Um dos pontos mais polêmicos da lei geral da Copa (12.663/12) concerne à cobrança de meia-entrada. Como se sabe, o desconto de 50% para beneficiar certos consumidores, sobretudo estudantes e idosos, incorporou-se à nossa legislação e acabou se tornando um direito básico na indústria brasileira do entretenimento. Porém, por se tratar de uma peculiaridade brasileira, sua aplicação na Copa do Mundo de 2014 trouxe algumas dificuldades.
As primeiras modalidades de meia-entrada datam da década de 1930, mas até os anos 2000 apenas leis estaduais e municipais esparsas regulavam o tema. Algumas delas chegaram a ser questionadas inclusive perante o STF, que considerou constitucional a meia-entrada. Para gozar do benefício e comprar os ingressos pela metade do preço o estudante devia apresentar nas bilheterias um cartão emitido pela UNE - União Nacional dos Estudantes, chamado popularmente de carteirinha. Em 2001, por meio de medida provisória (MP 2.208/01), o monopólio da UNE para a emissão das carteirinhas foi quebrado e, assim, quaisquer associações, agremiações estudantis ou estabelecimentos de ensino passaram a emiti-las.
O Estatuto do Idoso (lei 10.741/03, art. 23) e o Estatuto da Juventude (lei 12.852/13, art. 23) foram as primeiras leis Federais a disciplinarem a meia-entrada para as respectivas categorias, mas o Governo Federal julgou necessário editar também uma lei geral revogando expressamente a MP 2.208/01 e estendendo o benefício do pagamento de meia-entrada a pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes, na forma da lei e do regulamento - ainda em fase de elaboração. Trata-se aqui da lei 12.933/13 (lei da meia-entrada), que estabelece para os estudantes a obrigatoriedade de apresentação, no momento da aquisição do ingresso e na portaria do local de realização do evento, da CIE - Carteira de Identificação Estudantil, a qual agora somente poderá ser emitida pela UNE, pela ANPG - Associação Nacional de Pós-Graduandos, pela Ubes - União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, pelas entidades estaduais e municipais filiadas àquelas, pelos DCEs - Diretórios Centrais dos Estudantes e pelos Centros e Diretórios Acadêmicos.
Só que a lei da meia-entrada não se aplica, por força de seu art. 1º, § 11, aos eventos da Copa do Mundo FIFA de 2014 e das Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016. Portanto, com relação à Copa, é preciso verificar o art. 26 da lei 12.663/12, que dispôs sobre a venda de ingressos pela FIFA. Conforme a referida lei geral da Copa, a venda de 300 mil ingressos pela metade do preço foi garantida para estudantes, pessoas com mais de 60 anos e beneficiários de programas sociais de transferência de renda, entre eles o Bolsa Família. Ao vetar o § 9° do art. 26, a Presidente da República derrubou o trecho que suspendia leis estaduais e municipais sobre descontos em ingressos. Nesse caso, passa a prevalecer a legislação aplicável nas cidades-sede. Contudo, o limite de meias-entradas acordado com a FIFA (300 mil ingressos) deverá ser respeitado.
No que tange aos estudantes, o § 11 do art. 26 da lei geral da Copa estabeleceu que a comprovação de sua condição mostra-se obrigatória e somente se dará mediante a apresentação da Carteira de Identificação Estudantil, "conforme modelo único nacionalmente padronizado pelas entidades nacionais estudantis, com Certificação Digital, nos termos do regulamento, expedida exclusivamente pela ANPG, pela UNE, pelos DCEs das instituições de ensino superior, pela UBES e pelas uniões estaduais e municipais de estudantes universitários ou secundaristas". Logo, também na Copa se coloca em questão a prova da condição de estudante.
É a primeira vez na história das Copas FIFA que determinados ingressos puderam ser vendidos pela metade do preço. Com a oferta de meias-entradas, foi possível encontrar ingressos por até R$ 30,00, inclusive em um patamar inferior aos menores valores cobrados nas últimas edições do torneio. Na África do Sul a entrada mais barata custava o equivalente a US$ 20,00. Por outro lado, para as demais categorias de ingressos os valores chegaram a aumentar 10% entre a Copa de 2010 e a Copa de 2014. Para a decisão, por exemplo, o preço cobrado para o melhor ingresso na África do Sul foi de US$ 900 enquanto que, no Brasil, o valor subiu para US$ 990.
Não é à toa que no exterior os ingressos com desconto são vistos como uma concessão. A própria FIFA, em seu website, refere ao benefício como concessionary ticketing. Ora, toda concessão tem seu preço. Não se pode ignorar o fato de que a meia-entrada implica em subsídio e, no fim, a outra metade é paga mesmo pelo restante do público. Não existe almoço de graça, nem ingresso subsidiado sem que outrem pague a conta. Nem por isso, entretanto, os estudantes e as demais pessoas beneficiadas pela lei podem estar sujeitas a constrangimentos ou práticas que contrariem a CF ou o CDC.
Nos termos do CDC, o consumidor goza de proteção contra quaisquer métodos comerciais coercitivos, práticas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (lei 8.078/90, art. 6º, IV). Antes, a Constituição estabelece que a educação básica, dever do Estado, é obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade (CF, art. 208, I). Assim, não é absurdo ponderar se, em uma interpretação da lei geral da Copa conforme à Constituição, a obrigatoriedade de apresentação da carteirinha de estudante poderia ser dispensada para aqueles com idade até 17 anos. Porém, também é preciso considerar que o mesmo raciocínio valeria para a nova Lei da meia-entrada, que revogou a MP 2.208/01 justamente com o objetivo de coibir abusos e resgatar a legitimidade do benefício, fazendo-o valer para quem de direito. O STF reconhece o princípio da razoabilidade como um dos pilares de nosso direito constitucional. Dessa forma, restrições ao exercício de direitos que sejam justificáveis, proporcionais e visem a evitar atos abusivos estariam em consonância com a nossa Constituição Federal.
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* Joaquim Muniz é sócio de Trench, Rossi e Watanabe Advogados.