O renomado atleta paraolímpico sul-africano, Oscar Pistorius, frequentou com assiduidade a mídia mundial em virtude de ter – supostamente – assassinado sua namorada, a modelo Reeva Steenkamp, em fevereiro de 2013.
Em razão do crime foi devidamente processado e se viu julgado pelo Tribunal do Júri da África do Sul, que o absolveu pela prática do crime de homicídio premeditado (equivalente ao nosso homicídio doloso) e, seguindo as regras processuais daquele país, determinou que Pistorius fosse julgado novamente pelo júri, embora dessa vez pelo crime de homicídio culposo1. Assim foi e recebeu a pena de cinco anos de prisão, que será cumprida 10 meses em regime fechado e o restante em prisão domiciliar.
Sendo assim, tendo em vista que evidentemente não se pretende analisar dispositivos legais sul-africanos, propõe-se um exercício comparativo, adaptando-se o famoso caso à nossa legislação processual penal.
Prima facie, tem-se que, havendo indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva, o Ministério Público oferece a exordial acusatória, nos exatos termos do artigo 41, CPP, iniciando a primeira fase do rito especial do Júri: judicium accusationis (formação de culpa). Ato contínuo, o magistrado analisa a possibilidade de recebimento da denúncia e, assim o fazendo, abre-se prazo para citação do réu (art. 406, CPP) e conseguinte oferecimento de resposta (art. 406, §3º, CPP).
Após a produção de provas, havendo convencimento mínimo de que há materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, o juiz pronunciará o réu, conforme artigo 413, CPP – que em seu §1º exige postura imparcial do magistrado, sob pena de nulidade da decisão de pronúncia.
Neste ponto, preclusa a decisão de pronúncia, inicia-se a segunda fase do rito especial do Júri, conhecida como judicium causae, com a respectiva preparação do processo para julgamento em plenário, nos termos do artigo 422 e seguintes, do CPP.
Por derradeiro, passando-se por toda a fase preparatória e adentrando-se ao julgamento em si, pode-se fazer um comparativo bastante interessante entre o ocorrido na África do Sul e o que ocorreria aqui, caso o fato se desse em terras tupiniquins.
O renomado suposto autor dos fatos fora absolvido da prática do crime de "homicídio doloso" e deverá ser novamente julgado, agora por crime de homicídio culposo, conforme a legislação daquele país.
Entretanto, aqui no Brasil poder-se-ia verificar uma situação bastante diferente, que iria ao encontro do princípio da celeridade processual, tendo em vista que o réu não seria julgado novamente.
Com efeito, caso fosse reconhecido – em plenário – que o réu praticou crime de homicídio culposo, o magistrado deveria proferir sentença de desclassificação, tendo em vista que o crime de homicídio culposo encontra-se fora do rol constitucional que atribui a competência de julgamento do Tribunal do Júri, conforme artigo 5º, inciso XXXLIII, alínea "d", de nossa Constituição Federal.
Em outras palavras, o magistrado, verificando restar reconhecida a prática de crime cuja competência não é do Tribunal do Júri, deve desclassificar o delito e, conforme mandamento do Código de Processo Penal, artigo 492, § 1º, proferir o julgamento relativo à nova classificação:
§ 1o Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Insta salientar, então, que o juiz presidente do Tribunal do Júri deverá sentenciar o caso e aplicar eventuais benesses cabíveis. Jamais haverá a possibilidade de se realizar novo julgamento sob esse pretexto.
Portanto, se Oscar Pistorius tivesse, em tese, cometido o crime do qual é acusado em terra macunaíma, seria realizada apenas uma sessão de julgamento, a qual vincularia seu veredicto ao juiz presidente, até porque a soberania dos veredictos é princípio constitucional do Tribunal do Júri, conforme artigo 5§, inciso XXXVIII, alínea "c", de nossa CF/88. Além do que seria beneficiado por uma pena mais favorável e com benefícios muito mais compensadores do que a legislação que o condenou.
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