A recuperação judicial e extrajudicial foi de fato uma grande inovação da lei 11.101/05, certamente o verdadeiro condão propulsor da preservação da atividade econômica. Muito se escreve, discute e argumenta sobre seus impactos e trâmite. Existe, todavia uma verdade subjetiva que numa análise experimental muito se iguala ao procedimento de divórcio.
Isso porque, o empresário, principalmente o que está no comando de empresas familiares, frente a esta possibilidade tem por vezes a mesma reação do marido ou da esposa, frente à realidade do divórcio, como solução derradeira para todos os envolvidos. Verifica-se à primeira vista a fuga da realidade, um apego nostálgico aos anos bons, ao sucesso e às conquistas do passado. Muitos evitam ouvir a palavra "recuperação", seja por medo, angústia, incerteza quanto ao futuro ou simplesmente por ser instado a assumir que algo não deu certo, depois de tanto investimento financeiro e emocional. Não seriam sentimentos semelhantes aos enfrentados no final de um casamento?
Por outro lado, às vésperas de completar seu primeiro decênio o processo de recuperação judicial ainda é desconhecido pela maioria do empresariado, mesmo porque, assim como o casamento vive altos e baixos e a esperança de longitude sempre prevalece, ninguém que não esteja motivado a separar vai se informar sobre o divórcio. Na sociedade empresária não é difrente e a recuperação é muitas vezes objetivada quando todas as esperanças já se foram. Não deveria ser assim, afinal se mesmo doloroso, um divórcio pode trazer novos rumos, oportunidades e um ambiente mais saudável para todos os envolvidos, com a recuperação não há de ser diferente, pois mudam as leis, os costumes, mas o tempo paulatinamente volta a clarear depois de uma tempestade.
Enquanto o céu permanecer nebuloso, porém, não faltarão interferências alheias ao caso. No casamento podemos relacionar um extenso rol que vai de familiares, amigos, colegas de trabalho e todos que porventura cruzarem o caminho dos cônjuges naquele momento e se dispõe a opinar (muitas vezes sem ser questionados) de alguma forma. Já no mundo corporativo, nem sempre a proximidade tem caráter consolador, diversamente, as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa atraem um enorme número de "vendedores de sonhos", aproveitando-se da fragilidade e insegurança do momento. Inegável o quanto se torna difícil para o empresário enxergar com clareza em meio a um cenário tão nebuloso, mas mesmo que a recuperação não seja a melhor alternativa, considerando as perspectivas econômicas da empresa num determinado espaço de tempo, nada mais prudente do que o empresário ser o protagonista desse enredo, a fim de não ficar a mercê de terceiros.
Uma situação comum e que impacta nas diretrizes traçadas para retomada do crescimento da empresa, é a distribuição de um pedido de falência nesse período de dificuldade.
Apesar das alterações recentes impostas pela LF - lei de falências (11.101/05), visando assegurar um processo célere, justo e fornecendo alternativas à sociedade empresária – diante de importância econômica e social – para não sofrer a execução concursal1, não são raras as tentativas de utilizar-se do instituto como meio coercitivo de cobrança.
Infelizmente na prática, nem tudo que reluz é ouro! É cediço que a LF trouxe indiscutíveis inovações, benéficas aos credores e também aos devedores. O valor mínimo para propositura da ação, constante no artigo 94, I da LF, foi um divisor de águas no volume de ações propostas anteriores à lei. Nem por isso, inibiu que determinados credores buscassem através de medida tão drástica o recebimento de seus créditos. Sem adentrar nas especificidades relativas às exceções ao dispositivo supra, apesar de usual, utilizar-se do pedido de falência para receber uma dívida é repugnado por nossos tribunais e um risco imensurável para as partes, afinal, a sentença na ação de falência tem caráter constitutivo e por conseqüência resulta na dissolução da sociedade empresária falida, não facultando o recebimento da dívida através de penhora, Bacenjud e demais possibilidades presentes na ação de execução.
Se não bastasse o risco de forçar o recebimento através deste instituto, o simples apontamento da falência gera desdobramentos extremamente negativos perante terceiros, resultando numa macula inibidora de crédito no mercado, piorando ainda mais as dificuldades financeiras das empresas. Acredito que alguns operadores do Direito não vislumbram a extensão desta repercussão, não orientando seus clientes dos riscos intrínsecos no pedido de falência. Utilizam unicamente como meio de cobrança, sem sequer aventar a possibilidade de ver seu crédito se prolongar num procedimento longínquo. Visam na verdade, "cortar a fila" nas ações de execução e receber seus créditos.
Faltando pouco para completar duas décadas nesta profissão, confesso que nunca, isso mesmo, nunca me deparei com um pedido de falência que tivesse o animus previsto no princípio do par conditio creditorum, em todas as situações me deparei com credores que, sabendo das dificuldades financeiras enfrentadas por determinadas empresas, escolhiam a via judicial pela falência, a fim de obter uma composição amigável mais rapidamente, contrariando inequivocamente a idéia de dividir o bolo, ou melhor, o patrimônio em igualdade com outros credores.
Veja, não pretendo de maneira alguma fazer apologia aos devedores, ao contrário, me limito a mostrar um ponto de vista fático da aplicação equivocada da lei. Podem alguns questionar se a impontualidade injustificada por si só não justificaria tal medida. De certo que sim, mas se a nova lei tem um caráter social, a utilização da medida de forma leviana vai contra a sua primeira intenção, qual seja a preservação da atividade econômica.
Por derradeiro, diante de tantos pontos aqui rabiscados, conclui-se que nenhuma decisão é fácil, sempre envolve riscos, perdas e desafios, principalmente quando envolve uma sociedade empresária, com função social que se sobrepõe à figura dos sócios e seus dilemas, por mais razoável que seja!
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1 "Os privilégios da recuperação judicial ou extrajudicial e na extinção das obrigações conferidos pelo direito falimentar justificam-se como medida de socialização de perdas derivadas do risco inerente às atividades empresariais." COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013. p.258.
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