A museologia no Brasil, atualmente e no âmbito da cronologia crescente, tem amparo legal desde a CF (art. 6º e 215 e seguintes), na qual se evidencia a proteção aos bens culturais e a obrigação do Estado em promover a cultura como forma de desenvolvimento sustentável da sociedade e preservação da memória coletiva.
Na esteira da tutela concedida pela CF tem-se a regulamentação da profissão de Museólogo (lei 7.287/84), a instituição do Estatuto de Museus (lei 11.904/09), a criação do Instituto Brasileiro de Museus (lei 11.906/09), a regulamentação do Estatuto de Museus e a criação do Instituto Brasileiro de Museus (decreto 8.124/13) e a disciplina quanto à destinação dos bens de valor cultural, pertencentes a União, aos museus (lei 12.840/13).
Inicialmente tem-se que a profissão de museólogo é privativa do portador de bacharelado, mestrado ou doutorado em Museologia ou que comprove pelo menos cinco anos de exercício de atividades técnicas nesta área. Estes profissionais vinculam-se ao Conselho Federal de Museologia, com sede em Brasília.
Dentre as muitas atividades do museólogo, em consonância com a legislação, destacam-se o ensino da disciplina de Museologia; o planejamento e administração de museus; a administração, conservação, restauração e exposição de acervo; e, a orientação de estudos sobre acervo. Em razão dessas atividades o perfil que se constrói do museólogo é o do profissional com conhecimento multidisciplinar, especialmente voltado à história da arte e gestão de bens culturais.
Na sequência, em 14 de janeiro de 2009 instituiu-se o Estatuto de Museus. Do qual se depreende que o museu corresponde à instituição sem fins lucrativos que conserve, investigue, comunique, interprete e expõe obras de valor histórico, artístico, científico e técnico, de natureza cultural e que mantenha o acervo acessível ao público.
O uso da denominação “museu” remete, portanto, à entidade de natureza pública. Outras esferas, como galerias e ateliês, ainda que abertas ao público e com acervo de relevância cultural, por serem particulares, não são alcançadas por esta legislação. A não ser que sejam declaradas de interesse público.
Estabelece o Estatuto que os museus devem se pautar na valorização da dignidade humana, promoção da cidadania, cumprimento da função social, valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental, universalidade do acesso e intercâmbio institucional.
Prevalece a preocupação com a atividade comunicativa, no sentido de, efetivamente, promover a acessibilidade cultural. Tanto é verdade que a legislação autoriza, no sentido mesmo de incentivar, que os museus tenham filiais, sucursais e/ou anexos. É o que está prestes a acontecer em Abu Dhabi, na ilha de Saadiyat, capital dos Emirados Árabes, que iniciou em 2013 a construção do prédio da filial do Museu do Louvre (primeiro museu a oferecer acesso ao público em 1793 e o mais visitado do mundo, tendo em 2012, 9,7 milhões de visitantes).
A constituição de filiais proporciona maior acessibilidade e desenvolvimento cultural a regiões afastadas dos centros culturais e equivale à estratégia à falta de espaço e capital para o desenvolvimento de atividades museológicas como preservação, conservação e manutenção de acervo, inclusive da reserva técnica.
Para melhor ilustrar a situação, observe-se que os museus possuem acervo exposto e acervo em reserva técnica. Em reserva técnica mantêm-se obras que estão para restauro ou, simplesmente, aguardando a oportunidade de serem expostas. Por exemplo, a Pinacoteca de São Paulo possui do artista plástico Marcelo Grassmann 387 obras, das quais, em 2014, foram expostas 90 na exposição denominada “Marcelo Grassmann: Gravuras do Acervo da Pinacoteca”. Outro exemplo é o do Museu de Arte de São Paulo que em 2014 expos 120 gravuras e desenhos de artistas estrangeiros - “Papéis Estrangeiros: Gravuras da Coleção MASP”. Nestes dois exemplos, tem-se uma singela demonstração da grandiosidade dos acervos (expostos e em reserva técnica).
Destacando que as obras que estejam em reserva técnica encontram-se afastadas da apreciação, ou seja, distantes do exercício da função social que é a promoção da cultura. Por isto mesmo, quanto mais estrutura, inclusive através de filiais, maior a acessibilidade e o efetivo uso dos acervos.
Outro aspecto interessante é o esforço que o legislador teve em separar o interesse mercadológico dos vinculados à museologia. Certo que como forma de se evitar a interferência do mercado na política cultural é proibida a participação do pessoal técnico de museus, dentre eles os museólogos, em atividades voltadas à comercialização de bens culturais, na esperança, de que desta forma, se evite o direcionamento econômico.
Administrativamente os museus vinculam-se ao ente público responsável por sua criação, portanto, municipal, estadual ou federal, mediante legislação específica. Admitindo-se o estabelecimento de convênio para a sua gestão através de organizações sociais. Este é o modelo de gestão da Pinacoteca de São Paulo, que desde 1992 é administrada pela Associação Pinacoteca Arte e Cultura, sociedade civil de direito privado qualificada em 2005 como Organização Social para executar a polícia cultural definida pelo Governo de Estado por meio da Secretaria de Estado da Cultura.
Admite-se a criação dessas associações com a finalidade exclusiva de apoio e manutenção das atividades do respectivo museu. Para tal, devem ser constituídas nos termos da lei civil, não restringir a adesão de novos membros, vedar a remuneração da diretoria e publicar seus balanços periodicamente.
O Estatuto de Museus evidencia que o museu não está e nem deve estar preso somente ao acervo, eis que se responsabiliza também pela reserva técnica, além de poder adquirir e, até mesmo, descartar bens culturais. Sendo que estes atos devem estar formalizados, fundamentados e publicados no Diário Oficial.
A preocupação com o acervo justifica-se já que os inventários e outros registros são considerados patrimônio arquivístico de interesse nacional. E mais, ainda que se trate de estabelecimento museológico de natureza pública, os acervos, no íntegra ou em parte, podem ser declarados como de interesse público, em razão de destacada importância à Nação de algumas coleções e obras.
Estas atuações, que são em certa medida absolutamente dirigidas em virtude da importância constitucional oferecida à cultura, exige que os museus tenham, quando de sua constituição, Regimento Interno (diretrizes básicas de funcionamento) e Plano Museológico (planejamento estratégico), para a definição da missão e da função específica perante a sociedade.
Prevê o Estatuto a criação do Sistema Brasileiro de Museus que tem a finalidade maior de promover o intercâmbio entre as entidades cadastradas (cadastramento voluntário), permitindo a prioridade à financiamento público federal, à venda judicial ou à leilão de bens culturais.
Ato contínuo, tem-se a lei 11.906/09 que cria o Instituto Brasileiro de Museus, autarquia federal, vinculada ao Ministério da Cultura. Instituto que não tem poder sancionador, eis que voltado à ação fiscalizadora, ao caráter pedagógico e orientador, conduzindo à adequação do setor às respectivas normas. Para tal, usufrui de estrutura com departamentos, procuradoria federal e auditoria.
Prevê o Cadastro Nacional de Museus, que é voluntário, prestando-se a servir de banco de dados. Este, dentre outras competências, deve fazer o Inventário Nacional dos Bens Culturais Musealizados e o Cadastro Nacional de Bens Culturais Desaparecidos.
Por último, importante destacar a lei 12.840/13, que dispõe sobre a destinação dos bens culturais, que fazem parte do patrimônio da União, aos museus. Em que estes bens são oriundos de apreensão aduaneira, fiscal ou judicial; dação em pagamento de dívida; abandono; e, herança sem herdeiros.
Desta breve explanação percebe-se que a ordem jurídica nacional oferece suficientes subsídios para a constituição e gestão de museus. O que falta, evidentemente, é a absorção, pelas entidades existentes e pela esfera política, das possibilidades oferecidas. Destacadamente o estabelecimento de organizações sociais e convênios com outras entidades, públicas ou particulares, para melhorar a gestão e a acessibilidade.
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* Patrícia Luciane de Carvalho é advogada e professora de Direito da Propriedade Intelectual em São Paulo.