A arbitragem, amplamente difundida no Brasil após a promulgação da lei1 que a regulamenta, é um método alternativo de resolução de conflitos através do qual as partes conferem a particulares juridicamente capazes e de sua confiança, o julgamento da causa.
Para que o litígio seja passível de julgamento via arbitragem, as partes também devem ser juridicamente capazes e o assunto deve versar sobre direitos patrimoniais disponíveis. Além disso, as partes devem manifestar por escrito seu desejo de submeter o caso ao juízo arbitral.
Tal manifestação de vontade (convenção de arbitragem) pode se dar por meio da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral2.
Na cláusula compromissória, as partes exprimem sua vontade em um contrato ou documento apartado que a ele se refira3. Já no compromisso arbitral, a manifestação é feita por termo nos autos do processo, caso o compromisso seja judicial, ou por instrumento público ou particular, assinado por duas testemunhas, caso seja extrajudicial.
Em relação aos assuntos que podem ser submetidos à arbitragem estão os conflitos societários, assim entendidos aqueles oriundos de divergências entres sócios/acionistas e entre eles e a sociedade4.
De fato, a arbitragem é a alternativa mais razoável e recomendável de dirimir conflitos societários, especialmente os que envolvem sociedades maiores e mais complexas, tais como as sociedades anônimas. Entre as vantagens, está a solução de problemas normalmente complexos, por árbitros especializados no assunto, dentro de prazo curto de tempo e, não menos importante, sob o dever de confidencialidade. A utilização da arbitragem em assuntos societários é inclusive recomendada por diversas entidades, tais como CVM, Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC e OAB.
Algumas questões, porém, da arbitragem em assuntos societários são mais controversas, em especial as relativas às sociedades anônimas. Como exemplo, estariam vinculados à arbitragem os acionistas que não tenham aprovado tal disposição no Estatuto da companhia5?
Por um lado, temos a necessidade de manifestação da vontade das partes por escrito através da cláusula compromissória, conforme estabelece a lei de arbitragem. Além disso, a CF garante, em cláusula pétrea6, o direito individual de acesso ao Poder Judiciário.
De outro lado, temos a própria lei de arbitragem dispondo sobre a possibilidade de utilização da arbitragem em relação a direitos patrimoniais disponíveis e, ainda, a lei das sociedades anônimas7, que permite que o Estatuto Social estabeleça a solução de conflitos por arbitragem.
O tema não é pacífico, existindo entendimentos que defendem ambos os lados.
Os que defendem a não vinculação à arbitragem, sustentam ser necessário o consentimento expresso do acionista, mesmo que em ato separado.
Tal ponto de vista se baseia em alguns entendimentos, tais como:
(i) exigência de manifestação expressa da vontade (lei de arbitragem),
(ii) inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário (CF),
(iii) tese de ser a cláusula compromissória um pacto parassocial, que não vincula a sociedade ou acionistas que a ela não aderiram formalmente.
Já a corrente que sustenta a vinculação à arbitragem afirma que não há no direito societário norma que exija quorum qualificado ou unanimidade para aprovação da cláusula compromissória e, discordando da tese de ser a cláusula compromissória um pacto parassocial, tal corrente afirma que ela deve ser entendida como uma deliberação regular.
Nesse sentido, prevalece o princípio majoritário, através do qual a maioria do capital social tem o poder de decidir. Assim, desde que devidamente aprovada, torna-se obrigatória a todos os acionistas, tenham ou não comparecido na votação ou votado favoravelmente.
De fato, o melhor entendimento é no sentido de se admitir a vinculação de todos os acionistas à cláusula compromissória constante no Estatuto Social da sociedade, independentemente da presença ou voto na respectiva deliberação. Do contrário, criar-se-ia uma enorme insegurança jurídica, submetendo os acionistas de uma mesma sociedade a regimes jurídicos diferentes.
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1 Lei 9.307, de 23/09/96.
2 Artigo 3º.
3 Artigo 4º e seu § 1º.
4 Neste artigo não abordaremos a solução de conflitos por arbitragem entre sócios/acionistas e os administradores da sociedade e, ainda, entre a sociedade e seus administradores.
5 Por exemplo, aqueles que adquiriram participação acionária posterior à convenção arbitral ou, ainda, aqueles que divergiram da maioria na deliberação sobre a inclusão da cláusula compromissória no Estatuto Social da sociedade.
6 Artigo 5º, XXXV “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
7 Artigo 109, § 3º “O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar.”
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