Reparando bem, o dia anda repleto de autoridades. E muitas muito mal educadas. Grosseiras como se em guerra cotidiana pelos maus costumes e contra os bons princípios.
O cara que raspou a cabeça e veste um terno preto e que esconde os olhos por trás das lentes escuras de um par de óculos, repara o ar arrogante dele. Pois não é que ele se acha a autoridade?
Chega a ser engraçado ver essas autoridades nas portas dos restaurantes, dos shoppings, dos supermercados e de por aí afora onde há movimentos de gente, enxotando mendigos, espantando meninos de rua e se há uma brecha, ainda dá bronca em algum transeunte. Por nada.
Não tenho nada contra os que se querem vocacionados a esse oficio de suspeitar. Não me canso de louvar os que trabalham. Menos os que o fazem sem responsabilidade social e sem compromissos com a paz geral.
Parecer medonho que nem o guarda que parece sentir prazer em dar bronca em motorista no transito e, ainda por cima, produzir multas unilaterais, faz parte do show do segurança.
Vejo um carro ali se aproximando da calçada onde desembarcam os passageiros e vejo um policial, de repente, parecendo sair do nada, franzindo os músculos do rosto, em direção ao motorista.
O policial é a autoridade no seu afazer. É a própria lei na sua oralidade. Ele ordena em voz alta que o motorista siga em frente porque ali não pode estacionar. O motorista pondera que o passageiro tem que desembarcar ali porque é por ali que há anos todos desembarcam. Mas não pode, decreta o policial, quase flutuando um pouco acima do chão.
Noto no motorista o seu ar sofrido de quem humilhado trava na garganta alguma convocação aos seus instintos primitivos. Ele está em desvantagem porque agora são dois os agentes do Estado - homens de farda e revólver balançando na cintura. Ver aquilo de perto me revolta. O meu anjo da guarda me segura forte para eu não me envolver.
Àquela altura, um policial anota a placa do carro e outro pede os documentos do motorista. O transito naquela altura da calçada do aeroporto vai congestionando, começam as buzinas, a tensão entra no clima, um revólver balança na cintura de cada guarda. De cada policial, não. Um revólver balança na cintura de cada autoridade.
O motorista, coitado, está ali ganhando a vida com o seu trabalho. Os policiais também, coitados, estão ali ganhando a vida com o seu trabalho. O motorista é cidadão. Os guardas são autoridades. Pensam que são.
Os três ganham a vida perigosamente. Quantos taxistas não são assaltados a todo instante no país? Quando para o carro e abre a porta a um passageiro, o taxista nunca sabe se aquela pessoa tem um destino certo e ordeiro e se vai mesmo lhe pagar a corrida ou se vai é lhe assaltar.
Tenho ouvido muitas estórias contadas por taxistas que foram assaltados. Relatos tristes de voltarem para casa à noite sem um tostão do que apuraram durante o dia inteiro no trabalho. Mas há taxistas que também se acham autoridade. Distantes e alheios tratam o passageiro como simples mercadorias.
E tem também os que assomam de um ar de autoridade quando o passageiro desconfiado questiona o itinerário ou se reclama do cinto de segurança que, no banco de trás, quase sempre não funciona.
O policial também tem família, trabalha duro no seu oficio e muitos são atacados, baleados por bandidos, alguns nem voltam para casa. Morrem em serviço.
O ideal seria se todos nós, cada um no seu serviço, mandando para outro lugar as tentações autoritárias, buscássemos apenas a cidadania e, assim, iguais pudéssemos entregar às horas dos dias respeito aos outros, cordialidade, colaboração, solidariedade, afetividade e coesão social.
E em assim sendo festejarmos a vida mais confiadamente sem o autoritarismo das autoridades.
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