Na tarde de 9/10/14, o STF retomou o julgamento do RExt 661.256, que trata do tema da desaposentação, com relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.
O tema é de extrema relevância para a comunidade jurídica brasileira. O julgamento foi suspenso diante da ausência de alguns ministros naquela sessão da Corte Suprema. Porém, já se pode tecer algumas considerações a respeito do brilhante voto proferido pelo relator.
O relator iniciou seu voto indicando que o sistema previdenciário constitucional estrutura-se a partir do princípio da solidariedade e do caráter contributivo. No entanto, apresentou o argumento de que não há comutatividade estrita entre o recolhimento de contribuições e o recebimento de benefícios, pois não se adotou no Brasil regime de capitalização, mas de repartição. Mas indicou os parâmetros a partir dos quais entende que o legislador pode tratar de matéria previdenciária: a) o respeito ao princípio da isonomia; e b) a impossibilidade de instituição de contribuição previdenciária sem a devida contrapartida em termos de benefício previdenciário.
Utilizados esses parâmetros na questão da desaposentação, o ministro Barrroso destacou que o aposentado volta a trabalhar em igualdade de regime jurídico contributivo com os demais trabalhadores da iniciativa privada, voltando a recolher contribuições previdenciárias, mas sem igualdade quanto aos benefícios que perceberá (dada a extinção do pecúlio em 1995), pois a ele só serão devidos os benefícios do salário-maternidade e reabilitação profissional – tidos pelo relator como inexistentes ou pouco aplicáveis à realidade do aposentado que volta a trabalhar. Assim, concluiu o relator que o art. 18, § 2.º, da lei de benefícios, viola o sistema constitucional contributivo, pois impõe dever de recolhimento de contribuições sem a fixação dos correlatos benefícios previdenciários. De outra parte, o Relator ressaltou que não há vedação expressa à desaposentação em nenhuma norma jurídica brasileira. Por todos esses fundamentos, declarou a possibilidade inequívoca de ocorrer a desaposentação.
Restituição de proventos
Reconhecida a possibilidade da desaposentação, V. Exa. passou a discutir a questão da restituição dos proventos de aposentadoria já recebidos. A despeito da jurisprudência do STJ, que compreende pela desnecessidade de restituição dos proventos da primeira aposentadoria, ponderou a impossibilidade de haver vantagem (ofensa à isonomia) entre aqueles que já receberam benefício previdenciário anterior e recorrem à desaposentação e aqueles que se aposentam pela primeira vez.
Descartou, porém, a hipótese da devolução integral do benefício recebido como primeira aposentadoria, pois isso corresponderia a “dar com uma mão e retirar com a outra”. Desconsiderou também eventual parcelamento de referida devolução, pois isso corresponderia à mesma situação draconiana de permitir a desaposentação e anulá-la pela via econômica. Por fim, também abriu mão de que o STF fizesse meramente uma exortação ao legislador. Diante disso, o Ministro Barroso corajosamente optou por estruturar uma solução para o tema da desaposentação e a restituição dos proventos de primeira aposentadoria a partir dos próprios princípios constitucionais do sistema.
Metodologia de cálculo
O relator propôs uma forma de cálculo do novo benefício utilizando os elementos que já constam do art. 29 da lei de benefícios, inseridos na estrutura do fator previdenciário: tempo de contribuição, idade, expectativa de vida, média aritmética das contribuições atualizadas. Ressaltou, e entendemos que isso é muito relevante, a necessidade de computar, nesse cálculo, todas as contribuições vertidas ao regime previdenciário, antes e depois da primeira aposentadoria.
Como uma solução intermediária, entendeu que na montagem do fator previdenciário para o novo benefício seria o caso de considerar a idade e a expectativa de vida verificadas no momento da primeira aposentadoria, o que geraria certo equilíbrio atuarial e isonomia entre aqueles que não buscaram a desaposentação.
Modulação de efeitos
O Exmo. Sr. ministro relator propôs em seu voto uma espécie de modulação dos efeitos da decisão aqui analisada, que passaria a valer somente após 180 dias a contar de seu trânsito em julgado. A medida teria o condão de: a) propiciar tempo para o devido arranjo administrativo necessário para a efetivação da desaposentação nas próprias agências do INSS, especialmente para aferição operacional e relativa ao tempo de custeio; b) prestigiar, sobretudo, eventual atuação legislativa que viesse a suprir essa lacuna normativa durante esse semestre que se propõe como lapso para implantação efetiva desse direito previdenciário.
É importante retomar que o relator do RExt 661.256 frisou que a questão levada ao plenário deveria, em primeiro lugar, ser resolvida mediante debate público na esfera adequada, qual seja o Poder Legislativo – ressaltando as limitações de não se poder estabelecer contribuição previdenciária destituída de recebimento de contrapartida previdenciária. Destacou justamente que é a mora legislativa que produz situações anômalas como a busca judicial da desaposentação.
Por todos esses fundamentos, o relator deu parcial provimento ao recurso extraordinário do INSS, preservando a possibilidade de desaposentação, mas alterando a forma de cálculo do novo benefício previdenciário, conforme metodologia que expusemos anteriormente.
Análise preliminar
O voto do relator, ministro Barroso, é louvável em vários aspectos: a) pelo simples fato de reconhecer a validade da desaposentação, sem margem a dúvidas; b) pelo reconhecimento secundário do aspecto de que não há possibilidade de instituição de contribuição previdenciária desvinculada de qualquer benefício previdenciário ao segurado; c) por descartar a restituição dos valores já recebidos como primeira aposentadoria, ainda que sugira metodologia de cálculo diversa daquela que as pessoas que ajuizaram ações buscavam, mas causadora de efetivo aumento de proventos; d) ao exortar a Administração Pública e o legislador a que ocupem seu devido espaço, legislando e regulamentando a questão, sem a possibilidade de acarretarem prejuízo ao segurado.
A metodologia de cálculo proposta pelo ministro Barroso é bastante razoável e certamente produzirá aumento dos proventos dos segurados que buscarem a desaposentação. Utilizando a idade e a expectativa de vida presentes no momento da primeira aposentadoria, mas adotando a contribuição total vertida pelos segurados, o resultado será positivo certamente, mas não tanto se fosse recalculado o benefício tal como uma aposentadoria inédita, utilizando-se o total das contribuições, mas a idade e a expectativa de vida do momento presente – que é como os advogados formulam esses pedidos hoje. A solução intermediária é justa, inclusive porque impede eventual devolução dos valores relativos à primeira aposentadoria.
A primeira perspectiva para o futuro da desaposentação é bastante satisfatória. Aguardemos a conclusão do julgamento.
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