Migalhas de Peso

Responsabilidade solidária pela formação de grupo econômico

Responsabilidade solidária de uma empresa pelos débitos previdenciários de outra não se presume, deve ser, ao contrário, comprovada.

15/8/2014

O artigo 146 da CF/88 confere à lei complementar a prerrogativa de estabelecer normas gerais em matéria tributária, incluindo a definição de tributos e de contribuintes. Nesse sentido, o CTN, que foi recepcionado pela CF/88 como lei complementar, tratou, em seu Capítulo IV, do sujeito passivo da obrigação tributária e, mais especificamente, em seu artigo 124 da responsabilidade solidária.

O artigo 124 do CTN possui dois incisos1. O primeiro inciso define que são solidariamente responsáveis as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. O segundo inciso, por sua vez, determina que são igualmente responsáveis solidárias as pessoas expressamente designadas por lei.

A lei 8.212/91, que dispõe sobre o Plano de Custeio da Previdência Social, determinou, em seu artigo 30, inciso IX2, que as empresas que integrem um mesmo grupo econômico respondem solidariamente pelos débitos previdenciários.

O artigo 494 da Instrução Normativa 971/093, que dispõe sobre normas gerais de tributação previdenciária e de arrecadação das contribuições previdenciária, definiu grupo econômico quando duas ou mais empresas, embora com personalidade jurídica própria, estejam submetidas à direção e controle centralizados.

Assim sendo, em princípio, com base nos artigos 124, inciso II, do CTN e 30, inciso IX, da lei 8.212/91, estando duas ou mais empresas submetidas a uma mesma direção ou controle, cada uma delas responderá solidariamente pelos débitos previdenciários da outra, sem benefício de ordem.

No entanto, entendemos que não se pode fazer uma análise simplista e literal dos dispositivos. Em uma análise sistemática, verifica-se que a responsabilidade solidária com base no artigo 30, inciso IX, da lei 8.212/91 apenas se justifica caso haja dentro do grupo interesses econômicos comuns, que são verificados não apenas pelo controle centralizado, mas também pelo compartilhamento de funcionários, estabelecimentos, transferência de créditos entre empresas, e, eventualmente, a existência de confusão patrimonial entre elas.

Nesse sentido, confira-se trecho de decisão do STJ: "Ganha relevo essa tese quando se depreende que, além do comando ser centralizado na pessoa do sócio-gerente de uma das empresas recorrentes, os funcionários da três eram compartilhados, de molde a justificar a existência de solidariedade quanto ao pagamento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos trabalhadores a serviço das três empresas." (Recurso Especial nº 1.144.884/SC, STJ, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 3.2.2011)4.

Dessa forma, volta-se a análise ao artigo 124, inciso I, do CTN, que exige o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal para que se configure a responsabilidade solidária. Assim, a nosso ver, para que haja a responsabilização solidária de uma empresa pelos débitos previdenciários de outra, pertencente a um mesmo grupo econômico, deve-se verificar, no caso concreto, se existe um conjunto fático probatório de que houve o interesse comum entre as empresas na constituição do fato gerador que deu origem ao débito previdenciário.

Enfim, é importante lembrar que a responsabilidade solidária não se presume, deve ser, ao contrário, comprovada.

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1 “Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.”

2 “Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:
IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei.”

3 “Art. 494. Caracteriza-se grupo econômico quando 2 (duas) ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica.”

4 Da mesma forma, existem decisões dos Tribunais Regionais Federais da Primeira e Terceira Região: (i) Agravo de Instrumento nº 00102119020114030000, TRF da Terceira Região, Quinta Turma, Relator Desembargador Federal Antônio Cedenho, DJe 14.7.2011; (ii) Apelação Cível nº 2001.38.00.021825-6, TRF da Primeira Região, Sexta Turma Suplementar, Relator Juiz Federal Convocado André Prado de Vasconcelos, DJe 3.8.2011; e (iii) Agravo de Instrumento nº 00088151020134030000, TRF da Terceira Região, Quarta Turma, Relator Desembargador Federal André Nabarrete, DJe 16.12.2013.

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*Cristiane I. Matsumoto Gago e Christiane A. Alvarenga são associadas da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.

 

 




 






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* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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