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Da incidência da teoria da afetação patrimonial no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar

Não se pode ignorar que a teoria da afetação patrimonial integra-se de forma absoluta nas disposições da LC 109/01.

3/4/2014

Por se tratar de assunto relevante, e que se insere no campo de atuação das Entidades Multipatrocinadoras, objeto de confrontos no âmbito do judiciário, a teoria da afetação se apresenta como forma de proteção dos patrimônios administrados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar.

Não se pode ignorar que a teoria da afetação patrimonial integra-se de forma absoluta nas disposições da LC 109/01, relevando a intenção do legislador em dotar o patrimônio de afetação vinculado ao cumprimento de uma finalidade específica, protegendo, assim, os interesses de participantes e assistidos de cada plano ou fundo previdencial segregado.

Tal conceito impede que eventual insolvência de determinado plano ou fundo venha a afetar e contaminar os ativos de outro plano ou fundo administrado pela mesma Entidade Fechada de Previdência Complementar. Ou seja, os patrimônios dos planos/fundos são próprios e segregados, aflorando a independência patrimonial.

Tal regra emerge do art. 34 da LC 109/01:

- art. 34: “As entidades fechadas podem ser qualificadas da seguinte forma, além de outras que possam ser definidas pelo órgão regulador e fiscalizador:

I – de acordo com os planos que administram

(...)

b) com multiplano, quando administram plano ou conjunto de planos de benefícios para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial” (grifamos)

O mesmo se diga em relação às reservas técnicas (art. 18, § 3º da LC 109/01), sendo que a mesma LC em seu artigo 22 diz textualmente que os ativos de cada plano/fundo devem apresentar contabilidade segregada.

Em estudo específico, Modesto Carvalhosa1 conclui que: “...os ativos de cada plano de benefícios previdenciários integram patrimônio de afetação, que não se confunde com o patrimônio geral da EFPC, estando vinculado apenas ao cumprimento das obrigações assumidas no âmbito do próprio plano. Este regime de segregação patrimonial permite, assim, a preservação dos interesses dos participantes de cada plano de benefícios, que não ficam sujeitos a eventuais problemas de liquidez e solvência ocorridos nos demais planos ...”.

Ou seja, a teoria do patrimônio de afetação é amplamente reconhecida no ordenamento jurídico pátrio, de forma expressa ou implícita, viabilizando a consecução e preservação de interesses relevantes do ponto de vista social e econômico2, assim como no âmbito da LC 109/01, entre outras hipóteses3.

Também no campo doutrinário, Maurício Corrêa Sette Tôrres e Ivan Jorge Bechara Filho4, em excelente trabalho de monografia, observam:

“Em função de expressa disposição legal e também por força da teoria da afetação, as atividades das entidades fechadas de previdência complementar devem ser todas voltadas à administração e manutenção de seus planos de benefícios, proibida qualquer outra atividade à margem do objeto previdenciário, com ressalva apenas ao oferecimento de planos de saúde por parte das entidades que, na data da publicação da Lei Complementar 109/01, já prestavam esse tipo de serviço”.

“A independência patrimonial dos planos de benefícios serve, portanto, a dois propósitos: o primeiro, e fundamental, à garantia de que seja cumprida sua finalidade essencial, qual seja, a cobertura dos benefícios previdenciários contratados pelos participantes do respectivo plano de benefícios; a segunda, talvez mera decorrência, e a limitação à garantia geral dos credores, representada pela impossibilidade de os recursos de determinado plano de benefícios serem utilizados para o pagamento de débitos imputáveis a outro plano ou à própria entidade que a administra. (grifamos)

Quanto as reservas técnicas, o dispositivo do artigo 18 da LC 109/01, ajusta-se a existência de cobertura integral dos compromissos assumidos pelo respectivo fundo previdencial, desde que preservado o equilíbrio financeiro e atuarial, hipótese prejudicada em razão de fatores alheios a administração do patrimônio (inadimplência, falência da patrocinadora, entre outros), e cujo déficit não é de responsabilidade da Entidade, devendo ser equacionado na forma da lei, entre patrocinador, participantes e assistidos, considerando o resultado negativo – ex vi do artigo 21 da LC 109/01. A Entidade, na forma da lei não responde por tal déficit.

As EFPC, instituídas por LC, apresentam características “sui generis”, eis que embora sem patrimônio próprio, administram os ativos pertencentes a Participantes e Ativos de determinado Plano de Benefício, através da própria figura jurídica da Entidade e de seu número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ.

Ainda atento as considerações de Maurício Corrêa Sette Tôrres e Ivan Bechara Filho no bojo do citado trabalho, destaca-se:

“Outrossim, a análise da legislação que rege a previdência complementar fechada no Brasil, especialmente dos dispositivos da Lei Complementar n° 109, de 29 de maio de 2001, revela que há clara separação do patrimônio dos planos de benefícios operados por entidades fechadas, constituindo cada plano um conjunto patrimonial distinto do patrimônio dos demais planos e do patrimônio geral da própria entidade fechada.

Tem-se, ainda, a partir da edição da Resolução CGPC5 n° 14, de 1º de outubro de 2004, que instituiu o Cadastro Nacional de Planos de Benefícios - CNPB das entidades previdenciárias fechadas, explicitou-se ainda mais a individualidade de cada plano de benefícios, servindo a norma, sobretudo, para evidenciar que “cada plano de benefícios possui independência patrimonial em relação aos demais planos de benefícios, bem como identidade própria quanto aos aspectos regulamentares, cadastrais, atuariais, contábeis e de investimentos” e que “os recursos de um plano de benefícios não respondem por obrigações de outro plano de benefícios operado pela mesma EFPC”.

Do ponto de vista prático e à luz do processo judicial, não se olvide da força do dispositivo do artigo 1.046, §2º do CPC, eis que, ainda que figure como parte no processo, a Entidade apresenta legitimidade ativa para ingressar com embargos de terceiro para a defesa de bens adstritos a outros ativos alheios a questão em debate, os quais não poderão sofrer apreensão judicial.

________________

1 Estudos de Direito Empresarial, Ed. Saraiva, ano 2010, p. 567.

2 Lei 8.668/93 (art. 7º); Lei 10.214/2001 (art. 5º); Lei 10.931/2004 (art. 31-A e §1º);

3 Lei 9.514/97 (art. 11); Lei 11.196/2005; Lei 4.320/64 (art. 71); Lei 11.079/2004; Lei 4.591/6 com as alterações da Lei 10.935/04 (art. 31-A).

4 Maurício Corrêa Sette – Diretor do Departamento de Legislaçãoe Normas da Secretaria de Previdência Complementar e Ivan Jorge Bechara Filho – Assessor do Departamento de Legislação e Normas da Secretaria de Previdência Complementar.

5 Conselho de Gestão da Previdência Complementar.

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* Sérgio Luiz Akaoui Marcondes, advogado, mestre em Direito com ênfase no âmbito de atuação das Entidade Fechadas de Previdência Complementar, do escritório Zamari e Marcondes Advogados Associados S/C.










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