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Contratos de franquia versus Canibalismo

A ocorrência do “canibalismo”, ou seja, a conduta adotada por um dos segmentos da franqueadora com vistas a prejudicar ou aniquilar outro, quando deveriam caminhar em conjunto no desenvolvimento e expansão do negócio, é prática que pode e deve ser combatida.

12/8/2014

O modelo de franquia empresarial está fundado no sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de uma marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta. É o que diz o art. 2º da lei 8.955/94, que trata do tema.

Nesse contexto, pode-se dizer que franqueadora e franqueado atuam como parceiros e em benefício recíproco, na medida em que interessa à franqueadora que o franqueado promova o fomento, maximização e expansão de seu negócio, marca, produto ou serviço, com o ânimo e agressividade inerentes àqueles que têm metas a ser alcançadas. Ao franqueado, em contrapartida, é interessante desenvolver um negócio, marca, produto ou serviço já consolidado no mercado, podendo contar, desde o início, com um planejamento dos custos de instalação e um plano de negócios que provavelmente não seria tão completo ou amplo na visão do pequeno empreendedor independente.

As disposições contratuais, como não poderiam deixar de ser, trazem algumas “amarras” ao franqueado, no entanto. Parece razoável e esperado que a franqueadora exija de seu parceiro franqueado sigilo e confidencialidade em relação às informações a que invariavelmente terá acesso, que não se envolva com negócios do mesmo ramo de atividade na constância do contrato de franquia ou durante determinado período após eventual rescisão, evitando, assim, que o franqueado se aproveite dos segredos do negócio em benefício próprio ou incorra em alguma das condutas tipificadas como sendo de concorrência desleal.

Espera-se, por outro lado, que também a franqueadora cumpra obrigações que nada mais representam do que a probidade e boa-fé que devem reger toda e qualquer relação contratual. Assim como o franqueado não deve agir de maneira a prejudicar a franqueadora, esta também deve zelar para dispensar o mesmo trato ao franqueado, seu parceiro.

Não é novidade que existem inúmeros casos de franqueados que se utilizaram do contrato de franquia para ter acesso a modelos de negócios e informações para utilização posterior em negócios próprios ou terceiros, no mesmo ramo de atividades. Em casos tais, os Tribunais têm corretamente determinado o pagamento das correspondentes multas por descumprimento contratual, além do ressarcimento das perdas e danos, quando o caso.

Todavia, a surpresa ocorre quando o descumprimento contratual tem origem inversa, ou seja, quando a franqueadora passa a prejudicar seus próprios franqueados – seus parceiros – com práticas que se distanciam da ética comercial e se aproximam da concorrência desleal. E o termo “surpresa” vem colocado porque não se espera que a franqueadora tenha a intenção de prejudicar aquele que está justamente fomentando e maximizando seu negócio no mercado, fortalecendo sua marca e fazendo com que determinado produto ou serviço chegue cada vez mais a um maior número de destinatários, em um modelo de negócios de cooperação e benefício recíprocos.

Disponibilização de preços e condições de pagamento distintos a unidades da própria franqueadora e do franqueado, quando o contrato prevê igualdade de condições para todo e qualquer canal de comercialização – lojas físicas, e-commerce e televendas, por exemplo –, e prospecção de clientes dos franqueados, direcionando-os para outros canais de venda, quando o contrato garante a proteção em relação a tal comportamento, são algumas das condutas que vêm surgindo e se mostrando presentes neste ramo de negócios.

A ocorrência do “canibalismo”, ou seja, a conduta adotada por um dos segmentos da franqueadora com vistas a prejudicar ou aniquilar outro, quando deveriam caminhar em conjunto no desenvolvimento e expansão do negócio, é prática que pode e deve ser combatida.

A existência de disposições contratuais que garantam ao franqueado a proteção contra eventuais abusos, somada à legislação1 em vigor, que consolidou a boa-fé objetiva como norma cogente, não deixam dúvidas acerca da caracterização desta prática como antijurídica e, como tal, sujeita às devidas sanções. A identificação e apuração de eventuais prejuízos suportados pelo franqueado lesado, a ser feita caso a caso, possibilita a tomada das medidas necessárias à justa e devida reparação de danos, legalmente garantida.

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1 Código Civil, Art. 422 – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
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Patrícia Dabus Buazar Ávila é advogada do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados.

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