Há tempos, a sociedade brasileira tem clamado por uma maior celeridade na tramitação dos milhares de processos que se acumulam pelos Tribunais de toda a Federação. Uma das formas de tornar o procedimento mais célere se deu com a implementação do processo eletrônico.
A medida é muito bem vinda e se fazia extremamente necessária para que o cidadão se aproximasse mais de garantia já agasalhada pela Constituição Federal em seu art. 5º, LXXVIII:
"a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."
A toda evidência, o Poder Judiciário está muito longe de conferir ao jurisdicionado um processo com duração razoável e célere. Porém, é necessário ver com bons olhos as ações adotadas pelas instituições competentes para que tal objetivo seja alcançado.
Porém, tão importante quanto um processo célere, é que toda a sistemática implementada em nome da agilidade, não fira de forma alguma, a garantia do devido processo legal, igualmente previsto na Constituição Cidadã de 1988, em seu art. 5º, LIV: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;"
Ocorre que com a implementação do processo eletrônico, alguns Tribunais, simplesmente negaram vigência ao art. 191 do Código de Processo Civil, mudando radicalmente a sistemática processual em vigor e ferindo de morte o postulado do due process of law, o que, sem dúvida, trouxe vários prejuízos às partes e aos advogados militantes.
Recentemente, uma das Turmas Julgadoras da 30ª Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por ocasião do julgamento de recurso de Agravo de Instrumento nº 0084668-50.2013.8.26.000, reconheceu a não aplicação do art. 191 do Código de Processo Civil aos processos que tramitam pela via eletrônica.
Valendo-se de precedente jurisprudencial oriundo do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a questão restou decidida pelo acórdão em comento da seguinte maneira:
"Por fim, com razão a Juíza da causa quando entendeu não mais ser possível aplicar aos processos eletrônicos a regra do artigo 191, do Código de Processo Civil. A título de fundamentação, limito-me a reproduzir V. Acórdão proferido pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que bem enfocou a matéria:
'... EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PRAZO EM DOBRO. ART. 191 DO CPC. LITISCONSÓRCIO COM DIVERSIDADE DE PROCURADORES. PROCESSO ELETRÔNICO. DESNECESSIDADE. O artigo 191 deve ser interpretado de forma teleológica, isto é, de forma a atender à finalidade da norma, respeitando os princípios da utilidade, igualdade e da ampla defesa. Assim, a regra contida no art. 191 do CPC é inaplicável ao processo eletrônico, posto que não se fazem mais presentes as restrições para vista dos autos. (TRF 4ª Região - Agravo de Instrumento nº 5003563-11.2013.404.0000/PR Rel. Des. Fed. FERNANDO QUADROS DA SILVA j. 15 de maio de 2013)’ "
Importante verificarmos o quanto dispõe o mencionado dispositivo do Código de Processo Civil:
"Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos."
Confrontando o julgado colacionado com o conteúdo do artigo em destaque, a primeira pergunta que deve ser feita é se tal norma está em vigor, já que o v. acórdão simplesmente negou vigência a texto expresso de lei de forma incontestável.
Vale esclarecer que o art. 191 do Estatuto Processual Civil foi inserido no sistema processual em 11 de janeiro de 1973, passando a vigorar em 1º de janeiro de 1974 de forma ininterrupta até então.
Por óbvio, a situação era totalmente distinta da atual, notadamente, se considerarmos o processo eletrônico, o que de certa forma, torna compreensível o entendimento adotado pelo julgado em questão.
Aqui se reconhece que, de fato, não faz mais qualquer sentido a concessão de prazo em dobro para falar nos autos em se tratando de processo eletrônico, já que as partes tem livre acesso aos autos. Porém, muito pior, é alterar regras sobre prazos processuais sem qualquer aviso prévio às partes. E mais. Quando há lei em vigência afirmando exatamente o contrário.
Ora, a própria lei que estabeleceu o processo eletrônico, a saber, 11.419/06, não fez qualquer menção ou ressalva quanto à mudanças no sistema de contagem de prazo, de tal sorte que a mudança abrupta da jurisprudência é injustificável por qualquer ângulo que se examine, notadamente, por causar grave insegurança jurídica.
Para se demonstrar a gravidade da situação, a título de exemplo, imagine-se que a jurisprudência passasse a entender que o prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de contestação, em ações em trâmite pelo rito ordinário, se iniciaria na data da citação e, não, da juntada aos autos do aviso de recebimento ou mandado de citação por entender que não faz mais sentido se aguardar a juntada.
Guardada as devidas proporções, foi exatamente o que o v. acórdão em análise acabou por produzir, uma enorme sensação de insegurança jurídica e injustiça, por ter alterado regras processuais vigentes que eram observadas por advogados há anos.
O aclamado Prof. Flávio Luiz Yarshell, com a propriedade que lhe é peculiar, ao comentar sobre julgados que afastaram à aplicação do art. 191 do Código de Processo Civil aos processos eletrônicos, asseverou que:
"Com a devida vênia, interpretação dessa natureza é equivocada e gera insegurança incompatível com o que legitimamente se espera do processo judicial.
Regras sobre prazos são parte importante da disciplina da relação jurídica processual e, portanto, estão sujeitas ao princípio da legalidade. Se a lei que regulou o processo eletrônico nada estabeleceu a respeito, não é lícito ao intérprete presumir regra que restrinja de prerrogativa até então vigente.
As normas processuais sobre prazos – de cuja falta de observância podem decorrer prejuízos relevantes para as partes, sem falar na responsabilidade funcional dos advogados – devem ser interpretadas à luz dos princípios constitucionais da segurança e da confiança legítima. Inteligência que simplesmente tenha por implicitamente derrogada a regra do art. 191 do CPC não se coaduna com tais postulados e, portanto, não se harmoniza com o conteúdo do devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LIV)."1
Sendo assim, ao nosso ver, até que sobrevenha alteração legislativa em sentido contrário, o artigo 191 do Código de Processo Civil permanece hígido e deve ser adotado, inclusive, no processo que tramite de forma exclusivamente eletrônica, em homenagem ao postulado constitucional do devido processo legal.
Aos juízes que não comunguem do entendimento acima, ousaria recomendar para que, ao menos, informem as partes de forma ostensiva nos mandados de citação e intimação, que os prazos não serão computados em dobro, o que evitaria muitos prejuízos às partes litigantes.
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1 Processo eletrônico e prazos processuais: vigência plena da regra do art. 191 do CPC. Artigo publicado na Carta Forense em 2/4/13.
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