Migalhas de Peso

O improviso na advocacia corporativa

Uma decisão não tão boa, tomada no momento certo, é muito mais valiosa do que uma decisão perfeita no momento inadequado.

12/8/2014


Há algum tempo li um livro comprado no aeroporto, escolhido sem grande critério na pressa para embarcar, que acabou sendo uma agradável e divertida surpresa. O livro em questão é o Bossypants, da Tina Fey, comediante conhecida no Brasil mais por seus filmes e menos por sua atuação no Saturday Night Live, programa pelo qual passaram comediantes de peso, como Dan Aykroyd, Will Ferrell, Chevy Chase, Billy Crystal, Eddie Murphy, entre tantos outros.

O livro, autobiográfico, acabou sendo citado em vários artigos do mundo dos negócios por causa do capítulo no qual ela conta da época quando trabalhou em Chicago num teatro de improviso. Os artigos dizem que as regras de improviso podem ser seguidas em outros ramos de atividade e não apenas no teatro. O que me fez pensar que podem ser aplicadas no exercício da advocacia corporativa.

A primeira regra é “CONCORDE”. Aliás, “CONCORDE E DIGA SIM”. Como traduzir esta regra para o nosso dia a dia de consultores jurídicos? Parece difícil, mesmo porque ela contraria a imagem que muitas empresas fazem do departamento jurídico como a área que sempre diz não. Ou a área que “engessa” o negócio. Certamente não é prudente dizer sim sempre. Talvez o sim não precise ser dito em voz alta. Talvez o sim deva vir daquela voz interior que todos temos e que, neste caso, irá nos ajudar a ouvir com a intenção de concordar, com a genuína vontade de entender o que está sendo proposto para que possamos, uma vez compreendida a perspectiva do outro, colaborar. Infelizmente vi muitas vezes advogados irem para a mesa de negócios com pouca disposição para participar ativamente das discussões. E assim perderam boas oportunidades de se tornarem mais confiáveis e valorizados. Que interessante seria se nos dispuséssemos a listar uma série de razões para reforçar a proposta ao invés de imediatamente começarmos a pensar nas razões pelas quais ela não deveria ser aceita. Certamente o resultado deste exercício seria muito positivo – e criativo, alçando o advogado a um novo patamar de excelência.

A segunda regra do improviso é dizer “SIM, E”. Aqui também vêm à mente situações nas quais dissemos “sim, mas”, que é apenas um outro jeito de dizer não. Esta regra, segundo a Tina Fey, serve para que as pessoas não tenham medo de contribuir e de adicionar algo à proposta do outro. Ela diz que seja qual for o problema, devemos fazer parte da solução. Em nossa vivência corporativa, para fazermos parte da solução, temos que ter um bom repertório, conteúdo, experiência, e saber conectar os assuntos, ampliar a visão e não apenas ter foco num determinado ponto. A meu ver, uma das habilidades mais admiradas em um advogado corporativo é conseguir passar da visão ampla para o detalhe e vice-versa. Entender profundamente uma situação e também pensar nas repercussões e implicações globais, especialmente se trabalhar para uma empresa multinacional. E mais ainda, saber pensar além dos chamados silos, o que requer conhecimento das outras áreas e não apenas da área jurídica. Dá trabalho, mas vale o esforço.

A próxima regra é a de “FAZER AFIRMAÇÕES”, um contraponto para fazer perguntas. Naturalmente todo advogado faz perguntas. Não tenho dúvidas de que perguntas bem feitas levam a um melhor entendimento dos assuntos. Mas aqui de novo o conselho é contribuir, cooperar, envolver-se. Simplesmente perguntar não faz de nós melhores advogados, e sim os “chatos” de plantão. Que tal de vez em quando refrearmos nossos instintos questionadores e começarmos a dizer coisas como: podemos fazer isso de tal jeito, ou, esta ideia pode parecer um pouco “fora da caixa”, mas eu gostaria de propor o seguinte? Esta regra também está relacionada à assertividade e se aplica muito bem à nossa profissão, pois todo advogado é mais respeitado quando fala com convicção. Não precisamos saber tudo, mas acho fundamental sabermos o suficiente para transmitirmos credibilidade e segurança quando nos comunicamos.

O que nos leva para a próxima e última regra: “NÃO EXISTEM ERROS”. Neste ponto acredito ter provocado o crítico interior da maioria dos advogados. Somos levados a acreditar que há pouca tolerância para erros na área jurídica, até porque os nossos erros podem levar a riscos e prejuízos enormes e fazemos dessa crença um dogma que nos paralisa. Errar faz parte. Assumir riscos também. Acreditem, as pessoas de negócios têm um bom apetite para risco. São pessoas que aprenderam a tomar decisões rapidamente sem disporem de todos os fatos. No nosso mundo jurídico temos às vezes dificuldade em tomar decisões. E quando o fazemos, nossa tendência é a de tomarmos decisões apenas após diversas análises. Aprendi que uma decisão não tão boa tomada no momento certo é muito mais valiosa do que uma decisão perfeita no momento inadequado. A agilidade dos negócios exige que as pessoas, inclusive nós, os advogados, sejamos rápidos e que não tenhamos tanto medo de errar, de analisar determinado risco e decidir (sim, decidir e não apenas opinar) se vale a pena levar a ideia adiante. Convenhamos que não é produtivo termos o mesmo rigor na análise de um assunto de média a baixa importância quanto na de um outro importante e urgente. Precisamos saber priorizar. Naturalmente sem deixarmos de lado a ética e o respeito às leis.

Afinal, com lei e ética não se improvisa. Para podermos improvisar no mundo jurídico é fundamental termos uma linha muito clara de conduta, valores firmes e demonstrados diariamente. Assim, as empresas para as quais prestamos serviços saberão que o seu advogado tem flexibilidade suficiente para dizer sim, contribuir, dar sua opinião e tomar decisões sem medo de errar, e que tudo isso está firmemente amparado em seu conhecimento das leis e em sua postura correta e justa.

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Christina Montenegro Bezerra é diretora no Brasil da Covidien e membro do grupo Jurídico de Saias.


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