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Os eventos esportivos, a flexibilização da concessão de vistos a estrangeiros e suas consequências

O legislador tratou de preservar a soberania nacional do Brasil, haja vista que foi feita uma ressalva determinando que poderá a autoridade brasileira competente indeferir as solicitações de visto pelos mesmos motivos previstos na legislação aplicável ordinariamente.

9/5/2014

Com a aproximação do início da Copa do Mundo a ser realizada no Brasil (previsto para 12 de junho de 2014), o que vem constantemente tornando-se notícia na mídia restringe-se aos atrasos nas grandiosas obras nos estádios de futebol que receberão os jogos, bem como as obras não realizadas(ou realizadas parcialmente) de infraestrutura e mobilidade urbana.

Contudo, alguns questionamentos relacionados à possível flexibilização da soberania nacional através da facilitação na concessão de vistos aos estrangeiros que irão ingressar no território brasileiro e aqui permanecer, ao menos pelo período no qual ocorrerá a Copa do Mundo FIFA1, também deveriam dispensar a mesma atenção.

Isso, porque, para possibilitar a realização do maior campeonato mundial de futebol no Brasil, com a participação de 31 países, imperiosa se fez a facilitação da entrada, no Brasil, dos estrangeiros vinculados direta ou indiretamente ao aludido evento esportivo.

Pensando nisso, foi promulgada, em 5 de junho de 2012 (publicada no DOU do dia 6 de junho de 2012) a lei geral da Copa que, em seu Capítulo III, artigo 19 e seguintes, disciplina a concessão de vistos de entrada e das permissões de trabalho durante a realização da Copa do Mundo FIFA e de outros eventos grandiosos que também foram realizados no Brasil (Copa das Confederações FIFA 2013 e a Jornada Mundial da Juventude 2013).

Destarte, tem-se que a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, mormente sua entrada e permanência em território brasileiro, ordinariamente, é disciplinada através da lei Federal 6.815/80 e resoluções normativas editadas pelo CNI - Conselho Nacional de Imigração, criado, também, através da referida lei.

De acordo com a legislação aplicável à espécie, aos estrangeiros que pretendam entrar no Brasil poderão ser concedidos vistos de trânsito, turista, temporário, permanente, de cortesia, oficial e diplomático.

Nesse diapasão, tem-se que os estrangeiros que vierem ao Brasil para a Copa do Mundo deverão solicitar o visto conforme seja a sua situação (trabalhar no Evento ou acompanhar os jogos da Copa do Mundo).

Assim, visando agilizar os processos de solicitação de vistos por esses estrangeiros, foi inserida na lei geral da Copa, mediante redação do seu art. 19, determinação de concessão de vistos sem qualquer restrição, seja de nacionalidade, raça ou credo para todos os membros da delegação da FIFA, inclusive:

Vale salientar que, de acordo com a mesma lei, o prazo máximo de validade dos vistos concedidos nesta situação excepcional (para a Copa do Mundo), a critério da Autoridade competente, será até o dia 31 de dezembro de 2014, com exceção dos espectadores que possuam ingresso ou confirmação de aquisição, que terão visto com prazo máximo de 90 dias improrrogáveis.

O Legislador ainda cuidou de especificar a documentação necessária para a concessão dos vistos em referência de forma diferenciada, o que também não deixa de ser uma medida facilitadora. São eles: passaporte válido ou documento de viagem a ele equivalente, além de um documento que demonstre, de forma indubitável, a vinculação com a realização, organização e/ou participação no evento multicitado.

Importante destacar que a solicitação de vistos temporários para os estrangeiros que irão trabalhar na Copa do Mundo, seja previamente na sua montagem e organização, ou durante a sua realização/execução, deverão, obrigatoriamente, estar acompanhados de declaração emitida pela FIFA ou terceiro por ela indicado, certificando essa condição.

Aqui se vislumbra um grande facilitador para a concessão de visto de trabalho aos estrangeiros que irão laborar na Copa, vez que, ordinariamente, para requerimento de mesmo visto, é exigido um número maior de documentos, tais como certidões e declarações emitidas em países estrangeiros comprovando experiência e a expertise daquele profissional, todos consularizados, ou seja, legalizados pelas Embaixadas ou Consulados do Brasil no país emissor.

E, nesse caminhar, o CNI - Conselho Nacional de Imigração, em atenção à previsão expressa contida na Lei Geral da Copa, cuidou de editar uma nova resolução normativa (98), a fim de regulamentar a concessão de autorização de trabalho para obtenção de visto temporário a estrangeiro no Brasil que venha para trabalhar, exclusivamente, na preparação, organização, planejamento e execução da Copa do Mundo FIFA 2014. Esses vistos também podem ser conhecidos como Vistos Temporários Especiais (TE).

Na referida resolução, o CNI também fixou prazo diferenciado para a análise das autorizações, qual seja, cinco dias, lógico, desde que corretamente instruídas as ditas solicitações, além da flexibilização do critério da jurisdição consular2, afirmando, para tanto, que deverá, o estrangeiro, estar na jurisdição onde tramita o pedido de visto.

Ainda, importante mencionar que os vistos solicitados nessa condição serão concedidos sem qualquer custo e terão prioridade, sejam eles expedidos pela autoridade brasileira no Brasil, sejam eles expedidos pelas Repartições consulares e Missões diplomáticas brasileiras.

Outro grande meio adotado para simplificar e otimizar a entrada dos estrangeiros espectadores nas cerimônias de abertura e encerramento, além de, claro, nos jogos que serão realizados, foi a possibilidade de emissão de seus vistos por meio eletrônico.

Dessa forma, embora não expressamente vinculado à lei geral da Copa, mas sim ao Estatuto do Estrangeiro, ressalta-se a aprovação, pelo Senado Federal, em 8 de abril de 2014, do PL 4/14, pelo qual poderão os vistos ser solicitados eletronicamente, pelo site do Portal Consular, com envio de documentação também por meio eletrônico, sendo que até a própria emissão do aludido visto poderá se dar eletronicamente.

Salienta-se que, por meio do mesmo projeto Legislativo, estarão dispensados de visto temporário os estrangeiros que viajam a negócios, além de artistas e atletas, desde que seja dado idêntico tratamento aos brasileiros nos países de origem destes estrangeiros. Vale lembrar que referido projeto foi encaminhado para aprovação presidencial, valendo, então, apenas após aludida sanção.

Destaca-se, também, que no PL em questão, cuidou, o legislador, de resguardar a segurança das informações trocadas por meio eletrônico, vez que, a qualquer tempo, poderá, a autoridade brasileira, solicitar a apresentação dos originais ou, até mesmo, a apresentação de documentação complementar.

Posto isso, tem-se que a utilização dos ditos facilitadores nas concessões de vistos aos estrangeiros não será inédito na Copa do Mundo FIFA, já que tal procedimento foi adotado no ano de 2013, durante a realização da Copa das Confederações FIFA e da Jornada Mundial da Juventude.

Nesse contexto, é razoável pensar que a criação desses facilitadores, sobretudo em decorrência da imposição legal contida no artigo 19 da lei geral da Copa (concessão de vistos sem qualquer restrição) poderia flexibilizar, de maneira perigosa, a soberania do Brasil e, ainda, comprometer a segurança nacional.

Contudo, tal receio é facilmente afastado pela perfunctória leitura da legislação aplicável à espécie.

Isso, porque, o próprio Legislador, ao elaborar a lei geral da Copa, cuidou de prever, expressamente, a possibilidade do indeferimento de visto aos estrangeiros, mesmo que vinculados à organização e realização da Copa do Mundo.

Nesse esteio, vale frisar que há menção expressa das possibilidades de indeferimento do visto solicitado nas mesmas situações já previstas na legislação ordinária que disciplina a matéria (Estatuto do Estrangeiro). São elas: ao menor de 18 anos, desacompanhado do responsável legal ou sem a sua autorização expressa; ao estrangeiro considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais; ao estrangeiro anteriormente expulso do País, salvo se a expulsão tiver sido revogada; ao estrangeiro condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira; ou, ainda, ao estrangeiro que não satisfaça as condições de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Também esclareceu, o legislador, através de remição expressa ao Estatuto do Estrangeiro, que o visto concedido pela autoridade brasileira configura mera expectativa de direito, razão pela qual poderão, a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser obstados na ocorrência de quaisquer das situações apostas ou, até, pelo reconhecimento da inconveniência da presença do estrangeiro no Território Nacional, o que será analisado e decidido pelo Ministério da Justiça.

Ante o exposto, sobretudo em razão da grandiosidade do evento e do massivo deslocamento de estrangeiros para a Copa do Mundo no Brasil, entende-se por ser plenamente justificável a facilitação na concessão de vistos desses estrangeiros.

Isso, sem se mencionar a enorme movimentação econômico-financeira advinda da recepção de um evento esportivo internacional desse porte, o que trará, sem sombra de dúvidas, um efetivo aquecimento à economia brasileira.

Ademais, conforme já exposto alhures, o legislador tratou de preservar a soberania nacional do Brasil, bem como a segurança nacional, haja vista que, embora tenha sido inserida previsão expressa na lei geral da Copa acerca da concessão de vistos de forma irrestrita, foi feita uma ressalva determinando que poderá a autoridade brasileira competente indeferir as solicitações de visto pelos mesmos motivos previstos na legislação aplicável ordinariamente.

Assim, hialino está que a lei geral da Copa, embora tenha sido redigida para que pudesse facilitar a concessão de vistos aos envolvidos no evento, não afastou a soberania brasileira de determinar quais estrangeiros poderiam entrar e permanecer em território brasileiro e, tampouco, colocou em risco a segurança nacional com a adoção de procedimentos facilitadores na concessão dos multicitados vistos.

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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1 Federation Internationale de Football Association – FIFA. Associação suíça de Direito Privado, entidade mundial que regula o esporte de futebol de associação e suas subsidiárias não domiciliadas no Brasil (art. 2º, I da Lei Federal de nº 12.663/2012).

2 Entende-se por jurisdição consular o território atribuído a uma repartição consular (todo consulado geral, consulado, vice-consulado ou agência consular) para o exercício das funções consulares. (Decreto nº 61.078, de 26 de julho de 1967)

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* Em tempo: O texto acima fora redigido e enviado para publicação em 03/05/2014. Contudo, em 07/05/2014, portanto após o envio e antes de sua veiculação, foi publicada no DOU a Lei Federal de nº 12.968 de 06 de maio de 2014, tornando, portanto, Lei Ordinária o que era, até o momento da redação do artigo, apenas o projeto de Lei nº 4/2014. Vale ressaltar que referida Lei ainda deverá ser regulamentada pelo poder Executivo, conforme previsão contida no artigo 5º da multicitada Lei.

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Referência

Decreto 61.078, de 26 de julho de 1967. Brasília, DF: [s.n.]. Acesso em: 02 maio.

Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980. Brasília, DF: [s.n.]. Acesso em: 02 maio.

Lei 12.663, de 5 de junho de 2012. Brasília, DF: [s.n.]. Acesso em: 02 maio.

Projeto de Lei 4 de 2014 - Acesso em: 02 de maio.

Resolução normativa de 98, de 14 de novembro de 2012. Brasília, DF: [s.n.]. Acesso em: 02 maio.

Resolução normativa de 99, de 12 de dezembro de 2012. Brasília, DF: [s.n.]. Acesso em: 02 maio.

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* Mariana Machado Pedroso é advogada da banca Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

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