O contrato administrativo é um negócio jurídico bilateral e comutativo, ajustado entre a Administração Pública e o particular, por meio do qual surgem obrigações e direitos para ambas as partes.
Muito embora a Administração Pública detenha o poder de fixar as condições iniciais do ajuste, as chamadas cláusulas exorbitantes, não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma prerrogativa que lhe permita contratar com determinado particular, receber o produto ou serviço contratado e abster-se de realizar o pagamento devido.
Conforme leciona MARÇAL JUSTEN FILHO1, "a Administração apenas pode realizar um contrato após cumprir minuciosas formalidades prévias. A Administração tem o dever de avaliar, previamente, a necessidade da contratação, apurar a existência de recursos orçamentários e programar desembolsos. Logo, a ausência de recursos efetivos para o pagamento é um contrassenso injustificável".
Contudo, não é isso o que ocorre na prática. Comumente nos deparamos com situações em que a Administração Pública se abstém de realizar o pagamento devido pela execução do contrato. Nos termos do art. 77 da lei 8.666/93, desde que não haja causas justificadoras para a inexecução contratual, tais como força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, a inexecução total ou parcial do contrato pela Administração Pública pode ensejar a sua rescisão.
Neste sentido, o artigo 78 do referido diploma legal elenca os motivos que constituem causas para a rescisão do contrato. Dentre elas, elenca expressamente a inadimplência da Administração Pública superior a 90 dias2.
Assim, estando a Administração Pública em atraso com os pagamentos devidos por mais de 90 dias, e não se tratando de situação de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, poderá o particular suspender a execução do contrato ou mesmo pleitear a sua rescisão.
Ressalte-se que, conforme entendimento já consolidado pelo STJ, tendo o particular fornecido o objeto ou prestado o serviço contratado, a Administração Pública tem a obrigação de realizar os pagamentos devidos, sob pena de enriquecimento ilícito. Tal obrigação persiste, inclusive, em caso de eventual nulidade do contrato administrativo.
Além da possibilidade de pleitear a suspensão ou rescisão do contrato administrativo nos casos de inadimplemento superior a 90 dias, o particular poderá também requerer, junto aos órgãos de controle e ao MP, a responsabilização cível, penal e administrativa dos administradores públicos pela má gestão dos contratos.
Por fim, considerando que os contratos administrativos regem-se primeiramente por suas cláusulas e pelos preceitos de Direito Público, e supletivamente pelos princípios e normas de Direito Privado, também é possível ao particular pleitear sua rescisão com base na figura da exceptio non adimpleti contractus, consistente na impossibilidade de um dos contratantes exigir o cumprimento do contrato pela outra parte, por já ter infringido o pactuado na relação bilateral.
Neste cenário, é notório que a inadimplência por parte da Administração Pública pode causar um desequilíbrio econômico na relação firmada entre as partes, sendo tal fator relevante para evocar a rescisão do contrato com base na exceptio non adimpleti contractus.
Conforme se verifica, apesar de cada vez mais comuns os atrasos nos pagamentos pela Administração Pública, o ordenamento jurídico brasileiro coloca à disposição do particular uma série de instrumentos para resguardar seus direitos. Por essa razão, é imprescindível que o particular conheça a fundo seus direitos legais e contratuais, bem como acompanhe de perto a gestão dos contratos pela Administração Pública.
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1 COMENTÁRIOS À LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. 15ª. Edição, Dialética, 2012. P. 980.
2 Art. 78 (...)
“XV- O atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao Contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação”.
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*Mariana de Campos é integrante da equipe de Recuperação de Créditos do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.