Machado de Assis, no conto O Alienista, narra o episódio ocorrido na pequena Itaguaí. Um grupo de 300 pessoas decidiu protestar e colocar abaixo um hospital público que tinha por destinação estudar a loucura em seus diversos graus e descobrir o remédio para combatê-la. Tudo porque a população entendeu que ocorreu desvio dos propósitos científicos. A rebelião era comandada pelo barbeiro Porfírio Caetano das Neves e os manifestantes, premidos mais pela arruaça do que pela causa em questão, entraram em confronto com a força policial, totalizando daí onze mortes e 25 feridos no embate. Depois de algum tempo, cessadas as manifestações, sem qualquer mudança nos propósitos, o hospital continuou atendendo e recebeu a mais viva admiração dos itaguaienses.
As manifestações populares ocorridas recentemente, pelas suas características agressivas, guarda um pouco de semelhança com a Revolta dos Canjicas, assim chamado o episódio narrado pelo Bruxo do Cosme Velho. Ambas provocaram instabilidade na ordem pública e trouxeram consequências desastrosas para a segurança da população. Uma das diferenças, no entanto, é que no conto os manifestantes, apesar de seus veementes protestos, apresentavam-se com os rostos descobertos, ao contrário dos atuais.
Premido pela modalidade contestatória violenta, o Legislativo Federal apresenta projeto que prevê proibição de máscaras ou qualquer objeto que dificulte a identificação das pessoas em protestos, com exceção dos festejos, eventos culturais, esportivos, representações artísticas e profissionais.
É certo que toda manifestação que tenha por finalidade reivindicar direitos para o grupo social, em tese, deveria ser ordeira, levando-se em consideração que o princípio democrático recomenda o comprometimento com o bem comum. Se ocorrer desvio no ato contestatório, com a ocorrência de agressões a pessoas ou a bens públicos ou privados, ou mesmo de expor um número ilimitado de pessoas a perigo, indiscutivelmente necessária a ação policial.
Mas o fato de o participante usar máscara ou qualquer outro meio que possa identificá-lo, por si só, separadamente, sem praticar qualquer ato censurável, sem ofender quem quer que seja, não enseja a prática de um ilícito. Se, porém enveredar pela prática de ato ofensivo, obrigatoriamente se justifica a providência policial com a detenção do agente e sua posterior identificação, providência que faz ruir por terra toda tutela constitucional da liberdade de expressão. Aliás, outro não é o propósito da lei 12.037/09, que trata da identificação criminal.
A mesma CF/88 garante a livre manifestação do pensamento, mas veda o anonimato (art. 5º, inciso IV) como forma de garantir o direito de resposta. Do mesmo modo, nosso Código Civil traz restrições aos direitos de personalidade (art. 20), mencionando expressamente a manutenção da ordem pública como situação excepcional.
Entretanto, há regras que precisam ser observadas, justamente para harmonizar todos os direitos contidos no ordenamento pátrio. Quer-se com isso afirmar que, ainda que haja proteção à identidade, imagem, liberdade de expressão e de pensamento, até mesmo em grau constitucional, não se deve esquecer as limitações que garantem o uso proporcional e razoável das garantias. Canotilho, muito sabiamente, já advertia a respeito da aplicação do princípio da proporcionalidade que deve ser ponderado cum grano salis.
Assim, o mascarado participante de ato público, se tiver uma conduta regrada pela ordem e comprometimento com a causa que pretende defender, sem empregar violência ou usar recursos que causem danos a terceiros, não pode ser considerado infrator pelo simples fato de se apresentar com o rosto coberto. Em caso contrário, não só o mascarado como qualquer outra pessoa que apresentar conduta incompatível e fincada em delitos previstos no Código Penal, poderá ser pilhada em flagrante delito, com sua consequente identificação. O que a lei tem que punir é a conduta ilícita e não o fato de se usar máscara ou qualquer vestimenta que resvala do padrão normal.
Tempos atrás alguns heróis populares dos filmes e revistas usavam máscaras para preservar suas identidades. Os mais velhos vão se recordar do Fantasma, que usava máscara preta e uniforme roxo e quando deixava a selva era conhecido como Mr. Walker ("o espírito que anda"). Os mais novos vão se sintonizar no Homem-Aranha (spider man), conhecido como Peter Parker, com o tradicional uniforme em vermelho e azul, cobrindo todo seu corpo.
Ambos mascarados, no entanto, combatiam o crime e trabalhavam para o bem.
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