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O meio ambiente do trabalho - tutela legal

Na época do surgimento da sociedade industrial (séculos VXIII e XIX), com a revolução industrial e a intensificação do trabalho nas minas de carvão e nas fábricas têxteis, a classe operária passou a reivindicar melhores condições de trabalho. Na atualidade, em nosso país, cabe ao Estado estabelecer as medidas protetivas, de modo a garantir as dignas condições de trabalho e a segurança do trabalhador contra os ambientes muitas vezes inseguros, insalubres e perigosos de labor.

27/6/2003

 

O meio ambiente do trabalho - tutela legal

Claudia Brum Mothé*

Na época do surgimento da sociedade industrial (séculos VXIII e XIX), com a revolução industrial e a intensificação do trabalho nas minas de carvão e nas fábricas têxteis, a classe operária passou a reivindicar melhores condições de trabalho, com vistas a limitar a jornada laboral, a fixar salários justos e a, em suma, buscar o amparo de uma legislação de natureza protetiva ao trabalhador, de modo a diminuir e evitar os riscos decorrentes das mutilações, doenças e mortes oriundas do trabalho executado em ambientes perigosos, insalubres ou em condições aviltantes.

Na atualidade, em nosso país, cabe ao Estado estabelecer as medidas protetivas, de modo a garantir as dignas condições de trabalho e a segurança do trabalhador contra os ambientes muitas vezes inseguros, insalubres e perigosos de labor.

Na nossa atual Constituição Federal, é expressa a garantia a diversos direitos sociais, como a saúde, o trabalho e a previdência social, consoante se depreende da leitura do artigo 6o e, além disso, é explícita a garantia ao trabalhador da redução dos riscos inerentes ao trabalho e o pagamento adicional pelo trabalho penoso, insalubre ou perigoso, como se vê dos incisos XXII e XXIII da Carta Magna. Outrossim, o meio ambiente obteve ainda a proteção específica do artigo 225 da Lei Maior, sendo que especificamente em relação à proteção ao meio ambiente do trabalho pode-se mencionar os incisos IV e V do aludido artigo 225, bem como o inciso VIII do artigo 200 da Constituição Federal.

Vale ainda mencionar que o meio ambiente do trabalho encontra-se tutelado nas cartas estaduais, como a Constituição do Amazonas (art. 229), do Estado da Bahia (art. 218), do Estado do Sergipe (art. 232, parágrafo 1o., X) e do Estado de São Paulo, como se depreende da leitura do seu artigo 191, que menciona que "o Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico."

O meio ambiente do trabalho também encontra regulamentação por meio de normas infra-constitucionais, como a Lei 6.938/81, que em seu artigo 3o., inciso III, define como poluição a "degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população ou afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente", bem como através da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em especial em seu Título II, Capítulo V, que trata da segurança e saúde do trabalhador, e no Título III, que trata nas Normas Especiais de Tutela do Trabalho. Pode-se mencionar, também, as Portarias do Ministério do Trabalho, como a de número 3.214/78, a Lei 8.80/90 e as Leis 8.212/91 e 8.213/91 e seus respectivos regulamentos.

Dessa forma, e como visto, pode-se dizer que o meio ambiente do trabalho possui expressa previsão de proteção legal, de âmbito constitucional federal, constitucional estadual, bem como através de legislação infra constitucional.

O meio ambiente do trabalho em plataforma de petróleo

Com efeito, como visto, o meio ambiente do trabalho seguro constitui direito social dos trabalhadores, constitucionalmente assegurado. Dessa forma, condições salubres, seguras e higiênicas de trabalho são direitos trabalhistas indisponíveis dos trabalhadores.

Nessa ordem de idéias, passaremos a analisar as condições do ambiente do trabalho em plataformas de petróleo.

As plataformas de petróleo constituem sistemas complexos em termos de tecnologia e organização do trabalho, onde as condições de labor são perigosas, sendo freqüentes e gravíssimos os acidentes de trabalho. Na história da exploração de petróleo na Bacia de Campos, por exemplo, há o registro de catástrofes como o acidente ocorrido na Plataforma de Enchova em 1984, do qual resultaram 37 óbitos. Do mesmo modo, pode-se mencionar o acidente ocorrido na Plataforma de Piper Alpha (no Mar do Norte, em 1988), o qual resultou no óbito de 165 dos 228 trabalhadores presentes no dia do acidente, ou seja 72% (setenta e dois por cento) do contingente.

As plataformas de petróleo são instalações bastante complexas e algumas, principalmente as grandes plataformas, podem incluir a produção e armazenagem de óleo e gás à alta pressão, além da perfuração de poços e obras de construção e manutenção. Por operarem distantes da costa e de socorros imediatos, as plataformas necessitam de certo grau de autonomia, exigindo-se um conjunto de serviços tais como alimentação e alojamento das tripulações, fornecimento de energia elétrica, compressores e bombas, água, transportes para a costa, meios para carga e descarga, telecomunicações, serviços médicos e botes salva vidas, além de outros meios de salvamento, o que requer um elevado nível de coordenação. Em termos de horas de trabalho durante o período de embarque, o mais comum são de 12 (doze) horas de trabalho para 12 (doze) horas de descanso; porém, o período de horas efetivamente trabalhadas, incluindo as extras, freqüentemente chega a ser de 14 (catorze) horas. Há alguns postos de trabalho em que a jornada pode chegar a 17 (dezessete) horas. De qualquer modo, independentemente da modalidade de turnos estabelecida, alguns trabalhadores permanecem de prontidão durante todo o tempo em que se encontram na plataforma.

Por suas características intrínsecas, o trabalho nas plataformas inclui uma ampla diversidade de atividades tais como partidas de instalações e da produção, manuseio de equipamentos e materiais perigosos, manutenção preventivas e corretivas, transporte marítimo e aéreo, cozinha, limpeza, construções, entre outros. Este conjunto de atividades diversas se conjuga com um sistema tecnológico em que as partes e unidades se encontram bastante próximas. Estas características fazem com que todas as atividades de trabalho em plataformas, em todas as etapas, contenham riscos intrínsecos e variados, resultantes de uma estreita correlação e de uma potencialização recíproca entre os fatores técnicos, as condições humanas e as variações do ambiente natural.

Como se vê, pode-se concluir o meio ambiente do trabalho em plataformas de petróleo apresenta periculosidade, porque está relacionado ao processamento de elementos que evaporam-se, incendeiam-se ou explodem e que podem causar múltiplos óbitos e lesões diversas. Nesse sentido, cabe transcrever o relatório Segurança do Trabalho em Instalações Petrolíferas no Mar e Assuntos Conexos, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, de 1993, que caracteriza o meio ambiente do trabalho em plataformas como sendo perigoso, compreendendo aspectos que envolvem:

"a) uma ampla série de atividades perigosas que se realiza em um espaço de trabalho bastante reduzido; b) os trabalhadores das plataformas não só têm que trabalhar, mas também viver em contato permanente com os riscos; c) as situações de perigo de incidentes e acidentes se agravam pela presença de hidrocarbonetos, de modo que se colocam dificuldades no tempo requerido para evacuar o pessoal em condições de segurança, acrescentando-se ainda os relacionados possivelmente ao mau tempo no mar; d) há uma grande variedade de empresas e de gestão do trabalho que atuam no ambiente confinado das plataformas associado a um grande número de trabalhadores em regime de subcontratação, muitos dos quais devem mudar continuamente de local e de atividade de trabalho; e) as dificuldades de regulamentação de numerosas instalações móveis e que requerem critérios particulares, especialmente para reduzir ao mínimo as duplicações e evitar conflitos entre as legislações municipal, estadual e federal, além de convênios marítimos internacionais"

(Acidentes de trabalho em plataformas de petróleo da bacia de Campos – RJ – Brasil, Cadernos de Saúde Pública, vol. 17, nº 1, Rio de Janeiro, Jan./Fev. 2001, Carlos M. de Freitas, Carlos Augusto V. de Souza, Jorge M. H. Machado e Marcelo F. de S. Porto)

Mas isso não é tudo. O meio ambiente de trabalho em plataformas, além de perigoso, tem as suas condições agravadas por outros fatores, com os identificados pelo estudo realizado por Sutherland & Cooper, em 1991, com trabalhadores em alto mar na Europa, que apontou os seguintes fatores de estresse:

"a) caráter rotineiro do trabalho; b) o desconhecimento do que se constitui no mar por parte do pessoal de gerência que se encontra em terra, agravando a insatisfação dos trabalhadores das plataformas com a gestão administrativa por parte dos mesmos; c) o transporte quando as condições meteorológicas são desfavoráveis; d) a falta de segurança no emprego; e) as desagradáveis condições de trabalho devido ao ruído."

(Acidentes de trabalho em plataformas de petróleo da bacia de Campos – RJ – Brasil, Cadernos de Saúde Pública, vol. 17, nº 1, Rio de Janeiro, Jan./Fev. 2001, Carlos M. de Freitas, Carlos Augusto V. de Souza, Jorge M. H. Machado e Marcelo F. de S. Porto)

Desse modo, tendo em vista as perigosas condições do meio ambiente do trabalho em plataformas de petróleo, certo é que tem se revelado cada mais necessária a abordagem de estratégias direcionadas ao controle e prevenção de acidentes de trabalho nesse ambiente laboral. Nesse sentido, abordagens são vislumbradas, especialmente no que se refere aos sistemas tecnológicos, aos contextos social e organizacional e até mesmo relacionadas aos aspectos gerenciais do trabalho em plataformas.

Nesse sentido, as normas individuais de origem do Direito do Trabalho merecem aplicação, ao caso concreto, por intermédio de ações individuais dos próprios trabalhadores, além de fiscalização por parte do Ministério do Trabalho e Emprego e até mesmo a tutela de interesses difusos, de modo a proteger os trabalhadores como um todo.

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*Sócia do escritório Siqueira Castro Advogados

 

 

 

 

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