Migalhas de Peso

Decisão do STF no tocante à ampla manifestação concernente a políticos

Para o ministro Celso de Mello, a crítica jornalística não pode ser considerada abuso da liberdade de imprensa quando inspirada por razões de interesse público.

5/3/2014

Recente decisão do STF proferida no dia 19/2/14 veiculada pelo Migalhas de 21/2/14 tendo como relator o ministro Celso de Mello, (RExt com Agravo 732.744-DF), trazendo ao leitor uma verdadeira lição de constitucionalidade no tocante à liberdade de imprensa, extremamente oportuna, ainda que não seja um leading case pois nada mais salutar do que lembrar e relembrar a existência da uma Constituição e de um Tribunal que, muito embora atacados sem o menor respeito, ética e sensatez por parte de políticos, é a Corte Suprema do nosso país, e a ela devemos respeito. É o mínimo que se pode fazer.

A respeito do tema, o que vem a ser ética que, conforme dicionário é: conjunto de preceitos sobre o que é moralmente certo ou errado. (Houaiss, mini dicionário da língua portuguesa, p. 319, Objetiva, 2004), definição essa que certamente não é de conhecimento dos políticos e muito menos condizente com a postura que os cargos exigem, mesmo porque esses cargos são pagos pelos contribuintes, e muito bem pagos, cujo retorno não existe.

No caso em tela, político moveu ação visando reparação de danos morais contra determinada empresa e profissional de comunicação, frustrada no seu pleito, no sentido de que nada devia ser pago ao político a título de dano moral.

A CF/88 em seu artigo 5º, inciso IX, estabelece que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

JOSÉ AFONSO DA SILVA sempre lembrado, em comentários ao dispositivo acima consigna que: "6. Liberdade da atividade de comunicação. 6.1. Liberdade de comunicação. A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processo e veículos que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação. É o que se extrai dos incisos IV, V, IX, XII, e XIV do art. 5º, combinados com os arts. 220 a 224, da CF. Compreende ela as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização dos meios de comunicação, esta sujeita a regime jurídico especial, de que se dará notícia em seqüência. 6.2. Meios de comunicação". (Comentário Contextual à Constituição, 8ª. Ed., M, p. 501).

Por sua vez, o art. 220 do mesmo diploma estabelece verbis: "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nestas Constituição. Parágrafo primeiro. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV".

É ainda JOSÉ AFONSO DA SILVA ao enfrentar o art. 220 da Magna Carta, a saber: "A liberdade de informação jornalística de que fala a Constituição (art. 220, parágrafo 1º) não se resume mais na liberdade de imprensa, pois esta está ligada à publicação de veículo impresso de comunicação. É liberdade de alcança qualquer forma de difusão de notícias, comentários e opiniões, por qualquer veículo de comunicação social. Exatamente porque a imprensa escrita, falada e televisada constitui poderoso instrumento de formação da opinião pública (mormente com o desenvolvimento das máquinas interplanetárias, destinadas a propiciar a ampla transmissão de informações, noticias, idéias, doutrinas e até sensacionalismos) é que se adota, hoje, a idéia que ela se desempenha uma função social consistente, em primeiro lugar, em exprimir às autoridades constituídas o pensamento e a vontade popular, colocando-se quase como um quarto Poder, ao lado do Legislativo, do Executivo e do Jurisdicional. É que ela constitui uma defesa contra todo excesso de poder e um forte controle sobre a atividade político-administrativa e sobre não poucas manifestações ou abusos de relevante importância para a coletividade". (ob., cit. p. 845, M)

JOSÉ FRANCISCO CUNHA FERRAZ FILHO em comentário ao art. 5, IV, da CF/88, assim se expressa: "Liberdade de expressão. O direito de expressar o pensamento sobre qualquer tema é pressuposto da vida democrática. Assim como a sociedade vive e se atualiza na informação 0 escrita, falada ou gesticulada -, aquele que traz a informação deve aparecer. O espaço púbico exige informação, mas ao mesmo tempo exige transparência, sem a qual a interação se mostraria pobre e desonesta. A transparência – falta de anonimato – e a informação – viabilizada pela liberdade de expressão – são requisitos fundamentais para a democracia e para a constituição da sociedade política. Na esfera civil, o anonimato desqualifica qualquer informação e a torna descartável, por mais verdadeira que pareça". (Constituição Federal Interpretada, 2ª. Ed., Manole, p. 18, 2011)

Por outro lado, Ementa do decisório em tela assim se expressa:

"EMENTA: Liberdade de expressão. Profissional de imprensa e empresa de comunicação social. Proteção constitucional. Direito de crítica: prerrogativa fundamental que se compreende na liberdade constitucional de manifestação do pensamento. Magistério da doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (ADPE 130/DF. Rel. Min. AYRES BRITTO – AI 505.595-AgR/RI. Rel. CELSO DE MELLO – PET 3.486/DF, Rel. CELSO DE MELLO,vg). Jurisprudência comparada (Tribunal Europeu de Direitos Humanos e Tribunal Constitucional Espanhol) O significado político e a importância jurídica da Declaração de Chapultpec (11/03/1994). Matéria jornalística e responsabilidade civil. Excludentes anímicas e direito de crítica. Precedentes Plena Legitimidade do direito constitucional de crítica a figuras públicas ou notórias, ainda que de seu exercício resulte opinião jornalística extremamente dura e contundente. Recurso extraordinário provido. Consequente improcedência da ação de reparação civil por danos morais".

Tendo em vista que o acórdão é extremamente rico e de conclusão inequívoca, porém contendo um número expressivo de páginas transcreveremos algumas passagens a nosso ver relevantes.

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"Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender dentre outras prerrogativas relevantes que He são inerentes, (a) o de direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.

A crítica jornalista, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as figuras públicas, independentemente de ostentarerm qualquer grau de autoridade.

É por tal razão que a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas púbicas, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade.

É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom crítica severa, dura ou, até impedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública investida, ou não, de autoridade governamental, pois em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.

Com efeito, a exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas como elementos materializadores da prática concreta do direito de crítica, descaracterizam o 'animus injuriandi vel diffamandi', legitimando, assim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de imprensa.

Daí a existência de diversos julgamentos, que proferidos por Tribunais judiciários, referem-se à legitimidade da atuação jornalística, considerada, para tanto, a necessidade do permanente escrutínio social a que se acham sujeitos aqueles que, exercentes, ou não, de cargos oficiais, qualificam-se como figuras públicas.

Vê-se, poistal como tive o ensejo de assinalar (Pet. 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF Nº 398/20050 - que a crítica jornalística, quando inspirada por razões de interesse público, não importando a acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda mais quando dirigida a figuras públicas com alto grau de responsabilidade na condução dos interesses de certos grupos da coletividade, não traduz nem se reduzem sua expressão concreta, à dimensão do abuso da liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, de sofrer qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo".

O acórdão também traz jurisprudência já existente como se vê abaixo:

"Responsabilidade civil. – Imprensa – Declarações que não extrapolam os limites do direito de informar e da liberdade de expressão em virtude de contexto a que se reportava e por relacionar-se à pessoa pública. Inadmissibilidade de se cogitar do dever de indenizar – Não provimento". (Apelação nº 502.243-4/3, Rel. Des. ÊNIO SANTARELLI ZULIANI – TJSP – grifei)

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"Indenização por dano moral. Matéria publicada, apesar de deselegante, não afrontou a dignidade da pessoa humana, tampouco colocou a autora em situação vexatória. Apelante era vereadora, portanto, pessoa pública sujeita a críticas mais contundentes. Termos deseducados utilizados pelo réu são insuficientes pra caracterizar o dano moral pleiteado.

Suscetibilidade exacerbada do pólo ativo não dá supedâneo à verba reparatória pretendida. Apelo desprovido". (Apelação Cível nº 355.443-4/0-00, Rel. Des. NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA – TJSP – grifei)

Independentemente dos acórdãos oriundos do STF os Tribunais de Justiça também já se manifestaram nesse sentido, deixando bem claro que os políticos, por incrível que pareça, estão igualmente vinculados ao contido no art. 5º da CF/88, muito embora na prática não é o que vemos .

Cabe salientar, por derradeiro, que este articulista é um dos operadores do direito há mais de cinqüenta anos e que jamais teve notícia de desagravos diretos e contundentes ao Poder Judiciário, mais especificamente ao STF e ao próprio presidente.

A importância desse julgado e dos demais que o antecederam vem ao encontro de uma postura série e real, em que, como dito acima as instituições têm que necessariamente ser respeitadas sobre pena de eventual ameaça ao regime democrático e porque não dizer a um dos Poderes (art. 2º, da CF/88).

Lamentavelmente essas condutas são oriundas dos Poderes Executivo e Legislativo que, este último, é absolutamente inerte, totalmente alheio ao que ocorre fora dos limites da “Ilha”, servindo o poder Executivo, ou seja, não vem legislando há muito tempo.

In summa, há que respeitar os poderes constituídos e as instituições para que possamos ter uma verdadeira democracia, o que segundo consta, o célebre PM Wiston Churchil certa feita teria dito que a democracia ainda é o melhor dos regimes.

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* Luiz Fernando Gama Pellegrini é desembargador aposentado do TJ/SP.

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