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Fraude à legítima

As relações entre pais e filhos, assim como as demais relações humanas, nem sempre são regidas pela legalidade e pela ética, e as preferências paternas e maternas, sejam elas afetivas ou não, se materializam muitas vezes no privilégio de um filho em relação a outro no recebimento do patrimônio amealhado pelos pais e transmitido por herança.

24/6/2003

 

Fraude à legítima através de transferência ou subscrição de cotas sociais

 

Fátima Loraine Corrente Sorrosal*

 

As relações entre pais e filhos, assim como as demais relações humanas, nem sempre são regidas pela legalidade e pela ética, e as preferências paternas e maternas, sejam elas afetivas ou não, se materializam muitas vezes no privilégio de um filho em relação a outro no recebimento do patrimônio amealhado pelos pais e transmitido por herança.

 

O legislador procurou proteger o direito à herança da fertilidade de imaginação da fraude à legítima, através de vários comandos legais que disciplinam e devem ser observados na complexa relação patrimonial e sucessória entre pais e filhos.

 

Entre alguns dos dispositivos legais de proteção à legítima, encontramos o que proíbe a venda de pai para filho e a troca de valores desiguais entre eles, sem o consentimento dos demais descendentes, inseridos nos artigos 1132 e 1164 do Código Civil vigente, comandos mantidos no Novo Código Civil nos artigos 496 e 533, inciso II, respectivamente.

 

É claro o intuito do legislador em coibir a transferência de patrimônio de ascendente para descendente sob a aparência de compra e venda ou troca de valores desiguais, em prejuízo dos outros filhos, que necessariamente deverão anuir expressamente com o negócio, sob pena de sujeitarem-se à sua anulabilidade.

 

Entendimento expressivo entre doutrinadores e, também, em nossos tribunais estende a proibição a todas as situações jurídicas que à compra e venda possam ser equiparadas, incluindo, entre elas, a cessão onerosa.

 

A equiparação encontra relevo quando nos deparamos com situações em que o patrimônio do ascendente está representado por cotas de sociedade e essas são cedidas a um descendente sem o consentimento dos demais descendentes. Nessa hipótese não seria justo admitir que o ascendente pudesse, através de uma cessão de cotas a determinado descendente, transferir patrimônio sem o consentimento expresso dos demais descendentes, causando-lhes prejuízo por ocasião da abertura da sucessão.

 

Nessa hipótese, se os herdeiros sentirem-se prejudicados pelo negócio realizado entre o ascendente e outro herdeiro, poderão pleitear sua anulação, com amparo no quanto disposto no artigo 1132 do vigente Código Civil, que aplicado extensivamente, incide em caso de transferência de cotas sociais de ascendente para descendente, sem o consentimento expresso dos demais descendentes.

 

Inúmeros julgados foram proferidos nesse mesmo sentido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que acabou por manter o mesmo posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, quando de sua competência o julgamento de tal questão.

 

Situações mais complexas ainda são encontradas quando, na tentativa de burlar a lei e conceder privilégio a um dos herdeiros, a transferência de patrimônio não se faz através de cessão de cotas de ascendente para descendentes, mas o aumento da participação societária do descendente se dá através de integralização de aumento de capital social, em maior proporção do que o ascendente, de modo que este tenha diminuída sua participação societária em favor dos descendentes seus sócios.

 

Acreditamos que nesse caso, em razão da prática de atos que importam em transferência de patrimônio de forma onerosa, de ascendente para descendente, são os mesmos passíveis de anulação por aquele que deveria ter sido chamado a dar o seu consentimento e não o foi.

 

Como conseqüência é possível buscar no poder judiciário a anulação das alterações societárias através das quais os descendentes aumentaram indevidamente as suas participações societárias, ainda que tenham sido efetivadas sob a forma de integralização de aumento de capital social, em razão da transferência de patrimônio de ascendente para descendente que tais acarretam.

 

Tal hipótese se dá quando parte relevante do patrimônio pessoal do ascendente está materializado em cotas de empresas (estas, sim, as detentoras do patrimônio efetivo do ascendente).

 

A lei civil, como vimos, contém dispositivos de proteção à legítima mas, como não poderia deixar de ser, concede liberdade aos ascendentes para disporem da parte correspondente a 50% de seu patrimônio, chamada parte disponível, da forma que bem quiserem.

 

Nessa medida, a vontade de privilegiar um determinado descendente com parcela maior de patrimônio, pode ser concretizada através de doação, ainda em vida ou através de disposição testamentária, sem que seja exigido o consentimento dos demais descendentes, contanto que a parte doada ou transmitida por disposição testamentária não seja superior a 50% do patrimônio do ascendente.

 

Isso deve ser feito às claras e de forma legal, a fim de que expedientes furtivos não se sujeitem à anulação judicial, eis que muitas vezes sequer representam a vontade efetiva do ascendente com relação aos herdeiros.

 

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* Advogada do escritório Ceglia Neto, Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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