O Brasil vem apostando na ampliação das competências dos Tribunais de Contas. Uma análise cuidadosa da evolução legislativa dos últimos 25 anos confirma a percepção de que esses Tribunais ganham, a cada ano, mais autonomia e influência. Além das mudanças legislativas, nota-se, eventualmente, que os próprios Tribunais de Contas seguem firmando entendimentos que ampliam o alcance de suas atribuições, segundo a lógica dos "poderes implícitos".
A Constituição confere às decisões dos Tribunais de Contas eficácia de título executivo quando acarretam imputação de débito ou multa (art. 71, § 3º). Contribui para o reforço da autonomia um controle judicial ainda limitado a aspectos formais das decisões, sendo raras as discussões de mérito pelo Judiciário. Embora ainda muito controvertida doutrinariamente, a posição dos Tribunais de Contas segue, na prática, reconhecida como de uma "jurisdição anômala" no ordenamento jurídico.
A agenda política, em consequência, passou a ser marcada pela expectativa em torno de decisões dos Tribunais de Contas – que também podem projetar efeitos no âmbito eleitoral, por força da lei da ficha limpa. O campo das contratações públicas – compras de grande vulto, obras, concessões e parcerias – mantém os Tribunais de Contas sob os holofotes tanto pelo controle prévio de licitações como pela análise de regularidade dos contratos. Interpretações cada vez mais alargadas do dever constitucional de prestar contas (art. 70, Parágrafo Único) sujeitam empresas e instituições do terceiro setor e, eventualmente, seus dirigentes, aos processos de tomadas de contas.
Nesse contexto, a posição dos advogados tende e deve ser de maior protagonismo. Ocorre que o exercício da advocacia nesses Tribunais ainda enfrenta problemas sensíveis. De início, observa-se que temos, ao todo, 34 Tribunais de Contas no Brasil. Cada um deles pode estabelecer sistemáticas processuais peculiares. Não há uma hierarquia e nem uma harmonização formal de entendimentos pois os Tribunais são órgãos vinculados aos parlamentos de cada um dos entes federativos. Embora sejam estruturalmente limitados pelas mesmas disposições constitucionais (artigos 70 e seguintes), o modo de funcionamento não é parametrizado.
Além disso, há uma questão bem mais complicada, que não se limita ao exercício da advocacia, mas à higidez dos processos na perspectiva da ampla defesa e do contraditório.
Como se sabe, não é exigida dos ministros ou conselheiros dos Tribunais de Contas, necessariamente, a formação jurídica. Na lógica de funcionamento atual, os órgãos internos que zelam pelo desenvolvimento válido e regular dos processos podem ser, na prática, os mesmos que imputam as inconformidades aos interessados no processo. Logo, não são raras as situações em que se constata a existência de um contraditório marcado por algumas artificialidades – questão sempre tênue e dificilmente superável, pois associada à própria estrutura e ao funcionamento desses Tribunais.
No dia a dia, mesmo que isoladamente, ainda se notam violações a prerrogativas básicas da advocacia, como a imposição de obstáculos para obtenção de vista ou exame de processos. Pautas chegam a ser divulgadas com apenas um ou dois dias de antecedência, enquanto pedidos de adiamento de julgamentos são rejeitados, sem qualquer justificativa. A preferência para sustentação oral de advogados vindos de outros estados ou municípios ainda é prática ignorada por muitos Tribunais. Há, ainda, normas regimentais que, a despeito da previsão de recessos, não afetam prazos processuais.
É preciso, por outro lado, reconhecer que há alguns esforços informais de articulação e aprimoramento por iniciativa dos membros dos Tribunais de Contas, no âmbito da Associação que os reúne (ATRICON). São sugestões de uniformização relativas à duração razoável dos processos, políticas de transparência e de gestão, entre outros temas. Ao lado disso, há um conjunto de propostas de emendas à Constituição que visam uma reforma ampla dos Tribunais de Contas, sob várias perspectivas, incluindo a criação de um órgão de controle externo nos moldes dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público. Mas uma vez que não se tem notícia do avanço dessas discussões no Congresso Nacional, o fórum propício ao debate dos problemas da advocacia deveria se dar por meio de uma aproximação mais intensa entre a Ordem dos Advogados do Brasil e as entidades que reúnem os membros dos Tribunais de Contas e do Ministério Público de Contas.
Outra vertente de sensibilização para os problemas da advocacia poderia passar pelas instituições de formação vinculadas aos Tribunais. A maioria deles mantém "Escolas de Contas" para o aprimoramento dos servidores públicos em matérias de interesse da instituição. Por meio de parcerias com as seccionais da OAB, as prerrogativas do advogado poderiam ser difundidas em cursos regulares ou seminários.
A pauta de desafios e as proposições de solução, seguramente, não se esgotam nessas considerações – orientadas, todas elas, por uma percepção individual do exercício da advocacia em diversos Tribunais de Contas do país. O que realmente importa é a instauração de um diálogo organizado e sistemático, o que exigiria, inclusive, uma atuação mais efetiva por parte da OAB.
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