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O Programa Estadual de Recompensa não exige que o cidadão realize diligências como um verdadeiro agente da lei e sim que abasteça a autoridade policial com as informações determinantes.

18/5/2014

O Código de Processo Penal, carregando ainda o espírito que o envolveu em 1941, sobrevive a toda sorte de intempéries e permanece incólume com relação à sistematização da investigação criminal, limitada em razão da própria ineficiência do Estado, com a consequente abertura de valas que estimulam a expansão da criminalidade. O anteprojeto apresentado aguarda discussão para ajustar e corrigir as imperfeições apontadas durante todo o tempo de sua vigência, porém, sem qualquer aceno de vontade política para atingir uma Justiça penal mais condizente com a realidade brasileira.

Mas, mesmo com a crítica necessária, não se pode omitir que o Código de Processo Penal carrega interessante postura quando permite a qualquer pessoa do povo, que tiver conhecimento de infração penal em que caiba ação pública, a faculdade de comunicá-la à autoridade policial (art. 5º, § 3º); permite a mesma comunicação ao Ministério Público (art. 27); permite também a faculdade de dar ordem de prisão a quem for encontrado em flagrante delito (art.301). Sem falar ainda do recrutamento que faz dos cidadãos para julgarem seus pares, nos crimes dolosos contra a vida.

Percebe-se, sem muita dificuldade, que o Estado conferiu ao particular a mais ampla legitimidade para apresentar não só a notitia criminis como também apontar a possível autoria com o fornecimento de informações por escrito ou verbalmente a respeito do delito. Trata-se de um longa manus, revestido de legitimidade temporária para determinadas situações. É uma solução necessária, pois na medida em que o Estado não reúne condições para uma tutela eficiente, concede excepcionalmente ao particular o exercício do poder de polícia.

O governo do Estado de São Paulo lança mão do Programa Estadual de Recompensa, criado pelo decreto 46.505, de 21/1/2002 e procura incentivar a população a colaborar com o fornecimento de informações para solucionar casos investigados pela polícia, até então sem sucesso. Fica a critério do secretário da Segurança Pública indicar os crimes que pretende elucidar e, com a novidade introduzida na legislação brasileira, fixar o valor do prêmio a ser pago ao informante, observando o limite de R$ 50.000,00.

Nas regras gerais expedidas pela Secretaria da Segurança Pública somente será aceita informação pelo serviço do Disque-Denúncia via eletrônica e exige que seja determinante, sem a qual o crime não teria sido elucidado, ou conclusiva, como sendo a que de alguma forma contribuiu para a elucidação do crime, ambas compreendendo a localização do foragido.

O programa não pretende retornar ao Velho Oeste de Wyatt Earp, delegado famoso pelo seu "colt" de cano longo, quando era muito comum pendurar pôsteres de bandidos condenados com a inscrição "wanted", além da estipulação do valor do prêmio. Daí o surgimento de uma legião de caçadores de recompensas que buscavam o procurado, vivo ou morto.

O que o Programa cria é um incentivo à população para fornecer informações a respeito de determinados crimes que carregam peso considerável para a ordem pública, possibilitando aos agentes da persecução penal desenvolver uma investigação com maior chance de sucesso, em face da precariedade do material probatório policial. Não se exige que o cidadão realize diligências ou pesquisas paralelas como um verdadeiro agente da lei e sim que abasteça a autoridade policial com as informações determinantes ou conclusivas a respeito da autoria de um ilícito penal.

Guarda certa semelhança com a denúncia anônima que, por ser informação velada, por mais simples que seja, fornecida por qualquer pessoa do povo a respeito da prática de fato determinado e com repercussão social, traz sempre um ponto inicial de investigação, um norte seguro para o início de uma pesquisa elucidativa. Mas não pode ser considerada a única base sólida e consistente para validar o procedimento inquisitivo, além de não prometer qualquer recompensa em dinheiro.

Na realidade, analisando o teor do decreto estadual, o cidadão se limitará a exercer o papel a ele conferido no atual Código de Processo Penal, quando se tratar de ação penal pública incondicionada. A diferença reside em três pontos fundamentais: a delação deve ser determinante ou conclusiva; a garantia do sigilo da identidade do informante e o recebimento de um prêmio, previamente estabelecido.

É interessante notar que a medida proposta retrata confessadamente o alto índice de criminalidade que impera no país, com a reiterada ocorrência de crimes de todos os matizes e as dificuldades encontradas pelos órgãos de segurança para solucionar inúmeros casos em aberto, cobrados incessantemente pela população, que enxerga a impunidade cada vez mais próxima. É preocupante o índice de delitos não solucionados, principalmente os relacionados contra a vida.

Cria-se, desta forma, a figura do cidadão-delator que oferecerá sua colaboração, desde que seja remunerado para tanto. Em contrapartida, nos demais casos, esvazia-se a delação facultativa do processo penal e a denúncia anônima cai por terra em razão da ausência de uma compensação financeira. O incentivo em dinheiro fala mais alto do que o próprio comprometimento social e se apresenta como estímulo para o cidadão colaborar com o Estado.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.


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