O futebol alegre e ofensivo da Colômbia, que é jogado por uma equipe motivada, solidária e divertida (‘armeration’ e suas variações estão aí para fazer sorrir a pessoa mais sisuda), tem história. E como toda boa história tem vários tons de cinza. Afinal, embora não ostente muitos títulos, o futebol colombiano é pródigo em anedotas. Títulos: ganharam em casa a Copa América de 2001; participaram de cinco Copas do Mundo (1962, 1990, 1994, 1998 e 2014) e tiveram seu melhor resultado em 1962 com o 14º. lugar; conquistaram o tricampeonato Sul Americano Sub-20 em 2013.
Anedota I: No final da década de 1940, criou-se uma liga de futebol paralela na Colômbia que, sem observar as regras da FIFA, atraiu craques de dentro e de fora do país que estavam descontentes com os salários recebidos em seus clubes. Evidentemente, por trás da rebeldia, essa iniciativa visava aumentar o lucro dos dirigentes colombianos e, como repercutia nos rendimentos das demais federações, foi reprimida pela FIFA. De qualquer modo, a época do ‘El Dorado’ impulsionou a popularidade do futebol que, hoje, é o principal esporte praticado no país.
Anedota II: Em 1982, o presidente colombiano Belisario Betancur recusou-se a organizar a Copa do Mundo de 1986, alegando que “servir à multinacional do futebol” seria uma extravagância quando a situação econômica do país era delicada e a prioridade era combater a criminalidade e investir em áreas sociais. No final das contas, a competição foi sediada no México, mas os investimentos necessários não foram realizados na Colômbia. A violência chegou ao ápice, sendo exemplar a tomada do Palácio de Justiça em novembro de 1985.
Anedota III: Nas eliminatórias da Copa de 1994, o selecionado colombiano protagonizou uma tremenda façanha. Golearam por 5x0 a equipe argentina em pleno estádio Monumental (Buenos Aires, Argentina). O time colombiano foi tão habilidoso e jogou tão bonito que chegou a ser aplaudido de pé pelos próprios torcedores argentinos após o final da partida.
Tragédia: qualquer pessoa que acompanhe o futebol (ainda que apenas na época da Copa) sabe que esse não é um esporte justo. Nem sempre vence a melhor equipe ou a tática de jogo mais bonita. De acordo com as regras, ganha quem faz gol. E a Copa de 1994 não fugiu à regra. Uma das melhores seleções já vistas foi eliminada precocemente do mundial, contando com um gol contra do seu zagueiro. Mas, a tragédia não está na derrota esportiva. Afinal, como afirmou o zagueiro Andrés Escobar ao escrever sobre a eliminação, “a vida não acaba aqui”. A catástrofe está no assassinato desse zagueiro e nos indícios de envolvimento do narcotráfico no futebol.
E as relações trabalhistas na Colômbia? Seguem a mesma toada do futebol e da realidade latino americana. Depois do período colonial, a Colômbia teve (e tem) de lidar com as consequências da instabilidade territorial, política e social, enfrentando sucessivas crises e ondas de violência (Guerra dos Mil Dias, A Violência, guerrilheiros das FARC, forças paramilitares e narcotráfico).
Hoje, com uma economia pautada na exportação de matérias primas e na abertura do mercado interno, a Colômbia é considerada uma média potência graças ao consistente desempenho econômico na última década. É a quarta economia da América Latina, apresentando um crescimento de mais de 4% do PIB nos últimos três anos. Apesar disso, a má distribuição de renda e a guerrilha civil que se estende por décadas impactam negativamente o sistema de relações do trabalho.
Embora exista uma legislação trabalhista protetiva, que é reforçada pela ratificação de todas as convenções fundamentais do trabalho (no total, foram ratificadas 61 convenções OIT, estando vigentes 54), um sistema de inspeção do trabalho e uma justiça especializada, a ineficácia das normas redunda em precarização. A flexibilização crescente das relações de trabalho por meio da terceirização, subcontratação e desfiguração das relações trabalhistas em contratos civis, comerciais ou cooperativas, exacerba esse quadro. Da mesma forma, as restrições impostas na legislação e na prática ao movimento sindical afetam a criação e a manutenção de trabalhos dignos: impossibilidade de formar sindicatos ante a descaracterização de certas relações de trabalho (contratos civis, comerciais, cooperativas); escopo limitado das negociações coletivas que não podem tratar de temas como salário e jornada; regulamentação restritiva do direito de greve que implica na dificuldade e, em alguns casos, impedimento de seu exercício. A isso tudo se deve somar mortes e prisões de dirigentes sindicais.
Nos últimos anos, o governo colombiano vem empreendendo esforços para pacificar o país e, embora a guerrilha não tenha terminado, são evidentes os avanços. O número de sindicalistas mortos, por exemplo, diminuiu. E, apesar da bizarrice, a frase anterior parece explicar a reeleição do Presidente Juan Manuel Santos que, em segundo turno, conseguiu concertar facções políticas e movimentos sociais em torno do seu plano de paz, deixando de lado os dissensos sobre os outros temas do seu programa de governo. No discurso de vitória, o Presidente eleito referiu-se ao desempenho da seleção colombiana na Copa 2014, dizendo que os jogadores deixavam uma lição sobre a necessidade de trabalhar em equipe, compartilhar um sonho e perseverar na conquista o objetivo. No final das contas, tinha razão o zagueiro Escobar. A vida não acaba aqui e não importa onde seja esse “aqui”: sexta-feira, nas eleições colombianas de junho, nas eleições brasileiras de outubro, etc.. A vida não acaba aqui!
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