Criada em 1953 pela lei 2.004, a Petrobras S.A. destina-se à prospecção, extração, refino e distribuição do petróleo. Com 12.895 poços produtores de petróleo, a estatal brasileira está entre as 500 maiores empresas do mundo segundo a revista Fortune.
A Operação Lava-Jato deflagrou para o mundo um esquema organizado de corrupção no âmbito da Petrobras, que foi objeto, em 2010, do maior IPO do mundo até então. Atualmente, fala-se do desvio aproximado de R$ 10 bilhões. Foi decretada a prisão de mais de 25 executivos enredados no esquema.
Tal escândalo gerou diversas consequências aos envolvidos, um processo administrativo no Tribunal de Contas da União, um inquérito pela Polícia Federal e a propositura de ações coletivas pelos investidores em valores emitidos pela Petrobras, ao amparo da legislação norte-americada, as chamadas Class Actions.
A Class Action é a ação movida por um grupo específico de pessoas, identificadas ou identificáveis, que sofreram a mesma espécie de danos e que buscam reparações da mesma natureza perante o Poder Judiciário.
Em um mundo de produção em massa e economicamente interdependente, nos deparamos com frequência com situações legais nas quais vários indivíduos sofreram prejuízos de forma pulverizada como resultado de ações imputáveis a grandes companhias. Esses danos, individualmente avaliados, podem muitas vezes ser inviáveis para justificar uma disputa judicial pelo custo dos honorários advocatícios e taxas judiciais, fazendo com que, na prática, apenas aqueles que possuem condições financeiras, ou aqueles que sofreram prejuízos muito relevantes, possuem um incentivo para iniciar uma ação judicial.
Sob a ótica do poder público, tampouco é eficiente possuir um sistema inundado por várias ações semelhantes e de valores pouco significativos. Certamente o tempo gasto, para julgar cada uma das ações individuais, afeta o funcionamento dos tribunais e constitui um fator adicional para desestimular os autores de causas de baixos valores.
Neste sentido, o direito norte-americano prevê a Class Action, de forma a agregar vários interesses de um grupo específico de pessoas, e a possibilidade de que o Poder Judiciário decida de uma só vez sobre o conflito comum, de forma mais célere. Outro benefício da Class Action é incluir todos os investidores, até mesmos aqueles com menor participação na companhia, que teoricamente não teriam interesse nem recursos suficientes para contratar advogados altamente capacitados para defendê-los em juízo.
Nos Estados Unidos, este tipo de medida judicial é amplamente utilizada desde 1966, quando a lei federal Rule 23 (a norma de processo civil que regula a Class Action) foi promulgada e, a partir de então, foi alterada diversas vezes para se moldar à complexa demanda do mercado americano.
Outro grande motivo que facilitou a desenvolvimento do Class Action nos EUA é o caráter privado de regulação do mercado econômico que a medida judicial proporciona. O advento da Class Action é coerente com o princípio, defendido nos Estados Unidos, de utilização de recursos estatais somente em áreas de extrema necessidade. A possibilidade de se evitar gastos com a criação de uma agência estatal burocrática que demande gastos com a construção de sua sede e a contratação de servidores públicos que podem ser corrompidos pelo poder econômico, foi muito bem aproveitada pelos americanos.
Estes princípios auxiliaram o progresso da Class Action, tendo em vista que tal remédio jurídico possibilita a fiscalização da conduta econômica de pessoas jurídicas sem a necessidade de um ente público. Qualquer cidadão sentindo-se prejudicado tem a legitimidade para ingressar com a ação judicial e, caso cumpra os requisitos legais, pode representar toda a sua classe em juízo.
No caso específico da Petrobras, as alegadas fraude e a deturpação dos laudos e balanços apresentados pela companhia desde maio de 2010 a novembro de 2014 teriam causado inchaço no valor dos títulos emitidos pela Petrobras e comercializados no mercado financeiro. Adicionalmente, a Petrobras teria violado diversas regras de governança corporativa que a companhia de capital aberto no mercado de valores mobiliários deve cumprir.
Para tanto, a jurisprudência norte-americana desenvolveu a doutrina da “Fraude ao Mercado” a qual estabelece que, uma vez comprovada a deturpação ou omissão da companhia, o dano ao acionista é presumido. A doutrina da Fraude ao Mercado tem sido um dos principais pilares de argumentação das class actions envolvendo títulos comercializados no mercado financeiro norte-americano.
À contrassenso, a legislação brasileira não possui mecanismo similar que possibilite o ressarcimento dos investidores prejudicados com as fraudes da Petrobras ou situações similares em uma única ação privada. A medida judicial brasileira mais próxima à Class Action seria a Ação Popular, mas esta só se direciona aos atos lesivos ao patrimônio público e não se aplica ao caso concreto.
Assim, no Brasil, aguarda-se a condenação penal dos executivos da Petrobras e está resguardado aos investidores prejudicados o direito à ação ordinária de ressarcimento pelos danos sofridos na Justiça comum.
O caso da Operação Lava-Jato constitui importante paradigma para que o sistema jurídico brasileiro e o seu contexto econômico repensem as suas práticas. Por um lado, trata-se de possibilitar ao cidadão comum acesso à Justiça e ao ressarcimento dos prejuízos que tenha sofrido, qualquer que seja o valor envolvido. Por outro lado, quanto aos grandes agentes econômicos, trata-se de criar e implementar mecanismos sérios de governança corporativa, uma vez que estes agentes não poderão continuar contando com a inércia dos prejudicados ou as enormes dificuldades que estes enfrentam ao buscar ressarcimentos. Agora, como no caso da Petrobras, cumpridos certos requisitos, os investidores poderão e irão buscar remédios jurídicos em outras jurisdições mais maduras, como é o caso da jurisdição norte-americana.
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