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Marco civil da internet

A vigência dessa lei impactará sem dúvida na vida privada e também na vida pública de todos aqueles que a utilizam a internet. Assim, as implicações dizem respeito às empresas, pessoas jurídicas de direito público, Poder Judiciário e usuários de internet.

16/7/2014

Inicia-se, hoje, a vigência do Marco Civil da Internet no Brasil, tratado pela Lei n. 12.965/2014. A construção de uma disciplina legal para tratar da internet não é tarefa fácil devido, entre outros fatos, à constante atualização da própria tecnologia, o que permite uma frequente ampliação de sua utilização. A maior parte dos possíveis problemas jurídicos em tecnologia emídia, são tratados em leis não específicas de internet. Na construção de um marco civil para a internet, questiona-se o que seria de fato tratado em uma lei que cuida apenas desse aspecto. Nesse ponto, acertou-se em determinar, princípios, fundamentos e objetivos na utilização da internet no Brasil, de forma a criar diretrizes para a criação de um marco civil que não está disposto exclusivamente na Lei n. 12.965/2014, mas também em outras disposições legais previstas.

A vigência dessa lei, impactará sem dúvida na vida privada e também na vida pública de todos aqueles que a utilizam a internet. Assim, as implicações dizem respeito às empresas, pessoas jurídicas de direito público, Poder Judiciário e a todos que agora passam a constituir um novo ente de direitos na condição de usuário de internet. Boa parte dos problemas foram passados para serem resolvidos pelo Poder Judiciário, que certamente deverá se adaptar ao julgamento de questões envolvendo internet, principalmente, se utilizando de experts muito bem preparados para auxiliar os juízes em perícias técnicas.

A fase de deslumbramento com a internet ainda não terminou e as discussões preliminares praticamente cuidaram apenas de termas como liberdade de expressão, direito à intimidade etc., mas o Marco Civil atribuiu à rede também uma função ativa de colaboração com o exercício da cidadania nos meios digitais. Em outras palavras, foi reconhecida a finalidade social da rede. A criação de novos serviços e meios de relacionamentos são frequentes e o Direito deve ao menos tentar estabelecer princípios gerais e garantias indiscutíveis para um melhor relacionamento na internet. É nesse sentido que nova lei pode auxiliar.

A proteção da privacidade e dos dados pessoais, a preservação da neutralidade de rede e da natureza participativa, bem como da liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet foram tratados na condição de princípios, ou seja, nem todas as repercussões de cunho jurídico foram tratadas na lei. Ainda não se sabe o alcance prático de tais normas, de forma que a contribuição da doutrina e a realização dos primeiros julgamentos envolvendo os temas também contribuirão de forma determinante na construção da disciplina jurídica da internet no Brasil.

O auxílio interpretativo fornecido pelo legislador recomenda que a atenção do intérprete considere não apenas os princípios, objetivos e fundamentos previstos na lei, mas, sobretudo, a natureza da internet, seus usos e costumes e sua relevância para o desenvolvimento humano, econômico, social e cultural.

Os usuários tem como direito e garantia a inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações, inclusive, nas comunicações privadas armazenadas, o que pode ser desconsiderado em caso de ordem judicial que entenda necessária a quebra do sigilo. Dessa forma, o tratamento dado às comunicações via internet estarão sob o mesmo manto de proteção das comunicações telefônicas, por exemplo, o que certamente provocará o estabelecimento de critérios precisos para a concessão da ordem, ainda que lei específica não venha a regular tais condições.

Merece atenção a regulamentação pelo Marco Civil da provisão de conexão e de aplicações da internet, uma vez que estabelece a neutralidade da rede. Isso repercute na atribuição de tratamento indiferenciado por parte do responsável pela transmissão a quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. Ou seja, em regra, não se pode admitir a discriminação ou degradação do tráfego. Devido a tal determinação, a atividade de investigação de tais práticas na internet serão frequentes para reunir provas de tratamento diferenciado. Certamente alguns problemas de ordem técnica aparecerão e serão solucionados por difíceis perícias para a comprovação ou não de determinados privilégios na divulgação de informações na rede, sobretudo, com finalidade econômica.

A lei foi categórica ao tratar da responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. O provedor de conexão não será responsável, salvo se descumprir ordem judicial específica, por tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente ou, de forma subsidiária, pela violação da intimidade decorrente da divulgação, de imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, se após o recebimento de notificação do interessado, deixar de promover a indisponibilização do conteúdo. É claro que os provedores tomarão as cautelas necessárias para inibir qualquer forma de responsabilidade por conteúdos de terceiros. Diante das várias críticas realizadas ao Marco Civil, talvez aqui esteja o maior argumento, que julgamos infundado, daqueles que acusam a lei de ser uma grande limitadora da liberdade de expressão. Sem entrar na discussão apenas nos cabe advertir, que a falta de análise conjunta com outros direitos e garantias do mesmo calibre é necessária para afastar quaisquer interpretações equivocadas sobre limitações de direitos.

Algumas questões continuaram descobertas pelo Marco Civil, tais como a questão da neutralidade de conteúdo. A porta de entrada da internet é feita pelos buscadores (Google, Bing outros). Mas nem sempre o que o internauta recebe como resultado da pesquisa é neutro. Isso é perigoso e deveria ser regulado. A questão das investigações também é um ponto de atenção pois a lei fala da possibilidade de descobrir um infrator que usa a internet e obriga os provedores que guardar os logs (arquivos) dos usuários. Há, porém, uma exceção perigosa, no caso de ser pessoa física ou jurídica que fins lucrativos. Nestes casos não haverá obrigação de guarda e, portanto, está sendo criado um ambiente em que ninguém poderá ser identificado e a consequência é a impunidade.

Enfim, a lei que passa a vigorar a partir de agora funcionará como uma nova fonte de obrigações para os estudiosos do direito digital, o esperado Marco Civil da Internet resultou de um rápido processo legislativo, é claro, para os padrões nacionais. Há reclamações sobre a insuficiência das discussões realizadas para a pronta publicação da lei. Como não poderia deixar de ser, os debates foram fervorosos, as críticas inúmeras e os inconformismos sempre presentes, antes, durante, e após a publicação. Independentemente de tudo isso, a lei aí está e com ela devemos construir a interpretação necessária para a sua aplicação mais viável na utilização da Internet, sobretudo, nas questões relacionadas ao comércio eletrônico. Talvez, com uma disciplina jurídica séria da internet consiga-se fazer um regramento democrático, justo e em benefício de todos, o que com outras mídias não foi possível.

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* Fabiano Del Masso é coordenador do curso de Direito da Universidade Mackenzie, Juliana Abrusio é professora de Direito nos Meios Eletrônicos e advogada do primeiro escritório especializado em direito eletrônico do Brasil e Marco Aurélio Florêncio Filho é vice-presidente da Comissão de Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP. Os três são autores do livro Marco Civil da Internet, da Revista dos Tribunais, selo editorial da Thomson Reuters.

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