A lei 12.965/14, também conhecida como marco civil da internet1, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
O capítulo III da norma traz disposições a respeito dos provedores de conexão e de aplicação de internet. A devida compreensão do capítulo, e do marco civil como um todo, passa, necessariamente, pela conceituação destes provedores.
O professor Marcel Leonardi, do Programa de Educação Continuada do Direito GV (GVlaw), em texto2 anterior ao marco civil, conceituou os chamados provedores de serviços de internet.
Para Leonardi, provedor de serviços de internet é gênero do qual as demais categorias são espécies. Assim, provedor de internet é a pessoa natural ou jurídica que fornece serviços relacionados ao funcionamento da internet, ou por meio dela.
Como se verá à frente, a qualidade de pessoa natural ou jurídica será essencial para caracterização da obrigação da guarda automática dos registros de acesso a aplicações de internet.3
A primeira espécie de provedor, na doutrina de Leonardi, é o chamado Provedor de Backbone ou Provedor de Estrutura. Ele é a pessoa jurídica proprietária das redes capazes de administrar grandes volumes de informações, constituídos por roteadores de tráfego interligados por circuitos de alta velocidade. O marco civil da internet não faz referência a este provedor, afinal o usuário final da internet dificilmente terá alguma relação jurídica direita com ele. No Brasil, a Embratel é o principal provedor de estrutura.
Já o Provedor de Acesso ou Provedor de Conexão é a pessoa jurídica fornecedora de serviços que consistem em possibilitar o acesso de seus consumidores à internet. Para sua caracterização, basta que ele possibilite a conexão dos terminais4 de seus clientes à internet. Em nosso país os mais conhecidos são: Net Virtua, Brasil Telecom, GVT e operadoras de telefonia celular como TIM, Claro e Vivo, estas últimas que fornecem o serviço 3G e 4G.
Quanto a este provedor, é importante frisar que o marco civil da internet operou certa alteração no mencionado conceito ao afirmar que, na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema autônomo o respectivo dever de manter os registros de conexão.5 Tendo, ainda, definido como administrador de sistema autônomo a pessoa física ou jurídica que administra blocos de endereço IP específicos e o respectivo sistema autônomo de roteamento devidamente cadastrado no ente nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP geograficamente referentes ao país.6
O Provedor de Correio Eletrônico é a pessoa jurídica fornecedora e serviços que consistem em possibilitar o envio de mensagens do usuário a seus destinatários, mediante o uso de um nome de usuário e senha exclusivos. Os provedores de correio mais populares são Gmail (Google), Yahoo e Hotmail (Microsoft). Importante frisar que alguns provedores de hospedagem também oferecem o serviço, entretanto, de forma remunerada, na maior parte dos casos.
O Provedor de Hospedagem7, por sua vez, é a pessoa jurídica fornecedora de serviços que consistem em possibilitar o armazenamento de dados em servidores próprios de acesso remoto, permitindo o acesso de terceiros a esses dados, de acordo com as condições estabelecidas com o contratante do serviço. Um provedor de hospedagem oferece dois serviços distintos: o armazenamento de arquivos em um servidor e a possibilidade de acesso a tais arquivos. Em nosso país os provedores de hospedagem mais conhecidos são o UOL Host e a Locaweb.
Os provedores de hospedagem podem, também, oferecer plataformas prontas para seus usuários, objetivando acessar websites (Google), blogs (WordPress), publicação de vídeos (YouTube), acesso a músicas (Spotify), criação de websites (Wix) e redes sociais (Facebook, Twitter, Google+, etc).
O Provedor de Conteúdo é toda pessoa natural ou jurídica que disponibiliza na internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação (ou autores), utilizando servidores próprios ou os serviços de um provedor de hospedagem para armazená-las. São diversos os exemplos de provedores de conteúdo, já que englobam desde pessoas naturais que mantêm um website ou blog pessoal a grandes portais de imprensa.
Finalmente, o Provedor de Informação é o efetivo autor da informação. Doutrinariamente a melhor nomenclatura para este agente é, simplesmente, autor.
Assim, a pessoa natural que mantenha um website, ou mesmo uma conta em uma rede social, é um provedor de conteúdo. Se esta mesma pessoa insere informações no site, ela passa a ser, também, um provedor de informação ou autor.
O professor Ronaldo Lemos8, em sua obra Direito, Tecnologia e Cultura, usa uma nomenclatura diferente. Ele faz uma diferenciação inicial entre os Provedores de Serviço de Acesso (PSAs) e Provedores de Serviços Online (PSOs). Os primeiros (PSAs) dizem respeito aos mesmos provedores de acesso ou provedores de conexão da nomenclatura de Marcel Leonardi, já visto acima. Já os provedores de serviços online (PSOs) podem abranger os provedores de hospedagem, os provedores de correio eletrônico e os provedores de conteúdo, a depender da situação prática apresentada.
Deste modo, o provedor de serviços online (PSOs) não fornece acesso à internet, mas sim utiliza-se desse acesso para a prestação de outros serviços. Segundo definição da Webopedia, a enciclopédia de termos técnicos da internet, o Online Service Provider (OSP), sinônimo de PSOs, diz respeito à:
Abbreviated as OSP, an online service provider is a generic term that describes any company, organization or group that provides an online service. These types of services may include Web sites, discussion forums, chat rooms, or Web mail. OSPs may also refer to a company that provides dial-up access to the Internet.9
Para entendermos o tratamento dado pelo marco civil da internet aos provedores se faz necessária a análise do Digital Millenium Copyright Act (DMCA), texto normativo adotado nos Estados Unidos da América em 1998, com o objetivo de modificar o regime de proteção à propriedade intelectual, mais especificamente os direitos autorais, no sentido de combater a facilidade de cópia, de circulação e, consequentemente, de violação de direitos autorais, trazida pela conjugação da tecnologia digital com a internet.10
O DMCA acabou tornando-se um elemento de consideração em relação aos modelos normativos voltados para a regulação na internet, já que foi um dos pioneiros na matéria.
O Digital Millenium Copyright Act não adota os termos PSO (ou na língua inglesa Internet Service Provider - ISP) ou PSI (em inglês Online Service Provider - OSP). A norma, apenas, fala em "provedores de serviço", conforme definição abaixo:
(k) DEFINITIONS —
(1) SERVICE PROVIDER.—(A) As used in subsection (a), the term ‘service provider’ means an entity offering the transmission, routing, or providing of connections for digital online communications, between or among points specified by a user, of material of the user’s choosing, without modification to the content of the material as sent or received.
(B) As used in this section, other than subsection (a), the term ‘service provider’ means a provider of online services or network access, or the operator of facilities therefor, and includes an entity described in subparagraph (A).
O marco civil da internet, por sua vez, não traz nenhuma definição específica sobre os provedores. A lei brasileira trata, especificamente, de duas espécies de provedores, os de conexão e de aplicação de internet.
Quanto aos primeiros, Provedores de Conexão à Internet, não há maiores dificuldades, pois correspondem à definição clássica de provedor de acesso ou provedor de conexão (Marcel Leonardi); provedores de serviço de acesso - PSAs (Ronaldo Lemos) e internet service provider - ISP, este último na língua inglesa.
A dificuldade conceitual ocorre ao se analisar os chamados Provedores de Aplicação de Internet (PAI). Estes, grosso modo, se assemelham aos provedores de serviços online - PSOs ou online service provider - OSP.
O marco civil da internet, em seu artigo 5°, trouxe algumas definições, entretanto não tratou de conceituar as espécies de provedores.
Neste ponto, acredito importante trazer os ensinamentos da professora Patrícia Peck Pinheiro ao lecionar sobre os contratos na era digital. Segundo Peck, o primeiro diferencial dos contratos na era digital é a necessidade do emprego de um glossário em seu bojo, que estabeleça o significado dos termos técnicos empregados no contrato. Isso para possibilitar um menor grau de interpretação, diminuindo o risco de duplo sentido ou de má compreensão do que está sendo contrato.11
Seguindo esta linha de pensamento, o marco civil da internet, também, deveria ter trazido em seu texto alguns conceitos indispensáveis, como por exemplo, o de provedores de aplicação da internet. Infelizmente este conceito não veio e poderá gerar, em um futuro próximo, discussões jurídicas totalmente dispensáveis e teses judiciais protelatórias.
Entretanto, o inciso VII, do mesmo artigo 5°, nos dá uma pista sobre o conceito de provedores de aplicação da internet. Diz o mencionado inciso que se considera aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.
Consequentemente, podemos chegar a um conceito inicial de provedor de aplicação da internet (PAI) pela conexão das definições expostas no inciso VI, do artigo 5° e na Webopedia sobre Online Service Provider (OSP).
Provedor de Aplicação de Internet (PAI) é um termo que descreve qualquer empresa, organização ou grupo que forneça um conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.
Em primeira análise, o conceito já exclui o provedor de infraestrutura (backbone) e o provedor de conexão (provedor de acesso ou PSAs), este último pela clara separação realizada no bojo do próprio Marco Civil entre provisão de conexão e provisão de aplicações de internet.
Em um segundo momento, concluo que o conceito de PAI inclui o provedor de correio eletrônico, o provedor de hospedagem e o provedor de conteúdo. Por óbvio, o provedor de serviços online (PSOs) também está incluído no conceito, mesmo porque os dois estão intimamente entrelaçados.
Continuando o estudo, nota-se que o artigo 15, caput, ajuda na tarefa de chegar a um conceito final de provedor de aplicação de internet. Diz o citado artigo que:
O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.
Uma análise apressada da disposição poderia nos levar à conclusão de que somente as pessoas jurídicas, organizadas, profissionais e com fins econômicos estariam abarcadas pelo conceito de PAI. Nada mais equivocado.
O parágrafo primeiro do próprio artigo 15 desfaz o equívoco ao afirmar que:
Ordem judicial poderá obrigar, por tempo certo, os provedores de aplicações de internet que não estão sujeitos ao disposto no caput a guardarem registro de acesso a aplicações de internet, desde que se trate de registros relativos a fatos específicos em período determinado.
Diante de todas estas informações podemos chegar a um conceito derradeiro sobre a provisão de aplicação de internet.
Provedor de Aplicação de Internet (PAI) é um termo que descreve qualquer empresa, organização ou pessoa natural que, de forma profissional ou amadora, forneça um conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet, não importando se os objetivos são econômicos.
Do conceito acima exarado diversas situações práticas e controvertidas podem surgir.
A primeira conclusão do mencionado conceito diz respeito à possibilidade de pessoa natural figurar como provedor de aplicação de internet. Assim, por exemplo, se uma pessoa natural mantém um blog onde exista página interna com fórum de discussão entre os usuário da plataforma, gerida pela pessoa natural, não há dúvida sobre sua configuração como PAI. Pelo disposto no marco civil, ordem judicial poderá determinar que esta mesma pessoa natural, não profissional, que mantenha o blog sem fins econômicos, guarde registros de acesso a aplicações de internet. No exemplo, registro de acesso ao fórum.
Outra consequência versa sobre a impossibilidade de determinados administradores de sites ou aplicativos, como Wikipédia, argumentarem que não são PAI por não auferirem lucros com a manutenção do site. Como visto, a finalidade econômica não é requisito para configuração do PAI e estes sites poderão, por meio de ordem judicial, serem obrigados a guardar os registros de acesso a aplicação de internet.
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1 Alguns de forma exagerada nominaram o Marco Civil da Internet como a Constituição da internet. Posição esta que discordamos.
2 LEONARDI, Marcel. Internet: elementos fundamentais. in Responsabilidade Civil na Internet e nos demais meios de comunicação, coordenado por Regina Beatriz Tavares da Silva e Manoel J. Pereira dos Santos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
3 Artigo 15, caput, do Marco Civil da Internet.
4 Terminal, segundo o Marco Civil da Internet, em seu artigo 5°, inciso II, é o computador ou qualquer dispositivo que se conecte à internet, como tablets e celulares.
5 Artigo 13, caput, do Marco Civil da Internet
6 Artigo 5°, inciso IV, do Marco Civil da Internet
7 Marcel Leonardi observa que o jargão informático consagrou a utilização do termo "provedor de hospedagem", tradução direta da expressão "hosting provider" em inglês. Para Leonardi, o serviço prestado não guarda qualquer relação com o contrato típico de hospedagem, pois é, na realidade, cessão de espaço em disco rígido de acesso remoto.
8 LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
9 www.webopedia.com/TERM/O/online_service_provider.html
10 LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: FGV, 2005, p. 32.
11 PINHEIRO, Patricia Peck. Direito digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 433.
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LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
LEONARDI, Marcel. Internet: elementos fundamentais. in Responsabilidade Civil na Internet e nos demais meios de comunicação, coordenado por Regina Beatriz Tavares da Silva e Manoel J. Pereira dos Santos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
PINHEIRO, Patricia Peck. Direito digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
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*Frederico Meinberg Ceroy é presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital - IBDDIG, promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, mestre em Direito pelo UniCEUB, professor de pós-graduação em Brasília/DF e autor dos livros Coletânea Legislativa de Direito Digital e Marco Civil da Internet Comentado.