Difícil dizer qual o seu maior legado. Alguns dirão ter sido o que ficou do que foi feito pelo Ministro da Justiça. Outros lembrarão do advogado criminalista, defensor pertinaz de causas complexas, estrategista capaz de formular caminhos onde parecia não haver mais saída.
Tenho a sensação de que ele gostaria de ser lembrado como advogado. Tudo na sua vida profissional decorreu de sua formação. Foi um apaixonado pela advocacia e um vitorioso da profissão. Lutou pela liberdade como quem defende algo sagrado, inerente à condição humana e valor absoluto a ser perseguido numa sociedade marcada por injustiça e violência. Como criminalista, jamais se furtou a advogar para quem lhe parecesse merecer defesa e defendia sua causa como quem persegue o direito dos justos. Esteve envolvido em grandes demandas, sempre atuando com fidalguia. Ao presidir a OAB foi incansável defensor das prerrogativas da profissão e da dignidade dos advogados. Jamais se colocou acima dos seus pares, apesar de ser reconhecido por eles como líder, verdadeiro mestre na arte de defender direitos e pessoas da violência do Estado.
Como Ministro da Justiça chefiou uma equipe de jovens profissionais e levou adiante um audacioso plano de ação que deixou marcas nas instituições. A Polícia Federal passou por um processo intenso de fortalecimento e de mudança de procedimentos que parecem ter vindo para ficar. Como gostava de dizer, a Polícia deveria agir sem perseguir inimigos nem proteger amigos. Foi assim que se construiu uma instituição mais republicana, pronta para servir o país e defender a democracia. Hoje o país dispõe de uma outra Polícia, reconhecida como mais eficiente e autônoma.
Marcio teve a oportunidade de realizar o sonho de contribuir para a reforma do Judiciário, que acalentava desde a Constituinte. Ele sempre defendeu a necessidade de se criar um órgão com autonomia para cuidar do planejamento das atividades do Judiciário e ainda exercer função correcional. As discussões sobre a criação do que se denominava órgão de controle externo do Judiciário perpassaram mais de 20 anos. Durante todo este período, percebia-se a prevalência de interesses corporativos da magistratura, receosa de que tal órgão pudesse trazer ingerência indevida na livre formação de convicção dos juízes em sua atividade judicante. O Ministro empunhou a bandeira da reforma como prioridade política e viabilizou a criação do Conselho Nacional de Justiça em ambiente de intensa e leal negociação junto a entidades representativas da magistratura e o Congresso Nacional. Neste ano, fazem 10 anos que foi promulgada a Emenda Constitucional 45 da Reforma do Judiciário, que já não é mais uma caixa preta. O CNJ e outras mudanças introduzidas trouxeram o Judiciário para o debate público, sob o crivo diário da sociedade, como se lê diariamente nos jornais.
Sob o seu comando, também foi criado o Premio Innovare, projeto consolidado que está em sua 11ª edição anual e tem trazido contribuições importantes para o aprimoramento do nosso sistema de justiça.
Advogado talentoso e Ministro competente, Marcio Thomaz Bastos foi um homem elegante, de fino trato, de fácil e leal convivência. Há muito o que lembrar daquele que foi amigo e conselheiro de horas difíceis. Cada um que teve o privilégio de conviver com ele tem uma história boa para contar. A sua ausência deixa a sensação de que o próximo problema terá solução mais difícil.
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