Migalhas de Peso

O Monge e o Advogado

Podemos ser nós mesmos os monges de nossas histórias, passando aos que nos são próximos, principalmente às novas gerações, os valores que nos norteiam e que queremos ver no mundo.

14/8/2014

Recentemente li uma notícia de que cerca de 80% dos exemplares do livro O Monge e o Executivo, do americano James Hunter, foram vendidos no Brasil. Em decorrência desse sucesso, o autor lançará no país seu novo livro. O tom de parábola do livro teria caído no gosto do brasileiro, afeito a ouvir histórias, acredita o autor, atribuindo também o sucesso à atual inclinação do brasileiro para refletir sobre liderança e processos.

Não li o livro, portanto não me incluo nos 80% que asseguraram seu sucesso, mas sim sei se tratar de um livro sobre liderança, em que um monge passa a um executivo em crise ensinamentos sobre comportamentos de liderança, destacando o conceito de líder servidor.
A proximidade com a data em que se comemora o dia dos advogados me fez refletir se haveria ensinamentos similares desse monge para um advogado. Pus-me a imaginar o encontro...

Chega o advogado brasileiro ao mosteiro, em que vive recluso o monge. Em suas primeiras reflexões, o advogado explica ao monge sobre coisas que vêem ocupando sua mente.

“Monge, todos os dias se lê nos jornais tantas mortes. É pai que mata filho, filho que mata pai, assassinatos cruéis, latrocínios, guerras! É tanta morte, tanta crueldade, e pior que nem me atordoam como já me atordoaram...”.

E continua, após um olhar benevolente do monge: “muita notícia sobre corrupção, falta de ética, monge. Pessoas que deveriam nos representar, mas que ao fim só buscam concentração de poder ou vantagens pessoais, ou as duas coisas. E não se importam com o bem comum, com o coletivo. Nossos políticos abrem mão de ideologias que dizem defender para entrarem em conchavos, que chamam de acordos políticos, com a finalidade de obter mais alguns segundos de exposição em programas de TV e rádio”.

O monge, que raciocina sobre essas angústias do alto de sua sapiência reclusa, consequentemente distante de quem as vive diuturnamente, pondera que esses parecem ser tempos de banalização dos valores fundamentais da humanidade, que já não preza pelos princípios que balizam nossa existência em sociedade.

Refletindo, o monge questiona o advogado: “por que você escolheu essa profissão? Por que buscou sentar-se nos bancos de uma faculdade que estuda o Direito, as normas que regem a sociedade?”

Profunda reflexão do advogado, que recorda da sua adolescência e as opções profissionais que à época de tenra idade se lhe apresentavam, a vocação que à época lhe empurrou para a carreira, o que o apaixonava nos advogados que então conhecia. Mas não esboça resposta, imerso nas lembranças e buscando a resposta mais correta.

Sem esperar a resposta que não vem, o monge continua: “Você fez uma escolha, e provavelmente antes mesmo de materializá-la ingressando na faculdade, já vivenciava um compromisso com o cumprimento das leis, com a ética. Você tem o privilégio de compreender esse ordenamento e como ele se embasa, portanto tem o compromisso de exercer, e de fazer com que outros exerçam, seus direitos. Você tem um compromisso com a ética.”

“Mas, monge, eu sou um simples profissional do direito, não sou um líder, não exerço qualquer liderança sobre ninguém, quiçá sobre alguns advogados mais jovens que trabalham comigo...”, argumenta o advogado.

Em tom confortador, replica o monge: “E precisa? Não basta que você faça a sua parte, que exerça sua cidadania, cobrando dos seus representantes que ajam conforme os valores e princípios que o orientam? Basta que vote e eleja seus representantes para que ajam como tal?”
“Não deixe que o compromisso que assumiu com a profissão se limite aos seus afazeres diários. Manifeste suas indignações e exija que o correto prevaleça. Deixe-se indignar com o que vir de errado. Não permita que as banalizações virem o lugar comum. Viva você como o líder que deseja que os outros sejam, seja você um exemplo para os que o cercam.”

Enfim, fica a reflexão: precisamos de um monge que nos transmita ensinamentos que temos tão latentes? Penso que podemos ser nós mesmos os monges de nossas histórias, passando aos que nos são próximos, principalmente às novas gerações, os valores que nos norteiam e que queremos ver no mundo.

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*Erica Barbagalo é diretora Jurídica e membro do Jurídico de Saias.

 

 

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