Nesta semana, houve grande repercussão na mídia nacional envolvendo a decisão judicial proferida pelo TRT da 4ª região por meio de sua 4ª turma, em decisão relatada pelo I. Des. Marcelo Gonçalves de Oliveira, onde o Tribunal condenou a empresa a pagar à Reclamante uma indenização no montante de R$ 20 mil, atribuindo à empresa a responsabilidade pelo divórcio da Reclamante.
Segundo a decisão, a reclamante teria comprovado por meio de seu depoimento, que o início dos desentendimentos com os seu marido deu-se por conta de sua constante ausência do lar, já que, de acordo com a Reclamante, a empresa exigia que ela passasse grande parte de seu tempo trabalhando, envolvendo, em algumas oportunidades, sua presença durante folgas e feriados.
Segundo o entendimento da câmara julgadora, a jornada de trabalho acarretou danos ao casamento da Reclamante, motivando a concessão da indenização. A decisão ainda não é definitiva e as partes podem recorrer ao TST.
Essa decisão consagra a teoria do dano existencial, que, segundo JORGE CAVALCANTI BOUCINHAS FILHO e RUBIA ZANOTELLI DE ALVARENGA1 “...decorre da conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade; ou que o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal.”
Não temos a intenção de desprestigiar ou sequer relativizar a importância da teoria do dano existencial. Contudo, com a devida venia, respeitando-se os demais entendimentos em sentido contrário e louvando o notório saber jurídico dos ilustres magistrados que participaram do julgamento em referência, defendemos que a posição externada pelo E. Tribunal deve ser analisada com muito critério e cautela.
Atribuir à jornada de trabalho de uma pessoa a responsabilidade pelo término de um relacionamento conjugal, tendo-se como principal elemento de prova o depoimento pessoal da própria reclamante, nos parece uma medida demasiadamente penosa ao empregador e um ônus que, data maxima venia, não pode ser-lhe integralmente transferido. As escolhas, as prioridades de vida e a qualificação profissional, dentre outros fatores, pertencem, exclusivamente, ao trabalhador, que no livre exercício e gozo de suas faculdades mentais, pode, criteriosamente, decidir se a manutenção desse ou aquele emprego é uma medida salutar para si e para sua família.
Ainda que se tenham como verídicos os fatos narrados pela reclamante, a inércia da reclamante em procurar outra oportunidade profissional ou de, ainda que anonimamente, denunciar a situação aos órgãos públicos (Delegacia Regional do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho), ao nosso ver, imputam à reclamante a “maior parte” da responsabilidade pelo término de seu relacionamento conjugal, se é que o fim de um relacionamento conjugal possa ser atribuído a terceiros, quaisquer sejam eles.
Com todas as ressalvas necessárias, não concordamos com o posicionamento externado pelo E. Tribunal na decisão comentada. As peculiaridades que envolvem o referido caso nos permitem sustentar que não pode se transferir ao empregador a responsabilidade pelo término de um relacionamento conjugal. A mera capacidade civil dos cônjuges e pleno exercício de suas faculdades mentais, por si somente, excluem a responsabilidade (indevidamente) imputada ao empregador pelo término do relacionamento conjugal da Reclamante e o seu cônjuge.
Como operadores do direito, devemos estar atentos para que a aplicação da teoria do dano existencial não seja banalizada como há tempos buscou-se fazer com o instituto do dano moral.
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1 O Dano Existencial e o Direito do Trabalho. Disponível em https://www.lex.com.br/doutrina_24160224_O_DANO_EXISTENCIAL_E_O_DIREITO_DO_. Acesso em 25.07.2014, às 15:23 horas.
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* Mariana Afonso é advogado do escritório Roncato Advogados.