? A resposta é desenganadamente no sentido de ter-se a rejeição da sentença estrangeira como mais comprometedora, emprestando-se ao território nacional a pecha de refúgio daqueles que venham a se tornar detentores de dívidas contraídas legalmente, segundo a legislação do país para o qual viajarem. (...) Em última análise, peço vênia ao nobre Ministro Relator para entender que, relativamente à obrigação que deu margem à sentença, cumpre observar não o disposto no artigo 1.477 do Código Civil, mas a regra do artigo 9º da Lei de Introdução dele constante, que direciona ao atendimento da legislação do país em que contraída a obrigação. Com isso, afasto algo que não se coaduna com a Carta da República, que é o enriquecimento sem causa, mormente quando ligado ao abuso da boa-fé de terceiro, configurado no que o Requerido se deslocou do Brasil para a América do Norte, vindo a praticar jogos de azar legitimamente admitidos, e até incentivados como mais uma forma de atrair turistas, contraindo dívida e retornando à origem onde possui bens, quem sabe já tendo vislumbrado, desde o início, que não os teria ameaçados pelo credor. O Requerido assumiu livremente uma obrigação, e o fez, repita-se, em país no qual agasalhada pela ordem jurídica, devendo o pacto homologado ser, por isso mesmo, respeitado. Sopesando as peculiaridades do caso, concluo que não se tem, na espécie, a incidência do disposto no artigo 1.477 do Código Civil e, por via de conseqüência, que descabe falar em sentença estrangeira contrária à ordem pública e, portanto, no óbice à homologação prevista no artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil. (...) 3. Pelas razões acima, defiro a execução desta carta rogatória, a ser remetida à Justiça Federal de Minas Gerais, para a ciência pretendida. 4. Publique-se. Brasília, 11 de dezembro de 2002. Ministro MARCO AURÉLIO Presidente (CR 10415, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 11/12/2002, publicado em DJ 03/02/2003 PP-00042)

Ocorre que, em 2003 assumiu a presidência do STF o Ministro Maurício Corrêa, que proferiu as últimas decisões deste tribunal sobre a matéria, uma vez que em 2004 a Emenda 45 transferiu a competência destes julgamentos para o STJ.

Em suas decisões passou-se novamente a negar a concessão do exequatur sob a fundamentação de ofensa à ordem pública, uma vez que o ordenamento pátrio proíbe o jogo de azar o prevendo como contravenção penal (art. 50 do Decreto-lei 3688/41), e tornando a dívida oriunda como inexigível (art. 1.477 do CC):

DECISÃO: Trata-se de agravo regimental interposto por Carlos Eduardo de Athayde Buono contra decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio, Presidente desta Corte à época, em que foi concedido exequatur a esta rogatória, a fim de que o ora agravante seja citado para responder à ação de cobrança de dívida de jogo perante a Justiça do Estado de Nova Jérsei, nos Estados Unidos. (...) 6. É o relatório. Decido. 7. Malgrado a carta rogatória ser o meio formalmente adequado à efetivação de atos citatórios em território brasileiro, torna-se inviável a concessão de exequatur sempre que houver, como no caso, situação caracterizadora de ofensa à ordem pública ou de desrespeito à soberania nacional. É que "não se deve perder de vista que a lei estrangeira, normalmente aplicável, encontra um limite nas leis locais de ordem pública.". 8. No caso, o objeto da ação movida por Trump Taj Mahal Casino Resort refere-se à dívida de jogo contraída por Carlos Buono - hipótese tipificada no ordenamento jurídico pátrio como contravenção penal (artigo 50 do Decreto-lei 3688/41) e inexigível, conforme dispõe o artigo 1477 do Código Civil de 1916, aplicável à época em que sucederam os fatos. 9. Por isso mesmo, entendo que a diligência pretendida pela Justiça rogante atenta contra a ordem pública, o que impossibilita a concessão do exequatur, nos termos do RISTF, artigo 226, § 2º (Cf. CR 5332 (Agr), Octavio Gallotti, DJ 02/06/93; CR 7424, Celso de Mello, DJ 1º/08/96 e CR 7426, Sepúlveda Pertence, DJ 15/10/96). Ante essas circunstâncias, reconsidero a decisão agravada (RISTF, artigo 317, § 2º) e denego o exequatur. Determino, em conseqüência, a devolução, por via diplomática, da presente comissão rogatória. Intime-se. Brasília, 21 de novembro de 2003. Ministro MAURÍCIO CORRÊA Presidente (CR 10416 AgR, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, julgado em 21/11/2003, publicado em DJ 28/11/2003 PP-00003)

No entanto, esta situação deve sofrer novamente alteração. Transferida a competência para o STJ, em 2008 a sua Corte Especial foi instada a julgar uma Carta Rogatória que demonstrou qual a posição assumida por esse Tribunal:

CARTA ROGATÓRIA - CITAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA DE DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA NO EXTERIOR - EXEQUATUR - POSSIBILIDADE. - Não ofende a soberania do Brasil ou a ordem pública conceder exequatur para citar alguém a se defender contra cobrança de dívida de jogo contraída e exigida em Estado estrangeiro, onde tais pretensões são lícitas. (AgRg na CR 3.198/US, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 30/06/2008, DJe 11/09/2008)

Os argumentos utilizados pelo Relator para conceder o exequatur foram: (i) a ausência de ofensa à ordem pública, uma vez que o pedido é apenas para a realização de citação para que seja apresentada defesa em ação de cobrança ajuizada no exterior e, se a exploração de jogo é permitida ou não, trata-se de questão referente ao mérito da ação, que não pode ser analisada e; (ii) a proibição existente em nosso ordenamento jurídico sobre o enriquecimento sem causa. Tudo isso considerando que o fundamento maior das cartas rogatórias é a cooperação internacional.

Diante disso, parece que, no que diz respeito às cartas rogatórias, o STJ passará a concedê-las independentemente de ser permitida ou não a exploração de jogos de azar no Brasil, posição esta que acreditamos ser a mais acertada, uma vez que não se pode permitir que o Brasil se torne um local de fuga para cidadãos mal-intencionados, aproveitadores da própria torpeza. Resta dúvida ainda se esta posição será adotada também no julgamento de homologação de sentenças estrangeiras sobre o assunto.

Após esta positiva mudança de entendimento, só nos resta esperar que este entendimento mantenha-se, possibilitando inclusive o julgamento de procedência de eventuais pedidos de homologação de sentenças estrangeiras sobre dívidas de jogo, uma vez que impedir a execução de sentenças desse tipo é coadunar com o enriquecimento sem causa daquele que não honrou sua obrigação em outro Estado. Ademais é preciso fortalecer a imagem do Brasil como país que atende a solicitações estrangeiras, aumentado a sua confiabilidade internacional.

5. CONCLUSÃO

Em um mundo cada vez mais interligado, a dependência entre os Estados aumenta a cada dia e com isso a necessidade de manter boas relações e cooperar com os demais Estados ganha uma maior importância.

Diante disso, debates mais profundos sobre o tema aqui abordado são de extrema necessidade para conscientizar a população da sua importância para o crescimento do país, uma vez que um Tribunal que profere decisões coerentes e privilegia a segurança jurídica, tende a fortalecer sua credibilidade perante a comunidade internacional.

De tudo o que foi dito é possível reconhecer uma atuação positiva do Superior Tribunal de Justiça, que após dez anos com essa atribuição de competência, manteve, na grande maioria dos casos, a boa jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal, mas também trouxe inovações certeiras por meio da Resolução nº 09 do STJ, pacificando alguns pontos controvertidos sobre estes temas.

Assim, apesar de ainda existirem decisões que possam afetar a credibilidade do Brasil internacionalmente, acredito que o posicionamento do STJ caminha para soluções cada vez mais positivas, mantendo coerência em seus julgados, desburocratizando procedimentos e buscando reverter a má-fama de “anão diplomático”.

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BIBLIOGRAFIA

ALBUQUERQUE, Xavier. Sentenças estrangeiras. In RT v. 671, setembro de 1991, São Paulo: Revista dos Tribunais.

ARAUJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 4ª edição atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

FINKELSTEIN, Cláudio; CARVALHO, Marina Amaral Egydio de. Homologação de sentença estrangeira e execução de carta rogatória no Brasil. Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 13, n. 50, pág. 255-289, jan./mar. 2005.

Jurisprudências. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em: 07.jul.2014.

Jurisprudências. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em: 08.out.2014.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 10ª edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2007.

VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. 5ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. Vol.1.

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1 ARAUJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 4ª edição atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pg. 265.

2 Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.

3 Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.

4 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pg. 283.

5 Art. 408. Os juizes e tribunaes de cada Estado contractante applicarão de officio, quando fôr o caso, as leis dos demais, sem prejuizo dos meios probatorios a que este capitulo se refere.

6 Art. 409. A parte que invoque a applicação do direito de qualquer Estado contractante em um dos outros, ou della divirja, poderá justificar o texto legal, sua vigencia e sentido mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados em exercicio no paiz de cuja legislação se trate.
Art. 410. Na falta de prova ou se, por qualquer motivo, o juiz ou o trubunal a julgar insufficiente, um ou outro poderá solicitar de officio pela via diplomatica, antes de decidir, que o Estado, de cuja legislação se trate, forneça um relatorio sobre o texto, vigencia e sentido do direito applicavel.
Art. 411. Cada Estado contractante se obriga a ministrar aos outros, no mais breve prazo possivel, a informação a que o artigo anterior se refere e que deverá proceder de seu mais alto tribunal, ou de qualquer de suas camaras ou secções, ou da procuradoria geral ou da Secretaria ou Ministerio da justiça.

7 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pg. 290/291.

8 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 10ª edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 172.

9 VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. 5ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. Vol.1, p. 498/499.

10 Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

11 HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. AÇÃO MONITÓRIA. COBRANÇA DE CRÉDITOS. DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS APENAS DE MEDIDAS PRELIMINARES À EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE RECUSA DE PAGAMENTO. INOCORRÊNCIA DE DECISÃO CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA DE REQUISITOS DE JURISDICIONALIDADE. PRECEDENTES DO COLENDO STF. 1. Pedido de Homologação de Sentença Estrangeira prolatada pelo Tribunal de Comarca Hünfeld, República Federal da Alemanha, em ação monitória ajuizada para cobrança de crédito havidos com o requerido. (...) 4. Mandado de execução transitado em julgado em 08/11/1995; no entanto, há documentação atestando que o referido aviso foi entregue ao réu, ora requerido, em 04/11/1986. 5. Não há, nos autos, mais nenhum documento. 6. Inocorrência da existência de uma decisão condenatória contra o requerido, mas apenas atos preliminares para a propositura de um processo executório. Não havendo sentença, não há que se falar em atendimento aos requisitos exigidos pelo art. 217 do RISTF. 7. Precedente do colendo STF (SE nº 2.123, Rel. Min. Barros Monteiro, RTJ 61/609) que não conheceu de pedido de homologação, visto que não tem conceito de sentença, para fins de homologação, pelo Excelso Pretório, quando há ausência de um mínimo de requisitos de jurisdicionalidade, ainda que provenientes de órgãos do próprio Poder Judiciário, como é o caso dos autos. 8. Pedido homologatório indeferido. (SEC 855/DE, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/05/2005, DJ 13/06/2005, p. 154)

12 Partilha de bens. Separação decretada na Espanha. Competência da Justiça brasileira para decidir a partilha de bens imóveis localizados no país. Ausência de necessidade de homologação de sentença estrangeira sobre o estado das pessoas. Art. 15, parágrafo único, da Lei de Introdução ao Código Civil. 1. Havendo nos autos, confirmado pelo acórdão, partilha de bens realizada em decorrência da separação, impõe-se o processo de homologação no Brasil, aplicando-se o art. 89, II, do Código de Processo Civil apenas em casos de partilha por sucessão causa mortis. 2. Não há necessidade de homologação de sentenças meramente declaratórias do estado das pessoas (art. 15, parágrafo único, da Lei de Introdução ao Código Civil). 3. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 535.646/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 03/04/2006, p. 330)

13 Art. 15. (...). Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).

14 AGRAVO REGIMENTAL RECEBIDO COMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. DIVÓRCIO. REQUERIDA RESIDENTE NO BRASIL. CITAÇÃO NÃO REALIZADA POR MEIO DE CARTA ROGATÓRIA. INVALIDADE. SENTENÇA NÃO HOMOLOGADA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Agravo Regimental recebido como Embargos de Declaração em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal. 2. Os Embargos de Declaração constituem modalidade recursal destinada a suprir eventual omissão, obscuridade e/ou contradição que se faça presente na decisão contra a qual se insurge, de maneira que seu cabimento revela finalidade estritamente voltada para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, que se quer seja cumprida com a efetiva cooperação das partes. 3. Restou assentado no julgado embargado, que, nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, mostra-se imprescindível, para a homologação de sentença estrangeira proferida em processo que tramitou contra pessoa residente no Brasil, que a citação tenha sido regular, assim considerada aquela efetivada por meio de Carta Rogatória, o que não ocorreu no caso concreto. Precedentes: SEC 8.639/EX, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 02/05/2013, SEC 5.543/EX, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJe 15/03/2013, SEC 113/DF, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO NORONHA, DJ de 04.08.2008. 4. Embargos Declaratórios rejeitados. (AgRg na SEC 8.800/EX, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/03/2014, DJe 08/04/2014)

15 SENTENÇA ESTRANGEIRA. DIVÓRCIO. HOMOLOGAÇÃO. 1. Homologa-se sentença estrangeira de divórcio que não viola a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública. 2. Alegação de ausência de citação que não tem procedência. O requerido compareceu à audiência de instrução e julgamento realizada pelo juízo estrangeiro e formulou reivindicações. 3. Preenchimento das condições legais para a homologação da sentença estrangeira que se reconhece. 4. (...) 5. Sentença homologada para que produza os seus jurídicos e legais efeitos. (SEC 2.259/CA, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/06/2008, DJe 30/06/2008)

16 HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. SENTENÇA NORTE-AMERICANA. CARIMBO DE ARQUIVAMENTO (FILED). PROVA DO TRÂNSITO EM JULGADO. TRADUÇÕES INCOMPLETAS. PEÇAS DISPENSÁVEIS. CONDENAÇÃO EM DOLAR NORTE-AMERICANO. PROCESSO SEMELHANTE EM CURSO NO BRASIL. CONTRATO. EVENTUAL PREVISÃO DE PAGAMENTO NO EXTERIOR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DO ART. 20, §§ 3º E 4º, DO CPC. SENTENÇA ESTRANGEIRA HOMOLOGADA. - O carimbo de arquivamento (Filed) é suficiente à comprovação do trânsito em julgado da sentença norte-americana. - A tradução parcial de documentos não exigidos em lei e dispensáveis para o objeto deste feito não impede a homologação da sentença estrangeira. - O fato de a sentença estrangeira conter condenação em dólares norte-americanos não fere o art. 318 do Código Civil ou o Decreto-Lei n. 857, de 11.9.1969, e não impede a homologação, mesmo porque não se poderia exigir que a sentença proferida no exterior, decorrente de obrigação financeira lá assumida, imponha condenação na moeda brasileira. Ao interessado caberá, no momento próprio, durante a execução da sentença estrangeira no Brasil, postular o que for de direito a respeito da conversão do dólar norte-americano em reais. - Diante do que dispõe o art. 90 do Código de Processo Civil, que afasta a litispendência, e considerando a jurisprudência desta Corte, o trâmite de processo semelhante na Justiça brasileira não inviabiliza a homologação da sentença estrangeira. – (...). (SEC 6.069/EX, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/11/2011, DJe 16/12/2011)

17 SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. PLEITO DE HOMOLOGAÇÃO. REQUISITOS LEGAIS. PREENCHIMENTO. GUARDA E ALIMENTOS. EXISTÊNCIA DE DECISÃO NA JUSTIÇA BRASILEIRA. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO PARCIALMENTE DEFERIDA. I. Sentença estrangeira que preenche adequadamente aos requisitos do Regimento Interno desta Corte eis que proferida por autoridade competente, tendo as partes sido devidamente citadas, com trânsito em julgado, e autenticada por cônsul brasileiro, devidamente traduzida por profissional juramentado no Brasil. II. Particularidades do caso que revelam a existência de processo em tramitação perante a Justiça brasileira, no qual foi deferida a guarda dos menores à requerida. III. A existência de sentença estrangeira transitada em julgado não impede a instauração de ação de guarda perante o Poder Judiciário brasileiro, eis que a sentença de guarda e alimentos não é imutável. IV. O deferimento do exequatur à sentença estrangeira quando já existe decisão perante o Judiciário Brasileiro acerca dos alimentos e guarda de menores importaria em ofensa à soberania da jurisdição nacional. V. A jurisprudência mais recente desta Corte é orientada no sentido de que a existência de decisão no Judiciário brasileiro acerca de guarda e alimentos, ainda que após o trânsito em julgado da sentença estrangeira, impede a sua homologação na parte em que versa sobre os mesmos temas, sob pena de ofensa aos princípios da ordem pública e soberania nacional. VI. Ausência de óbices à homologação da sentença estrangeira na parte relativa ao divórcio do casal. VII. Pedido de homologação deferido em parte, no que concerne ao divórcio. (SEC 6.485/EX, Rel. Ministro GILSON DIPP, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/09/2014, DJe 23/09/2014)

18 SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. DIVÓRCIO. GUARDA DE FILHOS. DECISÃO JUDICIAL PROFERIDA NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. REQUISITOS ATENDIDOS. 1. A regra do art. 226, § 6º, da CF/88 prevalece sobre o comando do art. 7º, §6º, da LICC. 2. É dispensável a prova da citação válida quando a homologação da sentença é requerida pelo próprio réu da ação em que ela foi proferida. 3. São homologáveis sentenças estrangeiras que dispõem sobre guarda de menor ou de alimentos, muito embora se tratem de sentenças sujeitas a revisão, em caso de modificação do estado de fato. Precedentes. 4. A pendência de ação, na Justiça Brasileira, não impede a homologação de sentença estrangeira sobre a mesma controvérsia. 5. Presentes os requisitos formais exigidos para a homologação, inclusive o da inexistência de ofensa à soberania nacional e a ordem pública (arts. 5º e 6º da Resolução STJ nº 9/2005). 6. Sentença estrangeira homologada. (SEC 5.736/EX, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/11/2011, DJe 19/12/2011)

19 ARAUJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 4ª edição atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pg. 284.

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*Taísa Silva Reque é advogada do escritório Barros Carvalho Advogados Associados. Mestranda em Direito Tributário pela PUC/SP.







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