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A escolha de Sofia

STF deu início a interessante debate que irá definir a competência para julgamento de ação de improbidade daqueles que têm foro privilegiado.

17/12/2014

O Supremo Tribunal Federal iniciou no último mês de novembro o julgamento do agravo regimental na petição 3.240/DF, no qual se discute a competência para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa supostamente praticada por autoridade detentora de foro por prerrogativa de função, tendo o julgamento sido suspenso pelo pedido de vista do Ministro Roberto Barroso, após o substancioso voto do Ministro Relator Teori Zavascki, que reconheceu a competência exclusiva do Pretório Excelso, para processar e julgar esse tipo de ação contra deputado federal.

O deslinde da questão – que se mostra complexa, mas é mais simples do que se imagina – é aguardado ansiosamente, não apenas pela comunidade jurídica, mas também pelo meio político, que teve parte de sua composição alterada – tanto no âmbito federal, quanto dos Estados e DF – em razão das condenações em segundo grau, neste tipo de processo.

A lei 10.628/02, que entrou em vigor em 26 de dezembro daquele ano, alterou o artigo 84 do CPP, para acrescentar os §§ 1° e 2°, passando a vigorar com a seguinte redação, verbis:

Art. 1º O art. 84 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.
§ 1° A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.
§2° A ação de improbidade, de que trata a Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1°.

Posteriormente, julgando a ADIn 2.792/DF, o STF declarou inconstitucional os §§ 1° e 2° acima transcritos, mantendo, portanto, a competência do juízo de primeiro grau para processar e julgar ações cíveis de improbidade administrativa, independente do cargo ocupado pelo réu, antes, durante ou depois do processo.

Por outro lado, quando do julgamento da reclamação 2.138/DF, o mesmo STF concluiu que "os agentes políticos, por serem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas, apenas, por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante a Corte, nos termos do art. 102, I, c, da CF".

Ou seja, os juízos de primeira instância seriam incompetentes para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Pretório Excelso. Duas decisões, praticamente contemporâneas, um mesmo tribunal e sentidos completamente antagônicos...

A confusão, na verdade, ocorre em razão da famigerada sanção de suspensão dos direitos políticos – pelo período que varia entre três e dez anos – prevista no artigo 12 da lei de improbidade administrativa. Isso porque, imaginemos a situação de um deputado Federal – cujo foro competente para processá-lo e julgá-lo seria o STF, em razão da proteção ao cargo que este ocupa – condenado, por um juiz de primeiro grau, por ato de improbidade administrativa, à pena de suspenção dos direitos políticos por cinco anos, com sentença transitada em julgado.

A consequência imediata seria a perda do mandato de deputado Federal. Mas essa se daria não em razão de processo de quebra de decoro parlamentar, mas sim porque este cidadão não mais estaria no pleno gozo de seus direitos políticos, o que, nos termos do art. 55, inciso IV da CF, ensejaria a sua cassação.

Ou seja, toda aquela preocupação que a CF tem com a preservação da função pública – e não de seu ocupante – ao criar o foro por prerrogativa de função para determinados cargos, vai por água abaixo diante da atual regra de competência para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa, eis que qualquer juiz de primeiro grau poderá cassar – ainda que indiretamente – o mandato de um parlamentar eleito pelo voto democrático, não obstante este magistrado sequer fosse competente para julgar o cargo – e não a pessoa – ocupado por este congressista.

A aberração torna-se ainda maior, se imaginarmos, ao invés de um parlamentar, um ministro de um Tribunal Superior como réu na situação acima descrita. Ter-se-ia a discrepância de um simples juiz de primeiro poder julgar e destituir – ainda que indiretamente – aquele ministro da função, muito embora esse último ocupe um cargo hierarquicamente superior ao qual o primeiro encontra-se submetido.

Trata-se, portanto, de uma distorção do ordenamento jurídico que o STF tem a chance de consertar, de forma definitiva, quando prosseguir no julgamento do agravo regimental na petição 3.240/DF. Basta se atentar à máxima de que o foro por prerrogativa de função protege o cargo ocupado pelo agente público específico, e não a pessoa em si.

Note-se que, em prevalecendo o entendimento já exposto pelo Ministro Teori Zavascki, no começo daquele julgamento, o resultado das ultimas eleições teria sido substanciosamente diferente, eis que grande parte dos políticos impedidos de concorrer pela lei da ficha limpa, o foram em razão de condenação, em 1º e 2º grau, em ações dessa natureza, sendo que muitos deles, inclusive, foram vítimas de perseguição política, réus em processos nos quais os magistrados foram declarados suspeitos perante as instâncias superiores.

É um poder, portanto, sem limite, nas mãos de um simples magistrado de 1º grau.

Resta saber se, em tempos de jurisprudência defensiva – onde o habeas corpus é tratado pelas regras do mandado de segurança, com o objetivo claro de reduzir o número de processo nos tribunais – a Corte Suprema reconhecerá a aplicação da regra de competência do foro por prerrogativa de função nas ações cíveis de improbidade administrativa contra autoridade detentora de foro especial – o que implicará num aumento significativo do número de processos nos TJs, TRFs, STJ e no próprio STF – ou permitirá, eventualmente, que um juiz, de uma comarca nos longínquos do país, possa “decapitar” um de seus pares, submetendo um Ministro de Tribunal Superior, ao julgamento por um magistrado de 1º grau.

Eis a escolha de Sofia!

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*Ticiano Figueiredo é advogado criminalista e sócio no escritório Figueiredo & Ranña Advogados Associados

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