A responsabilidade dos sócios nas obrigações contraídas pela sociedade limitada: Exceções à regra geral
Daniela Braga Guimarães*
Com o advento do Código Civil, as sociedades limitadas, antes conhecidas como “sociedades por cotas de responsabilidade limitada”, que correspondem a mais de 90% das sociedades regularmente constituídas1 , passaram a ser reguladas por 35 artigos, ao passo que o Decreto n.º 3.0709/19 continha apenas 19 artigos, demonstrando assim uma maior cautela do legislador em relação a essa sociedade, tão escolhida pelos empreendedores.
A “popularidade” das sociedades limitadas se deve pelo baixo custo para sua manutenção, aliada ainda à limitação da responsabilidade dos seus sócios em relação às obrigações contraídas em nome da sociedade. Ocorre, contudo, que a escolha desse tipo societário é realizada em regra sem que seus empreendedores, futuros sócios, tenham conhecimento dos casos em que responderão solidária ou subsidiariamente pelas obrigações contraídas. Em regra, sabe-se somente que a responsabilidade dos sócios é limitada. Mas a que se refere essa limitação? Em que casos os sócios responderão com seu patrimônio pessoal pelas dívidas contraídas pela sociedade?
Primeiramente, cumpre registrar que a responsabilidade dos sócios, nas sociedades limitadas, é restrita ao valor de suas cotas, respondendo solidariamente pela integralização do capital social, conforme determina o artigo 1.052 do Código Civil. Isso significa que cada sócio deve entregar (integralizar), para o sucesso do empreendimento, o valor prometido (subscrito), seja em moeda corrente ou bens. No entanto, para garantia dos credores, caso algum dos sócios deixe de proceder ao pagamento do valor prometido, competirá aos demais proceder à integralização até o valor total do capital social.
Existem diversos casos, previstos em legislação extravagante, em que os sócios responderão solidária ou subsidiariamente, com seu patrimônio pessoal, pelas obrigações contraídas pela sociedade que compõem.
O artigo 50 do Código Civil prevê a desconsideração da personalidade jurídica em relação a determinadas relações obrigacionais sempre que houver abuso de personalidade jurídica, ou seja, quando ocorrer desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nessas situações, pode o juiz determinar que os sócios ou administradores respondam com seus bens particulares pelo adimplemento da obrigação.
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 135, II, determina que são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, dentre outros, os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, assim como os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Em relação ao Direito Previdenciário, é interessante registrar que a Lei n.º 8.620/93, no artigo 13, estabelece literalmente que os sócios das sociedades limitadas respondem solidariamente, com seu patrimônio pessoal, pelas obrigações contraídas em nome da sociedade junto à Seguridade Social. Neste caso, considerando o interesse público, o legislador houve por bem determinar que a responsabilidade dos sócios é solidária, ou seja, não se faz necessário alcançar primeiramente os bens da sociedade para, se insuficientes, serem perseguidos os dos sócios. O interesse é o cumprimento da obrigação com o pagamento do crédito devido à Seguridade Social.
No que tange às obrigações decorrentes das relações de emprego, registre-se que os Tribunais Pátrios vêm decidindo pela responsabilidade subsidiária dos sócios. Desse modo, caso a sociedade não tenha bens que satisfaçam o crédito trabalhista, seus sócios responderão com o patrimônio pessoal.
Os direitos do consumidor, por sua vez, são garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor, no artigo 28. Nele está prevista a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, alcançando assim os sócios, nos casos de excesso de poder, abuso de direito, infração de lei, fato ou ato ilícito, ou ainda violação do contrato social. O § 5º do citado diploma estabelece especialmente que também poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica sempre que esta for obstáculo ao ressarcimento aos prejuízos causados aos consumidores. Percebe-se, portanto, que os direitos dos consumidores estarão resguardados, independentemente do tipo societário escolhido pelos seus sócios.
Nesse mesmo sentido, a Lei n.º 9.605/98, que dispõe sobre a responsabilidade por lesões ao meio ambiente, prevê a possibilidade da desconsideração sempre que a personalidade for um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Não há restrição aos sócios que compõem as sociedades limitadas. Todas as sociedades, inclusive as de responsabilidade limitada, podem tornar vulnerável o patrimônio de seus sócios em caso de descumprimento dos preceitos ambientais.
Pelo exposto, conclui-se que nas sociedades limitadas, não obstante a sua reconhecida característica de “limitação da responsabilidade dos sócios”, há diversas situações não previstas especificamente no Código Civil vigente em que os mesmos responderão, às vezes solidária, às vezes subsidiariamente, pelas obrigações contraídas em nome da sociedade. Assim, a escolha de um tipo societário não deve se restringir à simples análise do dispositivo direcionado ao tipo societário, sendo imprescindível um estudo abrangente dos interesses daqueles que vão investir no empreendimento e das características dos outros tipos societários previstos no ordenamento jurídico vigente.
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1Fonte: Departamento Nacional de Registro de Comércio – DNRC. Criado pela Lei n.º 4.048/34, tem por finalidade supervisionar e coordenar, no plano técnico, os órgãos incumbidos da execução dos serviços de Registro Público das Empresas, prestar orientações às Juntas Comerciais, dentre outras atribuições.
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*Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados
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