Migalhas de Peso

O caráter declaratório dos ex-tarifários e a recente posição do STJ

O STJ contribui para mostrar que o Poder Judiciário dará guarida ao direito dos importadores caso a demora do aparelho estatal efetivamente atrase o reconhecimento da exceção tarifária.

2/10/2014

O STJ, em decisão inédita, se pronunciou acerca da aplicação temporal das exceções tarifárias (Ex-Tarifários) que diminuem a alíquota “ad valorem” do Imposto de Importação na importação de bens que não tenham similar produzido no país.

Por meio do julgamento do REsp 1.174.811/SP, realizado em 18 de fevereiro de 2014, com relatoria do Eminente Ministro Arnaldo Esteves Lima, decidiu a Primeira Turma do Tribunal que o ato de concessão do Ex-Tarifário tem caráter eminentemente declaratório, razão pela qual lhe deve ser reconhecido efeito desde a data de seu requerimento e não somente do momento de sua publicação e inclusão na tabela da Tarifa Externa Comum1.

As implicações práticas do julgamento são absolutamente relevantes. As exceções tarifárias são normalmente atribuíveis a bens de capital, informática ou telecomunicações que não possuam similar produzido em território brasileiro. No caso dos bens de capital (“BK”), a importação desse tipo de produto de alto valor, normalmente cotado em milhões de dólares, evidentemente significa tributos aduaneiros com cifras avantajadas. De modo a incentivar a importação de maquinário, principalmente em prol do desenvolvimento do parque industrial brasileiro, a legislação brasileira prevê a possibilidade da requisição do Ex-Tarifário exatamente para aliviar a carga tributária envolvida nesse tipo de operação.

No entanto, por força da dinâmica envolvida nesse processo, o Ex-Tarifário depende de processo administrativo onde as partes interessadas são chamadas a se manifestar para verificar se há produção de equipamento similar em solo brasileiro (notadamente os representantes da indústria nacional). Em vista da eventual contraposição de opiniões externadas no processo administrativo, adicionada à pouca velocidade que normalmente a Administração Pública imprime a esse tipo de procedimento, não é incomum que o lapso temporal utilizado para a concessão dessa exceção tarifária não se mostre compatível com as exigências comerciais que oportunizam a importação desse tipo de bem.

Assim, há casos em que equipamentos importados cheguem aos portos brasileiros sem que o correspondente processo de reconhecimento do Ex-Tarifário tenha sido finalizado. O importador é colocado em situação de premente necessidade de nacionalizar os equipamentos para atender às demandas de sua atividade produtiva; contudo, o direito de utilização de alíquota reduzida do Imposto de Importação ainda não lhe foi reconhecido pela Administração Pública. A nacionalização imediata da mercadoria nesse cenário implica em pagamento do Imposto de Importação pela alíquota geral prevista em lei, abdicando-se da eventual concessão do Ex-Tarifário.

Esse cenário cria uma situação em que o contribuinte empreende grandes esforços para obter exceções tarifárias que acabam por não ter efeito prático, meramente pela demasiada demora na sua concessão. A repetição desse fato acaba inclusive por afastar o interessado em efetivamente requerer o Ex-Tarifário, deixando de aproveitar a oportunidade do benefício fiscal.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça é elemento fundamental para a mudança desse cenário, reconhecendo que o Ex-Tarifário gera efeitos desde a sua requisição, independentemente da data da sua concessão. Ou seja, ainda que o reconhecimento da inexistência de similaridade de produto nacional ocorra posteriormente ao desembaraço aduaneiro ou à data final para regularização da mercadoria desembarcada em território nacional, a alíquota reduzida deve ser aplicada para todas as importações ocorridas desde a requisição da exceção tarifária.

Assim o é por conta do Regulamento Aduaneiro determinar que a similaridade, para fins de redução do Imposto de Importação, será apurada antes da importação, na forma do que dispõe o seu art. 193.2 O art. 110, III, do mesmo Compêndio, por sua vez, estabelece que caberá a restituição do imposto para os casos em que se verifique que o contribuinte já fazia jus à isenção ou redução, à época do fato gerador:

“Art. 110. Caberá restituição total ou parcial do imposto pago indevidamente, nos seguintes casos:
(...)
III - verificação de que o contribuinte, à época do fato gerador, era beneficiário de isenção ou de redução concedida em caráter geral, ou já havia preenchido as condições e os requisitos exigíveis para concessão de isenção ou de redução de caráter especial.”

O art. 110, III, do Regulamento Aduaneiro escuda-se nas disposições do art. 144 do Código Tributário Nacional, que estabelecem que os critérios de apuração do imposto devem ser aqueles vigentes ao tempo da ocorrência do fato gerador. De modo que, caso a redução ou isenção concedida em caráter individual já pudesse ser estabelecida à época do desembaraço aduaneiro (ou mesmo para a data em que o contribuinte pretendia realizá-lo, mas não o fez por conta do atraso no reconhecimento do seu direito à exceção tarifária), com o preenchimento de suas condições e requisitos, o imposto pago a maior deve ser devolvido ao contribuinte (ou calculado com a alíquota reduzida do Imposto de Importação proporcionada pelo eventual reconhecimento do Ex-Tarifário – caso, por exemplo, o contribuinte prefira efetuar o depósito judicial dos valores controvertidos para nacionalizar o equipamento).

No caso da redução da alíquota do Imposto de Importação concedida mediante a verificação de inexistência de equipamento similar fabricado no país, é evidente que a concessão da redução do imposto não pode se iniciar ao momento da publicação da Resolução CAMEX3, visto que a inexistência de máquina similar no país é apenas reconhecida pela autoridade pública. Nesse caso, a similaridade não resta constituída com a finalização do procedimento administrativo e a publicação da norma que reconhece a redução temporária da alíquota “ad valorem” do tributo, mas já estava presente desde a data do requerimento efetuado pelo contribuinte.

A decisão e publicação editadas pela Administração Pública simplesmente verificam as condições para aplicação da redução da alíquota do Imposto de Importação com base na falta de equipamento similar fabricado no país. Sendo assim, o ato administrativo de reconhecimento da inexistência da similaridade de equipamento fabricado no país para máquina importada tem conteúdo meramente declaratório, devendo ter efeitos desde a data do pedido realizado pelo seu requerente.

Antes da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da Quarta Região sobre o tema já era bastante relevante, determinando que a decisão administrativa estabelecendo a redução da alíquota do Imposto de Importação produziria efeitos desde o pedido efetivado pelo contribuinte, aplicando-se a alíquota reduzida para as Declarações de Importação registradas após o requerimento do Ex-Tarifario e antes da publicação da Resolução que lhe reconhece4:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.00.002589-7/RS
Relatora Juíza ELOY BERNST JUSTO
Segunda Turma
j. 05/05/2009
DJ 28/05/2009
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. EQUIPAMENTOS SEM SIMILAR NACIONAL. EX-TARIFÁRIO. REDUÇÃO DE ALÍQUOTA POSTERIOR AO DESEMBARA ÇO ADUANEIRO. RESOLUÇÃO CAMEX Nº 7, DE 25/04/2004. CABIMENTO DA EXTENSÃO DOS EFEITOS ÀQUELA DATA.
O art. 109, III, do Regulamento Aduaneiro, dispõe expressamente sobre o alcance da isenção ou redução de alíquota ao fato gerador do Imposto de Importação. A Resolução CAMEX nº 7, de 25/04/2004, concessória do benefício, não tem efeito retroativo, mas declaratório de uma situação fática constituída anteriormente à sua edição, sendo seus efeitos extensivos, e não retroativos, à data de apresentação das mercadorias para desembaraço aduaneiro. Portanto, cabível a aplicação do benefício concedido pela resolução aos próprios equipamentos sem similar nacional que serviram de base para o reconhecimento da redução de alíquota do Imposto de Importação.

Diante do caráter declaratório do Ex-Tarifário, seus efeitos devem viger desde seu pedido feito perante a CAMEX, razão pela qual sua publicação servirá apenas para dar publicidade ao ato de redução da alíquota do Imposto de Importação, mas não para constituir o direito do contribuinte.

O voto que conduziu a decisão proferida no Superior Tribunal de Justiça esclarece, ainda, que “a concessão do ‘ex tarifário’ equivale a uma espécie de isenção parcial. Em consequência, sobressai o caráter declaratório do pronunciamento da Administração. Com efeito, se o produto importado não contava com similar nacional desde a época do requerimento do contribuinte, que cumpriu os requisitos legais para a concessão do benefício fiscal, conforme preconiza o art. 179, caput, do CTN, deve lhe ser assegurada a redução do imposto de importação, mormente quando a internação do produto estrangeiro ocorre antes da superveniência do ato formal de reconhecimento por demora decorrente de questões meramente burocráticas.

O julgamento retira qualquer dúvida sobre o caráter declaratório do Ex-Tarifário e mostra que o acolhimento da pretensão do contribuinte a usufruir de alíquota reduzida do Imposto de Importação nas ocasiões em que o processo administrativo for anterior ao despacho para consumo deve ser de praxe. Não há como negar ao contribuinte, inclusive nos eventuais casos em que ele faça a opção por introduzir o bem importado em território brasileiro com o regime suspensivo aduaneiro, a possibilidade de usar a exceção tarifária, visto que ela existe desde o pedido que requisitava meramente o seu reconhecimento pela autoridade aduaneira.

O Superior Tribunal de Justiça contribui, portanto, não só para aperfeiçoar o entendimento sobre o tema, como efetivamente mostrar que o Poder Judiciário dará guarida ao direito dos importadores caso a demora do aparelho estatal efetivamente atrase o reconhecimento da exceção tarifária.

___________________

1 TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. CONCESSÃO DE "EX TARIFÁRIO". MERCADORIA SEM SIMILAR NACIONAL. PEDIDO DE REDUÇÃO DE ALÍQUOTA. RECONHECIMENTO POSTERIOR DO BENEFÍCIO FISCAL. MORA DA ADMINISTRAÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA RESTABELECIDA.
1. A concessão do benefício fiscal denominado "ex tarifário" consiste na isenção ou redução de alíquota do imposto de importação, a critério da administração fazendária, para o produto desprovido de similar nacional, sob a condição de comprovação dos requisitos pertinentes.
2. "O princípio da razoabilidade é uma norma a ser empregada pelo Poder Judiciário, a fim de permitir uma maior valoração dos atos expedidos pelo Poder Público, analisando-se a compatibilidade com o sistema de valores da Constituição e do ordenamento jurídico, sempre se pautando pela noção de Direito justo, ou justiça" (Fábio Pallaretti Calcini, O princípio da razoabilidade: um limite à discricionariedade administrativa. Campinas: Millennium Editora, 2003).
3. A injustificada demora da Administração na análise do pedido de concessão de "ex tarifário", somente concluída mediante expedição da portaria correspondente logo após a internação do bem, não pode prejudicar o contribuinte que atuou com prudente antecedência, devendo ser assegurada, em consequência, a redução de alíquota do imposto de importação, nos termos da legislação de regência.
4. A concessão do "ex tarifário" equivale à uma espécie de isenção parcial. Em consequência, sobressai o caráter declaratório do pronunciamento da Administração. Com efeito, se o produto importado não contava com similar nacional desde a época do requerimento do contribuinte, que cumpriu os requisitos legais para a concessão do benefício fiscal, conforme preconiza o art. 179, caput, do CTN, deve lhe ser assegurada a redução do imposto de importação, mormente quando a internação do produto estrangeiro ocorre antes da superveniência do ato formal de reconhecimento por demora decorrente de questões meramente burocráticas.
5. Recurso especial conhecido e provido. Sentença restabelecida

2 Art. 193. A apuração da similaridade para os fins do art. 118 será procedida em cada caso, antes da importação, pela Secretaria de Comércio Exterior, segundo as normas e os critérios estabelecidos nesta Seção.

3 A Resolução CAMEX é o instrumento legal pela qual o órgão de comércio exterior do Ministério de Desenvolvimento torna pública a exceção tarifária, descrevendo as características do equipamento, sua classificação fiscal e alíquota aplicável na importação do bem.

4 No mesmo sentido:
"TRF4
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. IPI. MÁQUINAS SEM SIMILAR NACIONAL. EX-TARIFÁRIO. REDUÇÃO DE ALÍQUOTA POR PORTARIA POSTERIOR À APRESENTAÇÃO PARA DESEMBARAÇO ADUANEIRO. ESTENSÃO DOS EFEITOS ÀQUELA DATA. CABIMENTO. IRRETROATIVIDADE. JUROS. INOVAÇÃO NA LIDE. CORREÇÃO MONETÁRIA. EXCLUSÃO.
1. A concessão do ex-tarifário reduzindo a alíquota do II é faculdade dada pela lei (art. 187 do Regulamento Aduaneiro, na vigência do Decreto nº 91.030/85 e art. 153, § 1º, da CF/88) e não vincula a autoridade competente ao mero encaminhamento desse pedido.
2. O art. 109, III, do Regulamento Aduaneiro, dispõe expressamente sobre o alcance da isenção ou redução de alíquota ao fato gerador do Imposto de Importação, ou seja, em data pretérita, em razão do verbo "ser" ter sido conjugado no pretérito imperfeito do indicativo e não no presente ou futuro.
3. Somente haveria Irretroatividade da portaria concessória do benefício se, após importação da mercadoria sobre a qual se pretendesse a redução tarifária, ingressasse o importador com o pedido, pretendendo que o seu deferimento também alcançasse anterior importação.
4. A portaria não tem efeito retroativo, mas declaratório de uma situação fática constituída anteriormente a sua edição e seus efeitos são extensivos (não retroativos) à data de apresentação das mercadorias para desembaraço aduaneiro.
5. Afronta os princípios informadores de nosso ordenamento jurídico, bem como os da proporcionalidade e da razoabilidade, o desamparo do benefício concedido pela portaria, as próprias máquinas sem similar nacional, que serviram de base para reconhecimento da redução de alíquota do Imposto de Importação.
6. O cálculo do IPI deve considerar a redução obtida no II, acrescido a sua base de cálculo.
(...)
(AC nº 2003.70.00.000120-2/PR, Primeira Turma, Relator: Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, D.J.U. de 05/04/2006).

“TRF4
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2003.72.08.007388-4/SC
Relatora Juíza Federal ELOY BERNST JUSTO
Segunda Turma
j. 22/01/2008
DJ 14/02/2008
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. VALOR DA CAUSA. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. EQUIPAMENTOS SEM SIMILAR NACIONAL. EX-TARIFÁRIO. REDUÇÃO DE ALÍQUOTA POR RESOLUÇÃO POSTERIOR À APRESENTAÇÃO PARA DESEMBARAÇO ADUANEIRO. CABIMENTO DA EXTENSÃO DOS EFEITOS ÀQUELA DATA.
O valor da causa deve corresponder ao efetivo conteúdo econômico que a impetrante pretende auferir com a medida judicial.
O art. 109, III, do Regulamento Aduaneiro, dispõe expressamente sobre o alcance da isenção ou redução de alíquota ao fato gerador do Imposto de Importação.
A resolução concessória do benefício não tem efeito retroativo, mas declaratório de uma situação fática constituída anteriormente à sua edição, sendo seus efeitos extensivos, e não retroativos, à data de apresentação das mercadorias para desembaraço aduaneiro.
Descabida a não aplicação do benefício concedido pela resolução aos próprios equipamentos sem similar nacional que serviram de base para o reconhecimento da redução de alíquota do Imposto de Importação.

___________________

* Rodrigo Francisco Vesterman Alcalde é advogado do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes, Rennó, Aragão – Advogados.

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