Migalhas de Peso

Até quando?

"Pode o Estado interferir de tal forma na educação de nossos filhos ?". Para eles, a "raiz do problema deve ser atacada pra valer, sob pena de tudo continuar como está".

29/5/2014

A redação final da proposta que estabelece o direito de crianças e adolescentes serem educados sem o uso de castigos físicos (PL 7.672/10) foi aprovada pela CCJ da Câmara.

Referida proposta estabelece que os pais ou responsáveis que se utilizarem de castigo físico ou tratamento cruel e degradante contra criança ou adolescente ficarão sujeitos a advertência, encaminhamento para tratamento psicológico e cursos de orientação, independentemente de outra sanções.

Tal proposta anteriormente chamada "Lei da Palmada" é agora “festejada” como “Lei Menino Bernardo”, num claro contorno apelativo e populista.

Mas qual a real necessidade dessa nova Lei? Será que não dispúnhamos de leis capazes de evitar e punir a tragédia havida no Rio Grande do Sul? Pode o Estado interferir de tal forma na educação de nossos filhos?

Estamos sendo enganados! Mais uma vez...

O Estado não pode e não deve interferir de tal forma na educação de nossos filhos. O importante em uma educação é transmitir valores e princípios, com limites e sem abusos. Ocorre que os abusos já são coibidos por nossa legislação penal. Não há necessidade de mais um projeto, mais uma lei.

Nesse sentido, já existem tipos penais como, por exemplo, o de lesão corporal (artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal, com a agravante do artigo 60, letra h, se praticada contra criança), abandono material (artigo 244 do Código Penal) e abandono intelectual (artigo 246 do Código Penal), que podem e devem ser utilizados para situações como a do menino Bernardo.

O novo projeto, portanto, não passa de puro populismo e demagogia de um Estado altamente intervencionista, legiferante e omisso.

O que se vê atualmente são diversas minirreformas que não passam de remendos muito mal feitos e que não resolvem o problema.

A pergunta que fica é: mas se o projeto é um equívoco e nossa legislação já era capaz de coibir abusos, porque não salvamos Bernardo?

Esse é o âmago do problema. Fazer novas Leis não é solução. Bernardo morreu porque nosso sistema judiciário como um todo está falido. Há uma ineficiência completa de nosso sistema penal que só estimula a certeza da impunidade. E esse é um ciclo vicioso que precisa ser quebrado rapidamente.

Vale lembrar que há muito nossas autoridades já tinham conhecimento do caso do menino Bernardo. Além de uma ação judicial proposta pela avó do menino, Bernardo chegou a fugir de casa para ir ao Fórum clamar por socorro diretamente à representante do Ministério Público. E o que foi feito? Nada.

As autoridades já sabiam do problema e já dispunham de instrumentos legais para agir, mas não fizeram nada. Vir agora chamar a Lei da Palmada de Lei Menino Bernardo é um verdadeiro desrespeito para com a memória dessa criança.

Nossa justiça está abarrotada e sem estrutura física e de pessoal mínimas para exercer o seu papel. O Poder Judiciário como um todo precisa de investimentos que permitam que as Leis já existentes sejam aplicadas. Se nossos governantes se concentrassem em fazer isso, já seria muito.

Concomitantemente a esses investimentos, é preciso também incutir na cabeça dos servidores públicos – especialmente nas cabeças dos mais graduados – que eles estão prestando um serviço à população. Com efeito, aquele que não estiver desempenhando bem o seu papel deve ser individualmente responsabilizado por isso. Não se pode mais aceitar que nossas autoridades escondam-se na falta de estrutura e a usem como desculpa para prestarem um mal serviço à população.

Mais. Enquanto não tivermos uma polícia preparada, treinada, atuante e incentivada; enquanto nosso Judiciário estiver agonizando, abarrotado e clamando por investimentos e funcionários em número e qualidade; enquanto nossas autoridades continuarem usando como desculpa a falta de estrutura para se eximirem da responsabilidade de prestar um bom serviço; enquanto não fizermos uma reforma legislativa fundada em uma política criminal que abandone o conceito “maternalista” da atual legislação, decididamente, não seremos capazes de salvar “nossos Bernardos”.

Aprovar um projeto esdruxulo como o proposto não é solução. É mais um engodo. A raiz do problema deve ser atacada pra valer, sob pena de tudo continuar como está.

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*Luís Carlos Dias Torres é advogado criminalista e sócio de Torres|Falavigna Advogados








*Leandro Falavigna é advogado criminalista e sócio de Torres|Falavigna Advogados

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