Migalhas de Peso

Poder Judiciário e política econômica

A Justiça deve decidir sobre a atuação do Estado na economia, especialmente quando esta, visando ganhos partidários ou eleitoreiros, causa dano a empresas e consumidores.

15/3/2014

A recente decisão do STF, condenando a União a indenizar a VARIG por prejuízos causados a esta por regras do Plano Cruzado, não representa novidade no Direito: há muito já se concluiu que o Estado pode e deve responder, conforme as circunstâncias, pelas consequências de seus atos de intervenção direta ou indireta na economia, quando destes resultem danos a terceiros.

Mas a notícia gera de pronto uma indagação: e se o processo tivesse terminado a tempo de ser evitada a falência (em 2010) da companhia? Qual seria, hoje, a situação de milhares de pessoas diretamente afetadas por esta falência?

Não que questões deste porte devam ser julgadas com pressa, mas é inevitável cogitarmos sobre os efeitos socioeconômicos benéficos derivados de processos decididos de forma mais célere, nos quais se responsabilizaria (ou não) o Estado por suas políticas econômicas, políticas estas muitas vezes casuísticas, eleitoreiras. Certamente, seriam minimizados os ônus suportados por empresas, trabalhadores, consumidores.

São vários os exemplos, ao longo de nossa história.

O país se lembra: antes da desestatização do setor, as tarifas dos serviços de telefonia fixa foram represados por anos, evitando-se reflexo destas na inflação. Como consequências desta manipulação, dentre outras: a população não tinha acesso a este serviço básico e essencial (ou, se tinha, pagava muitíssimo por ele), florescia o mercado paralelo, as empresas não possuíam capacidade de investimento...

Esta decisão do STF provoca a reflexão: é cada vez mais necessário que se atente para o impacto, nas vidas de milhões de pessoas, de atuações do Estado na economia que tenham sido gestadas e paridas com finalidades político-partidárias.

Não se pode admitir que o Estado intervenha na economia para atingir objetivo seu ou de quem lhe ocupe o comando, ao mesmo tempo que não se pode rejeitar por completo a intervenção estatal no campo econômico, mesmo porque a Constituição a prevê e exige.

A Justiça deve, quando provocada e respeitando a discricionariedade do Executivo para a implantação e condução das políticas econômicas estatais, decidir sobre a atuação do Estado na economia, especialmente quando esta, visando ganhos partidários ou eleitoreiros, causa dano a empresas e consumidores.

Mas, ao lado da atuação da Justiça, cabe-nos, cidadãos, a atenção e o cuidado no exercício de nosso voto.

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* Leonardo Brandão é sócio e coordenador de Direito Público do escritório Décio Freire e Associados. Professor em Direito Público e Econômico. Mestre em Direito Econômico pela UFMG.

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