Muito já se discutiu sobre os aspectos jurídico-dogmáticos dos dois projetos de lei que propõem um novo Código Comercial ('projetos').
Contudo, não houve ainda uma análise econômica que permita nos posicionarmos sobre a adequação ou não dos projetos na vida real das empresas. Afinal, as leis não são feitas para alimentar o debate acadêmico entre juristas; elas são concebidas para regrar comportamentos. No caso da legislação comercial, os comportamentos a serem regrados são aqueles dos agentes econômicos no âmbito do mercado, isto é, aquele espaço público onde são trocados bens e serviços, seguindo leis básicas e elementares da economia (a mais conhecida delas a lei da oferta e procura, seguida de outras extremamente relevantes para o direito concorrencial que relevam as estruturas de mercado).
A grande pergunta a ser respondida é esta, quais as esperadas consequências econômicas dos projetos?
Afora esperados custos de transação gerados por algumas imprecisões dos textos dos projetos, pensamos em focar em alguns esperados custos de litígio que serão gerados por conta da nova legislação. Também os custos de adaptação e de conformidade à nova lei são esperados e podem ser estimados ex ante. Da mesma forma, imaginamos ser viável estimar o ganho ou perda de valor de companhias abertas por conta do novo cenário legal.
No primeiro ponto, isto é, dos custos de litígio, podemos estimar o custo que será gerado para empresas pela mudança da lei. Isso pode ser feito multiplicando o valor individual de um processo - estimado pelo CNJ no relatório Justiça em Números e no trabalho de mestrado do acadêmico Pedro Henrique Costandrade - pelo número de processos que seriam gerados.
Uma nova lei sempre gera processos judiciais (ou arbitrais) a fim de testar a interpretação da norma pelos tribunais, que são os intérpretes reais da legislação. Os impactos processuais dos projetos devem ser pensados a partir de nossa realidade judicial, com todas suas idiossincrasias, virtudes e defeitos. A grande maioria dos processos no Brasil corre com o benefício da assistência judiciária gratuita e, mesmo que assim não fosse, há um elevado grau de subsídio público às demandas privadas, o que acaba impactando no orçamento do Estado e mediatamente no contribuinte de tributos.
O número de processos que serão gerados podem ser estimados com uma proxy conservadora da lei de recuperação judicial, que entrou em vigor em 2005, e que gerou 23.109 processos somente na segunda instância da Justiça Estadual, em nove unidades da federação selecionadas, num período de nove anos (promulgação até 2013). Entendemos que por se tratar de matéria comercial, esta lei pode ser utilizada como proxy conservadora de estimação de processos criados pela nova lei. Chegamos a um custo de 83 milhões de reais, numa estimativa conservadora. Claro que por serem os projetos mais extensos, evidentemente que o custo seria superior a este da nova lei de recuperação judicial, mas há já aqui um valor substancial a ser subsidiado pelo contribuinte.
É possível estimar também um volume de processos gerados por conceitos jurídicos indeterminados como "concorrência desleal", "boa-fé", "proteção do contratante mais fraco", inter alia. Chegamos aqui a um custo de R$ 53 milhões para o orçamento público. Sem falar no impacto em honorários advocatícios para as empresas.
Não calculamos o esperado custo de transação e de oportunidade que o despejo de processos entre empresas causará à Justiça, prejudicando indiretamente o trâmite de processos mais urgentes e relevantes para sociedade do ponto de vista social.
Em paralelo, como dito, há custos de conformidade, associados a cumprir as novas determinações legais, o que exige gastos com advogados na área consultiva - estimamos aqui em cinco horas anuais conforme tabela da OAB, chegando a um custo conservador de R$ 418 milhões para as empresas do país -, bem como de atendimento das normas legais (preservação de documentos para apresentação em juízo, por exemplo) - aqui o custo estimado é de mais de R$ 1 bilhão. Finalmente, para as empresas de capital estrangeiro, há a determinação de todos os sócios da pessoa jurídica na cadeia societária. Somente para atender a este dispositivo, são estimados entre R$ 500 milhões a R$ 11 bilhões.
Podemos também estimar o custo incorrido pela não abertura de novos negócios e pela redução de investimentos por conta de novas determinações legais já citadas aqui. O valor é de R$ 8 bilhões, na estimativa conservadora
Finalmente, é possível pensarmos também que a insegurança jurídica adicional provocada pela mudança do marco regulatório (vide caso da Petrobrás por exemplo) geraria para as companhias abertas do país. A perda aqui seria de, no mínimo, R$ 14 bilhões.
O valor final estimado da conta, em valores conservadores, é superior a R$ 30 bilhões, sendo que a íntegra da pesquisa será publicada em breve.
A análise econômica não toma posição, nem indica o melhor caminho de uma política pública. Como cardápio, ela apresenta preços e opções. Nesse sentido, a pergunta que não quer calar, a ser feita aos empresários brasileiros, é se querem pagar esta conta, a despeito de toda celeuma dogmática nos meios acadêmicos.
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* Luciana Yeung doutora em economia e professora de economia do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
* Luciano Benetti Timm é doutor em Direito dos Negócios, professor de Direito da PUC/RS e da Unisinos e ex-presidente da ABDE.