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Lucros de 2014 e distribuição segundo as novas regras contábeis

É conveniente que as empresas façam uma avaliação do lucro disponível para distribuição no que se refere ao ano-calendário 2014, comparando os valores apurados segundo a legislação societária.

18/9/2014

O art. 72 da lei 12.973/14 (resultado da conversão em lei da MP 627/13) estipulou regra de transição claramente deficiente para o regime tributário de lucros ou dividendos distribuídos pelas pessoas jurídicas com base no resultado apurado entre 1/1/2008 e 31/12/2013. Há evidente lacuna no tocante aos lucros apurados entre 1/1/2014 a 31/12/2014, dado que a lei 12.973/14 só entra em vigor, neste particular, em 1/1/2015 (art. 119).

Segundo o referido dispositivo legal, os lucros distribuídos com base no resultado daquele período, mesmo que superiores aos valores apurados segundo a legislação societária que vigorava até 31/12/2007, ficam dispensados da incidência de IR na fonte, e não integram a base de cálculo dos tributos devidos pela beneficiária pessoa física ou jurídica.

O comando normativo teve origem no art. 67 da MP 627/13, que por força do art. 70 daquele diploma só se aplicava aos contribuintes que optassem, já para o ano de 2014, pela adoção das novas regras contábeis decorrentes da profunda modificação havida na legislação societária com as leis 11.638/07 e 11.941/09. Na conversão em lei prevaleceu a não-incidência de tributos independente da opção feita pelo contribuinte para antecipar para o ano de 2014 as novas regras contábeis.

A polêmica havia surgido com o art. 26 da Instrução Normativa 1.397/13 da Receita Federal do Brasil, que pretendia excluir da isenção do art. 10 da lei 9.249/95 os lucros distribuídos naquele período (2008 a 2013) quando superiores ao resultado apurado segundo as regras societárias e contábeis vigentes em 2007, na esteira da lógica de que o Regime Tributário de Transição (lei 11.941/09) deveria implicar neutralidade das novas regras, sob a ótica fiscal.

Ocorre que o art. 72 da lei 12.973/14 deveria ter estendido o tratamento ali previsto para os resultados apurados inclusive no ano de 2014 – como estendeu, aliás, para as hipóteses do art. 73 (tratamento dos juros sobre o capital próprio) e do art. 74 (avaliação de investimentos pelo método da equivalência patrimonial), que igualmente foram objeto da interpretação restritiva fazendária na citada IN 1.397/13 (arts. 14 e 16).

Mas na forma como ficou redigido o art. 72 pode gerar contingências para as empresas que não tenham optarado pela antecipação das novas regras contábeis já para 2014 (com a entrega da DCTF do mês de Agosto/14, conforme Instrução Normativa 1.469/14, art. 2º), já que em princípio a lei 12.973/14 só prevalece a partir de 1/1/2015. Vale dizer, se os lucros distribuídos com base no resultado apurado em 2014 estiverem amparados em demonstrações financeiras levantadas com base nas novas regras contábeis, em teoria não poderão ser superiores aos lucros que estariam disponíveis para distribuição sob a ótica das normas vigentes até 2007, sob pena de incidência de imposto de renda na fonte e/ou na declaração dos beneficiários.

É ponderável considerar que o art. 72 da lei 12.973/14 não é uma norma propriamente exonerativa, pois embora disponha sobre a não-incidência de tributos, na verdade traz em seu bojo uma regra quase que interpretativa – tanto é assim que retroage seus efeitos aos resultados apurados desde 2008 (e essa retroatividade só seria admitida, a rigor, na hipótese do art. 106, I, do CTN), e foi claramente incluída na lei para que não prevalecesse a absurda tese fazendária contida na citada IN 1.397/13.

Caso prevaleça, no entanto, a leitura de que se trata de norma exonerativa, é sempre possível que o desgastado argumento da interpretação literal seja adotado pelo fisco, com base no art. 111 do CTN - comando que, aliás, não raro é interpretado (ele mesmo) de maneira mais contundente pelas autoridades fazendárias, no sentido de imposição de uma leitura “restritiva” (que, é evidente, extrapola o sentido da interpretação "literal" ali contida).

É conveniente que as empresas façam uma avaliação do lucro disponível para distribuição no que se refere ao ano-calendário 2014, comparando os valores apurados segundo a legislação societária em vigor com aqueles dimensionados segundo as regras contábeis antigas, e em alguns casos é recomendável até mesmo formular consulta ao fisco para evitar penalidades – a menos que uma regulamentação do dispositivo esclareça a matéria satisfatoriamente.

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*Rogério Pires da Silva é advogado do escritório Boccuzzi Advogados Associados.

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